Escrevo há um mês no Bola na Rede, abordando semanalmente questões que considero importante destacar ou corrigir na actualidade do Benfica. Neste período, temos assistido ao regresso lento e silencioso daquilo que denominamos tranquilidade – e que anseio designar em definitivo por normalidade –, na sequência de visíveis melhoramentos que nem a derrota no Dragão pode revogar. Por outro lado, parece-me agora óbvio que o anúncio antecipado da invencibilidade dos nossos adversários – perante nós e os outros – brotou algo precipitado. Os defeitos são antigos e estão identificados, porém, permanece adiada sine die uma solução real: seria como evitar o naufrágio num barco (azul) sem capitão; ou ver navegar um capitão sem barco (verde).
Resolvido a confiar no progresso – do treinador e da equipa –, perdi, nos dias que antecedem este texto, algumas das comichões mais incomodativas: os golos de Jonas, as exibições de Gaitán e Gonçalo Guedes e, naturalmente, a recuperação pontual para a liderança são bálsamos que aumentam a confiança; sobra-me a crença de que o futuro confirme a evolução. Enquanto aguardo, opto, desta vez, por dedicar este espaço ao momento semanal onde mais se se debruçou sobre a realidade do universo benfiquista, nas suas diversas dimensões: refiro-me, obviamente, ao discurso de Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, proferido na última Assembleia-Geral do seu clube.
A estratégia de Bruno de Carvalho tem prazo de validade expirado: encontra-se nos livros de História (dos que tratam regimes e lideres), em capítulos eternamente sublinhados como maus exemplos de política e humanismo. O presidente do Sporting – instituição que me merece todo o respeito – investiu-se como Génio da Revolução adoptando a postura dos que combatem incessantes vagas de inimigos imaginários – no interior e no exterior. O objectivo (já batido) escapa apenas aos ingénuos e radicalizados: a sua ascensão e consolidação como líder; mais o benefício que essa posição lhe confere e que, segundo consta, se prepara para aumentar significativamente (por razões onde até cabem as próprias filhas).
Na verdade, pouco me importam as purgas levadas a cabo contra ex-dirigentes; ou a campanha de descrédito contra a oposição; ou as ameaças dirigidas a deputados, em Portugal e na Europa, intrigados com a origem do dinheiro; ou a retórica apocalíptica que inspira a dúvida e o medo – são questões para os sportinguistas resolverem, mais cedo ou mais tarde. O que me importa (e incomoda) realmente é o facto de Bruno de Carvalho, em discurso na Assembleia-Geral do seu clube, ter emitido a palavra “Benfica” e feito referências directas ao meu clube cerca de duas dezenas de vezes.
O Benfica é o inimigo externo por excelência. A simples referência ao Glorioso provoca nos sportinguistas reacções químicas automáticas e involuntárias que, de uma assentada, permitem atenuar a vergonha pela derrota (dentro e fora do campo) e reforçar o orgulho, muito menos por amor a si, mas apenas por ódio ao rival. Bruno de Carvalho apropria-se desse sentimento (próprio do futebol) e utiliza-o estrategicamente. No fundo, trata-se de propagar um conjunto insistente de mentiras e ameaças, conduzindo o estado de espírito do ouvinte para aquilo que se pretende. Resumindo: é o efeito do populismo – camuflado em defesa do Sporting e ataque ao Benfica – que amolece as consciências e sempre causa danos.
Jamais apoiaria textos tão mal escritos ou a resposta aos mesmos alguém com responsabilidades no Benfica – porém, sou apenas um adepto; permito-me, por isso, perder algum do meu tempo para refutar algo daquilo que Bruno de Carvalho referiu, sobre o meu clube, no seu discurso:
1. O Benfica não fica em Carnide. Conhecesse as origens deste clube e Bruno de Carvalho saberia que o Benfica já teve várias moradas; este clube é do povo e, como tal, dos quatro cantos do mundo.
2. O Benfica contratou o Franco Cervi; o presidente do Rosário Central já esclareceu a nega dada ao Sporting, na sequência das negociações com “um grupo de investidores de um país a que não estamos habituados”. Bruno de Carvalho esqueceu-se de esclarecer (tal como se esqueceram de lhe perguntar) a que país se referia o dirigente argentino – mais valem 4,8 limpos do que seis sujos; Mitroglou não veio porque o Sporting não o quis e preferiu o Teo; vê-se logo que aquele draft, colocado ontem em circulação pública, foi feito por um miúdo qualquer. Para já, Adrien lidera a lista com dois golos de penálti.
3. O Sporting tem muitos adeptos. O Benfica também. A dúvida é saber se 4,5 milhões cabem nas ruas deste mundo – em Portugal, Paris, Genebra, Luxemburgo, Newark, Luanda, Praia, Bissau, Maputo, S. Tomé, Dili e muitas outras (com maior ou menor dimensão) –, que se enchem por completo sempre que o Benfica se sagra campeão; a contabilidade é difícil de se fazer: uns preferem ficar em casa e outros vivem na Namíbia. No caso do Sporting, não tem havido muitas ruas para contar – mas aposto que, quando chegar a altura, será fácil confirmar os 3,5 milhões: do Marquês de Pombal à Baixa de Malabo.
Foto de Capa: Sporting Clube de Portugal