O Estrela da Amadora recebeu o Nacional no passado domingo, em jogo a contar para a 11.ª jornada do campeonato. Os tricolores e os madeirenses acabaram empatados por 1-1, com os golos a serem marcados por Sidny Cabral e José Gomes, respetivamente.
Apesar de nenhuma das duas equipas ter conseguido conquistar os três pontos, o Estrela da Amadora manteve-se na posição na qual terminou a jornada anterior. Em contrapartida, o clube insular desceu para o 10.º lugar, sendo ultrapassado pelo Estoril Praia, que vai na quarta jornada consecutiva sem perder.


Ainda que nenhum dos treinadores tenha ficado satisfeito com o empate, constatando domínio das respetivas equipas em diferentes momentos do encontro, a verdade é que, olhando para o contexto do nosso campeonato, qualquer ponto entre equipas do meio da tabela para baixo pode fazer a diferença. Não é por acaso que entre o 16º lugar – posição que dá acesso ao playoff de despromoção, e que é atualmente ocupado pelo Arouca – e o 10.º posto – que, como referido, é agora o ocupado pelo Nacional – a diferença é de apenas três pontos.
O duelo entre os tricolores e os madeirenses foi particularmente interessante pela imprevisibilidade e volatilidade na disposição tática das equipas em campo, bem como pela alternância de domínio nas várias fases do encontro. Se muitas vezes criticamos o futebol praticado em Portugal, convém olhar para o que ambas as equipas foram conseguindo fazer no jogo de ontem. Aliás, tanto João Nuno como Tiago Margarido são treinadores jovens, que carregam consigo uma perspetiva moderna de ver o futebol, porventura mais positiva do que pragmática, dotando o jogar das suas equipas de grande versatilidade ao longo do jogo, sobretudo ao nível da disposição das diferentes peças em campo. São treinadores que, naturalmente tendo uma estrutura base para os momentos com e sem posse de bola, enriquecem o jogo de futebol, tornando-o complexo de uma forma muito simples, com os jogadores partindo dos seus espaços teóricos para outros onde poderão ser mais eficazes, provocando surpresa aos adversários.
Poderíamos, sem dúvida alguma, dividir o jogo de ontem em três fases distintas: do primeiro aos 15 minutos, houve domínio da equipa da casa, com um 4-3-3 assimétrico como sistema base, com o lateral-esquerdo a construir mais atrás, mas com Encada, partindo de defesa-direito, projetado no corredor. Esse 4-3-3 assimétrico foi moldado a um 3-2-5, dando a Sidny a capacidade de desequilibrar a partir da extrema-esquerda, muito por conta dos movimentos interiores de Montóia, que arrastavam consigo o marcador direto, deixando o internacional por Cabo Verde sozinho no um contra um. Pela meia esquerda ia aparecendo Robinho, praticamente no espaço entre defesa e lateral, a procurar receber a bola no espaço. Como resposta a essa avalanche ofensiva do Estrela, Tiago Margarido fez recuar Matheus Dias para o eixo da defesa, com o intuito de manter igualdade ou superioridade numérica no seu terço defensivo, denotando a adaptabilidade e visão estratega que carateriza os jovens treinadores portugueses.


É verdade que os ataques estavam a ser trabalhados no corredor esquerdo, no lado oposto ao ocupado por Encada, mas a projeção do internacional guineense obrigava o Nacional a criar mais espaço entre os defesas para controlar toda a largura, bem como a baixar o bloco, chegando mesmo a defender num 5-3-2. Como tal, a lesão muscular contraída pelo jogador formado em Alcochete, que o obrigou a abandonar o campo à passagem do quarto de hora, deu origem à segunda de três fases que compuseram esta partida.
Para a saída de Jefferson Encada, entrou Bernardo Schappo, obrigando Luan Patrick a assumir a lateral-direita. Aí, devido ao perfil defensivo do agora lateral adaptado, o Estrela da Amadora perdeu capacidade de ocupação de espaços ofensivos nos três corredores, facilitando ao Nacional focar-se em anular as investidas de Sidny Cabral. Ao mesmo tempo, os forasteiros ganharam confiança, passando de um bloco recuado para uma defesa muito subida, sufocando e impedindo os estrelistas de saírem do seu meio-campo com bola controlada.
O Nacional foi criando algumas oportunidades, sobretudo na sequência de recuperações em zonas altas e de bolas paradas, momento do jogo em que os comandados de Tiago Margarido se destacam. Aliás, foi após pontapé de canto que José Gomes abriu o marcador no Estádio…José Gomes.
No início da segunda parte, pela entrada de Jovane justamente para a saída de Schappo – que esteve longe de fazer uma boa exibição -, e, especialmente, pela substituição de Robinho por Stoica, o jogo entrou na sua terceira fase. A passagem de Sidny para a lateral-direita, com Ianis Stoica a dar largura no corredor esquerdo e com Jovane vagueando, no espaço entrelinhas, pelos três corredores, o Estrela conseguiu tomar o domínio e controlo de todo o jogo. Sidny Lopes Cabral voltou a marcar, após grande penalidade conquistada pelo número 11 no um contra um na faixa esquerda. Os tricolores, apesar do assédio à baliza contrária, devido às associações já referidas e ao funcionamento dos três corredores, bem como à velocidade e energia impostas, acabaram por não conseguir vencer. Ainda assim, estiveram bem próximos de atingir as duas vitórias consecutivas, marca não ultrapassada há mais de dois anos.
No polo oposto, e tendo ainda como referência esta terceira fase do jogo, há que enfatizar a adaptabilidade de Tiago Margarido aos vários momentos do encontro. Percebendo, no início da segunda parte, o risco total de João Nuno, deixou-se ficar mais na expectativa, aproveitando potenciais lacunas no lado direito adversário para explorar o contra-ataque rápido. Preferindo assegurar o empate a arriscar-se a não levar nenhum ponto para o Funchal, o ex-treinador do Varzim, com alguma sorte, soube defender o resultado, estando, com apenas seis jogos fora de casa, a apenas um ponto do total conquistado fora de casa em toda a época transata.


Se, após ter descrito as três partes da partida que considero exemplificarem as várias estratégias adotas por ambas as equipas, restarem dúvidas sobre os benefícios que técnicos jovens podem trazer ao futebol português, basta assistir às respostas dadas aos órgãos de comunicação social. Felizmente, os treinadores que vão surgindo na ribalta do nosso futebol têm cada vez menos pudor em falar sobre o jogo. Isso aumenta o fascínio pelo espetáculo, uma vez que há a transferência de conhecimento para os adeptos.
Como demonstração disso mesmo, ao Bola na Rede, o mister João Nuno explicou, de forma nua e crua, o porquê de não ter colocado Jovane Cabral em campo logo após a lesão de Jefferson Encada, optando por o fazer só no segundo tempo:
«Era muito arriscado o Jovane jogar 75 minutos. Muito arriscado. Íamos estar a entrar numa zona vermelha. O Jovane esteve sete semanas parado. Depois, havia outro fator: os nossos lances perigosos no início do jogo eram criados pelo Sidny contra o Aurélio, em situações de um contra um. Eu não quis mudar, ou seja, passar o Sidny para lateral-direito – que ia dar maior velocidade ao corredor direito e, se calhar, mantinha os dois corredores frescos -, porque eu senti o Nacional também muito perigoso na bola parada…e o nosso central mais forte nesse momento do jogo é o Schappo. O Schappo não entra bem na partida e, com o amarelo, eu resolvi não o expor. Eu sabia que ia pressionar de outra forma ao intervalo, mais homem a homem, ia deixar o Schappo mais vezes no um contra um, expondo-o a uma situação em que ele acabaria expulso, e, aí sim, ia acabar com a nossa estratégia, que já ficou dificultada pela lesão do Jefferson Encada. As razões foram estas todas, mas agora, depois de ver o jogo, tenho a dizer que a sua pergunta é excelente e foi algo pensado na altura. Temos de tomar decisões, e, por vezes, nós temos dados que não são fáceis de vocês perceberem».


Por outro lado, questionado sobre a exibição de Chico Gonçalves, que se estreava a titular na Primeira Liga, o mister Tiago Margarido disse:
«Gostei bastante. Acho que o Chico fez um jogo maduro, um jogo inteligente. Deu-nos qualidade na construção. De facto, teve uma tarefa defensiva muito difícil porque teve de levar pela frente jogadores de grande qualidade, como o Marcus, como o Sidny ou como o Jovane, e, portanto, estou muito contente com o jogo do Chico. Demonstrou que tem toda a capacidade para jogar a este nível, e é um produto da formação do Nacional, o que demonstra que a formação trabalha bem. O Chico é alguém que vai ser o futuro do Nacional».
O jogo é, então, reflexo da transformação positiva do futebol português, pelo menos nos clubes “extra-grandes”. É fundamental que os treinadores de nova geração continuem a ser apostas. Penso que o tempo do futebol mais pragmático, mais desconfiado, menos aberto ao diálogo e à partilha de ideias já terá terminado em Portugal. São treinadores como João Nuno e Tiago Margarido que poderão alavancar o nosso futebol para um outro nível de interesse. O tempo das raposas velhas já lá vai…

