Há em Frederico Varandas uma dualidade curiosa: a do dirigente que se apresenta como paladino da verdade desportiva, mas que a invoca de forma seletiva, consoante o vento sopra. Recentemente, o presidente do Sporting voltou a posicionar-se como voz moral do futebol português, comentando as críticas do rival lisboeta à arbitragem e ao ambiente eleitoral. Fê-lo com a segurança de quem acredita ocupar um plano superior de lucidez e racionalidade, uma espécie de guardião da integridade num mar de excessos.
Contudo, a memória do adepto é mais atenta do que por vezes se julga. Na final da Taça de Portugal, quando as decisões de arbitragem geraram controvérsia, o mesmo Frederico Varandas optou por um silêncio conveniente. A indignação que agora o anima parecia, então, adormecida. É precisamente nessa oscilação que reside o cerne da questão: a verdade, tão proclamada, parece ter graus de conveniência.

Varandas tem sido frequentemente apresentado como um novo tipo de dirigente, mais educado, mais racional, um rosto moderno num futebol que vive ainda refém de velhos hábitos. E, em certa medida, é inegável que trouxe ao discurso desportivo uma postura mais serena, menos belicosa. Mas a serenidade não deve ser confundida com coerência. A elegância do tom não substitui a firmeza dos princípios.
O presidente leonino defende a transparência, o mérito e a verdade desportiva, valores que todos gostaríamos de ver mais presentes no futebol português. Porém, o problema surge quando esses ideais se tornam instrumentos de oportunidade, brandos quando a polémica toca o próprio clube e contundentes quando atingem o rival. É nesse vaivém moral que se esconde a contradição: a defesa da verdade só é plena quando resiste também ao desconforto.
Frederico Varandas não é, certamente, o primeiro presidente a cair nessa armadilha, nem será o último. Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira, em estilos distintos, também se apresentaram como reformadores enquanto jogavam o mesmo jogo de poder. Varandas distingue-se na forma, mas não tanto no fundo. Representa uma versão mais polida, mais contida, de um modelo que o futebol português conhece bem: o dirigente que promete elevação, mas que, quando chega o momento da verdade, prefere o silêncio estratégico à palavra corajosa.

Há, portanto, entre Varandas e a verdade, uma relação complexa. Quase um romance de proximidade e distância. Ele proclama fidelidade, mas a prática mostra um certo afastamento. É um adultério simbólico, talvez involuntário, mas real: a verdade é exaltada nos discursos, e relativizada nas circunstâncias.
E é pena, porque se há alguém que tinha condições para romper com a velha cultura do “nós contra eles”, era justamente Frederico Varandas. Um presidente com formação, com visão e com sentido de missão podia ter sido, de facto, o tal ar fresco que o futebol tanto precisa. Mas, enquanto continuar a escolher quando é tempo de falar e quando é tempo de calar, a verdade continuará a ser apenas uma convidada de ocasião. Chamada quando convém, esquecida quando incomoda.
No fim, o gesto mais corajoso talvez fosse o mais simples: aplicar à própria casa o mesmo rigor que exige às demais. Só aí o paladino deixaria de viver esse caso de adultério com a verdade e poderia, enfim, reivindicar uma relação honesta com aquilo que tanto proclama defender.