A cada início de época desportiva, depois de muitos cheques assinados e milhões gastos, renovam-se expectativas e fixam-se objectivos. Confesso que, dentro desse vendaval de declarações, me faz confusão aquela crença desmedida que sempre invade alguns protagonistas do meu clube (e, na realidade, de outros também) que “o objectivo é chegar à final da Champions”. Não é. Ou melhor, até pode ser, mas não de forma realista. E, chegados a Dezembro, o choque com a realidade torna-se ainda mais cru e, inevitavelmente, mais duro.
Paulo Fonseca tem um mérito: bate recordes. Mas, para mal dos seus pecados e para desgraça das almas portistas, o seu nome fica (pelo menos, para já) associado a momentos negativos. O primeiro: numa edição da Liga dos Campeões, nunca o FC Porto havia feito apenas um ponto em três jogos caseiros. O segundo: nunca uma equipa que amealhou seis pontos na fase de grupos da Champions conseguiu o apuramento para a fase seguinte (como sucedeu com o Zenit, adversário do FC Porto no Grupo G).
Justamente, fazendo um balanço, o Zenit está, ao fim ao cabo, por mérito próprio nos oitavos-de-final. Mas mais, muito mais, por demérito, incompetência e incapacidade do FC Porto. Ou azar, como alguns lhe chamam. A equipa russa está longe de o ser verdadeiramente; conta com duas ou três individualidades (à cabeça, Hulk) que podem desequilibrar um jogo mas, fora isso, arriscar-me-ia a dizer que são uma das duas equipas mais frágeis que prosseguirão na Liga Milionária. Pior do que isso, o FC Porto acaba em igualdade pontual com o colosso Áustria de Viena, tendo, para cúmulo, marcado menos um golo do que esse conjunto representativo de uma grandes potências do futebol europeu do momento, a Áustria! Sobra o Atlético de Madrid – uma equipa na verdadeira acepção da palavra, capaz, hoje, de bater qualquer concorrente. Comecemos precisamente por aí…
“Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. Ora aqui está um dito popular que desde o primeiro dia devia ter sido forrado nas paredes do balneário do Dragão. Chegar à última jornada, ao Vicente Calderón, casa do Atleti, precisando imperiosamente de vencer e ficar à espera de um resultado menos positivo do Zenit em Viena é o primeiro passo para o insucesso. Não se pode dizer que o Dragão não tenha tentado. Porém, foi, de novo, atraiçoado pelos seus (Helton, outra vez?; Maicon, um defesa central não é um sinaleiro; Josué, era o penalty mais importante da tua carreira…), pelos postes, mas, sobretudo, pelo desvario colectivo, pela insistência nos equívocos e pela falta de discernimento (na finalização, principalmente).
Todavia, semanas antes, no Dragão, a hipótese de subir ao 2º lugar e ficar a depender de si próprio para garantir o apuramento estava a um pequeno passo. E o que fez o TriCampeão nacional? Como antes, desperdiçou. Danilo juntou o seu nome ao rol dos disparates individuais, ofereceu um golo aos austríacos e o mal menor foi um passo de ‘Cha Cha Cha’ Martinez que permitiu aos sempre crentes (como eu) continuar a sonhar com algo que a própria equipa a cada momento foi tratando de desmentir: ter capacidade para ser uma das melhores dezasseis da Europa.
Já vos tinha falado de Alex Sandro? Parece que o United anda de olho nele; belo lateral esquerdo, muita capacidade ofensiva, excelente técnica, bom cruzamento mas, aparentemente, o frio causa-lhe pequenas paragens cerebrais. Como em São Petersburgo na 4ª Jornada. É certo que Helton ajudou à festa mas quem tem Hulk por perto não se pode dar a momentos de relaxamento. Os Dragões até estavam a fazer um jogo de grande personalidade, encostando o Zenit às cordas, inaugurando o marcador e, pela primeira vez, virando o destino a seu favor. Mas largos erros tem esta Champions…
A melhor equipa (repito, equipa) que se viu ao FC Porto foi aquela que recebeu o conjunto russo, no Dragão, em finais de Outubro. Herrera tratou de agradecer a titularidade a Paulo Fonseca com um ridículo e, na mesma proporção, inocente duplo amarelo entre o minuto 5 e 6 mas nem sequer foi isso que abalou o Dragão: aquela clássica característica que se associa à equipa portista e que, por vezes, disfarça a ausência de assinalável qualidade ressurgiu e, perante as adversidades, o FC Porto voltou a ser guerreiro, determinado e abnegado. É indesmentível que o golo de Kerzakhov aos 85’ foi um tremendo banho de água fria mas, pelo menos nessa noite, houve orgulho.
Os (raros) sinais de suprema equipa no FC Porto desta competição reduzem-se essencialmente àquela primeira parte diante do Atlético, na 2ª Jornada, no Dragão. Sem fraquejar, pressionando a campo inteiro, intensa, dominadora, a equipa portista haveria de revelar a sua verdadeira face na segunda metade desse encontro – de dominador a dominado, bastou um golo de Godín. De indestrutível a confrangedor, chegou um golo sofrido de livre e digno do escalão de iniciados ao nível mais distrital. Sobrou a certeza de que o Atleti era o real cabeça-de-série do grupo.
Primeiramente, o Prater havia servido de anfitrião à estreia dos Dragões na Champions deste ano. Numa exibição-paradigma daquilo em que se viria a tornar, a equipa lá arrecadou uma vitória que hoje se afirma incrivelmente como preciosa. Lucho adiantou a equipa numa bela (e única) jogada colectiva mas esse foi, de facto, o oásis no meio de um imenso deserto – no fundo, a única vitória em seis jogos.
Tudo somado, a equipa portista cometeu, em diversos momentos, e de forma reiterada, erros verdadeiramente imperdoáveis numa competição deste nível. Mas mais do que essas falhas individuais que fazem corar o mais amador dos futebolistas, não deixa de ser elucidativo que no jogo final, depois de desperdiçadas duas oportunidades de ficar a depender de si próprio, estando obrigado a ganhar, a equipa portista não tenha sequer conseguido marcar um golo. Obviamente que não foi em Madrid que o apuramento ficou comprometido (este seria, aliás, o jogo mais ‘normal’ de perder).
O que foi verdadeiramente impressivo, desde o início de competição, foi a falta de maturidade, de inteligência e de capacidade para gerir os ritmos do jogo (em Viena ou em casa frente ao Atlético); foi igualmente a falta de qualidade de jogo fluido e organizado da equipa (como em casa contra o Áustria ou agora em Madrid); mas, e sobretudo, os erros individuais cometidos por diferentes jogadores, provocados por falta de concentração, de experiência ou, simplesmente, de qualidade, que sempre acabaram por frustrar os objectivos da equipa e torna-la vitima de si própria.
Nesta edição da Champions, o FC Porto não foi capaz de aproveitar o grupo em que estava inserido e as fragilidades evidentes dos seus directos opositores (Zenit e Áustria de Viena). Antes, criou, em si mesmo, um novo adversário. E, jogo após jogo, desleixe após desleixe, foi deixando para amanhã o que podia fazer hoje. Mas, em abono de verdade, nunca demonstrou que o podia fazer.
Segue-se uma Liga Europa. E seguir-se-á, assim o creio, um novo regresso à melhor competição do Mundo de clubes. Mas aí que o objectivo assumido – por favor! – não seja o de estabelecer uma meta realisticamente inatingível. Que seja apenas o de ser um Porto competente, determinado e inteligente. Depois… pode ser que a Champions deixe de ser uma utopia.