É Francesco Farioli o melhor treinador da Primeira Liga?

No futebol português, há muito habituado a viver da alternância entre projetos sustentados e a eterna procura pelo resultado imediato, surgiu um treinador que parece ter nascido para contrariar a lógica instalada. Francesco Farioli, italiano de apenas 36 anos, é hoje, na minha opinião, o técnico que melhor traduz a modernidade do jogo dentro das quatro linhas. Ainda sem títulos, ainda sem a chancela que só a prata da casa e os troféus permitem inscrever na história, mas já com a certeza de que a sua presença em Portugal é um sopro de frescura num campeonato que tantas vezes se fecha sobre si próprio.

Não é apenas a juventude que impressiona, nem a postura serena no banco. É a profundidade de pensamento, a clareza da ideia e a coragem de a aplicar sem concessões. Farioli, inspirado em Roberto De Zerbi e noutras escolas de pensamento futebolístico, acredita que o futebol não se resume a ganhar, mas sim a transformar o jogo num organismo vivo, em constante mutação, onde cada jogador se torna parte de uma engrenagem maior. Essa filosofia não se resume a palavras: vê-se na forma como a sua equipa se organiza, como procura controlar os ritmos de jogo, como arrisca na saída de bola mesmo quando o adversário pressiona alto, e como acredita que o domínio através da posse é a chave para manter o controlo emocional da partida.

Francesco Farioli FC Porto
Fonte: Paulo Ladeira / Bola na Rede

A passagem pelo Ajax foi, talvez, o exemplo mais claro desta ideia. O clube neerlandês, habituado a viver sob o peso da sua própria história, entregou-lhe um projeto exigente. Durante meses, Farioli conseguiu transformar a equipa num coletivo vibrante, capaz de somar vitórias e de liderar a liga com autoridade. Chegou a ter nove pontos de avanço, num campeonato que parecia controlado, e devolveu ao Ajax uma identidade que muitos julgavam perdida. O futebol era feito de circulação curta, combinações rápidas, laterais projetados em movimentos interiores e uma pressão intensa que sufocava os adversários. Era uma equipa que se aproximava da tradição ofensiva do clube e que devolvia entusiasmo aos adeptos.

Mas a reta final foi cruel. A equipa cedeu pontos importantes, perdeu o conforto da liderança e acabou por falhar a conquista do título. Houve quem dissesse que faltou maturidade, que faltou uma certa frieza competitiva para gerir a vantagem, que faltou, até, frescura física, mitigada pela intensidade que as suas equipas colocam nos jogos.

No entanto, seria redutor olhar para a experiência apenas pelo prisma do fracasso. Farioli deixou Amesterdão com muito mais do que uma classificação final: deixou uma filosofia, potenciou jovens que ganharam espaço e confiança, e mostrou que o futuro do clube podia ser construído em torno de um futebol corajoso. Se falhou no resultado, venceu no processo — e, no futebol, há derrotas que ensinam mais do que vitórias fáceis.

Em Portugal, trouxe consigo essa matriz de jogo e soube adaptá-la às exigências do nosso campeonato. A sua ideia parte sempre da construção desde trás, em que os centrais e o guarda-redes assumem protagonismo e os médios oferecem linhas de passe interiores. O objetivo não é apenas sair com segurança, mas atrair o adversário e abrir espaços nas costas. Os laterais, longe de serem meros corredores de fundo, surgem como peças híbridas: ora oferecem largura máxima para esticar a defesa contrária, ora se projetam para zonas interiores, confundindo marcações e permitindo que os extremos se aproximem da área como segundos avançados. A equipa pensa sempre coletivamente, como se cada jogador soubesse não só o que tem de fazer, mas também o que o colega ao lado irá fazer a seguir.

Outro aspeto que distingue Farioli é a forma como encara o momento defensivo. Ao contrário de técnicos que olham para a perda da bola como um problema, o italiano vê aí uma oportunidade. A pressão imediata após a perda é uma das suas marcas, e não é feita de forma desorganizada ou emocional. Há critérios claros: identificar adversários de costas, zonas do campo onde a recuperação pode gerar perigo imediato e momentos em que a equipa deve recuar para se reorganizar. É uma defesa feita com a bola e sem a bola, com inteligência e intensidade.

Rui Borges Sporting
Fonte: Pedro Barrelas / Bola na Rede

É precisamente esta clareza de ideias que o distingue de Rui Borges, treinador português que, na época passada, surpreendeu, no meio de tantas lesões e outras dificuldades que enfrentou, ao conquistar a Dobradinha. Rui Borges tem, sem dúvida, mérito pela coragem de apostar num sistema híbrido entre o 4-2-3-1 e o 3-4-3, pela forma como acreditou na sua visão e conseguiu transformar a equipa do Sporting numa máquina competitiva.

Porém, o seu trabalho revela também limitações. Borges pensa mais no contexto imediato, por vezes, adapta-se ao adversário e já mostrou que (também por vezes, atenção) molda a sua estratégia em função do momento. É pragmático, competente e convicto, mas não apresenta ainda a profundidade estrutural que distingue os grandes pensadores do jogo. A sua conquista é histórica, mas parece fruto de um ciclo específico e de um grupo particularmente bem afinado, mais do que a expressão de uma ideia capaz de resistir a qualquer contexto.

Francesco Farioli, pelo contrário, mostra que a sua matriz de jogo não depende de nomes, mas de conceitos. As suas equipas jogam sempre de acordo com o mesmo princípio, independentemente das peças disponíveis. Se Rui Borges merece aplauso pelo atrevimento e pelo sucesso imediato, Farioli merece admiração pela consistência e pela visão de longo prazo. É a diferença entre quem vence uma batalha e quem desenha uma estratégia para vencer a guerra.

José Mourinho Benfica
Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

Do outro lado da comparação, José Mourinho é um nome incontornável. O atual treinador do Benfica continua a ser uma figura lendária do futebol mundial, mas a sua herança começa a pesar mais do que a sua atualidade. Mourinho construiu uma carreira a vencer, muitas vezes com futebol pragmático e pouco vistoso, mas sempre eficaz. Contudo, nos últimos anos, as suas equipas deixaram de vencer com regularidade e também não encantam.

O problema já não é o estilo, mas a incapacidade de se adaptar ao jogo moderno, marcado pela velocidade das transições, pela polivalência tática e pela exigência de dominar a posse de forma dinâmica. Mourinho continua fiel à sua identidade, mas essa identidade já não encontra espaço num futebol que pede criatividade e ousadia. As suas equipas já não entusiasmam, nem pela estética, nem pelos resultados, e isso é um sinal de que o tempo não espera por ninguém.

É neste quadro que Francesco Farioli se afirma como o melhor treinador a atuar em Portugal. Não é o mais titulado, não é o mais experiente, mas é aquele que melhor interpreta o jogo de hoje e, sobretudo, o jogo de amanhã. É um técnico que alia coragem e visão, capaz de transformar cada treino numa lição de posicionamento e cada jogo num manifesto sobre a beleza do risco. A sua maior virtude é convencer os jogadores de que vale a pena acreditar na ideia, mesmo quando o caminho é mais difícil.

Ainda não levantou troféus, mas o seu impacto vai muito além da vitrine. Cá em Portugal, é o treinador que mais desafia os adeptos a irem ao estádio não apenas para verem o resultado, mas para testemunharem a construção de um futebol que devolve prazer ao jogo. Num campeonato tantas vezes sufocado pelo imediatismo e pelo medo de falhar, Farioli oferece-nos uma lufada de ar fresco, lembrando que o futebol é, acima de tudo, humano: feito de convicções, de coragem e da vontade de mudar o presente para construir o futuro.

Sotiris Sylaidopoulos Francesco Farioli FC Porto
Fonte: Tiago Cruz / Bola na Rede

Em suma, e para responder à pergunta inicial, parece-me que sim, neste momento, Francesco Farioli é o melhor treinador da Primeira Liga. O técnico italiano tem conseguido aliar bons resultados a boas exibições e parece-me mais bem preparado para o futuro que se avizinha do que Rui Borges ou José Mourinho, dois treinadores pelos quais tenho grande admiração e apreço, por motivos e por feitos distintos, mas que, no momento, não me parecem estar ao nível de Farioli, também por razões diferentes acima já explicadas.

Porém, reitero e acrescento: Rui Borges porque não me parece ter o estofo internacional que uma equipa grande em Portugal necessita de o ter, e Mourinho porque já está, natural e claramente, numa fase descendente da sua carreira como técnico, como provam as estatísticas que somou na última década, nomeadamente nos últimos clubes por onde passou.

Raul Saraiva
Raul Saraiva
O Raúl tem 19 anos e está a tirar a Licenciatura em Ciências da Comunicação. Pretende seguir Jornalismo, de preferência desportivo. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser melhor.

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