Ponto prévio: José Mourinho sabia muito bem o que estava a dizer quando, perante o mundo, criticou todos os jogadores do Benfica que iniciaram o jogo contra o Atlético à exceção de Nicolás Otamendi e Rodrigo Rêgo. Por mais que também tenha feito um assumir de culpas, as palavras do treinador do Benfica deixam transparecer a profunda frustração para com uma equipa que se inferiorizou perante o Atlético na primeira parte.
Há muito mérito naquilo que o conjunto de Pedro D’Oliveira fez no Restelo. Sem bola, foi capaz de condicionar uma saída de bola do Benfica que oscilava a três ou a quatro, com Rodrigo Rêgo mais recuado e Tomás Araújo a abrir. Apesar da procura de modificar desenhos, o Atlético conseguiu sempre incomodar a tentativa de construção do Benfica. Aos 20 e pouco minutos, Samuel Soares mandou a equipa fechar para bater na frente e torcer por uma segunda bola.
Mesmo com bola, com Catarino Pascoal – que projeto de jogador anda pela Liga 3 – e Ricardo Dias a orientar a construção, Caleb a ligar a equipa sobre a meia direita e as ações valiosas de Caio Santana, de costas para a baliza, e de Délcio Gomes, com luz verde para acelerar e criar pânico, o Atlético aproximou-se da baliza encarnada e criou as únicas oportunidades de perigo na primeira parte.


Ainda assim, para lá do mérito do Atlético e de um profundo desligar do Benfica durante os primeiros 45 minutos, suficiente para dar a sensação díspar da verdadeira equipa grande e poderosa em campo, há pormenores que não passaram despercebidos. Mais do que um sistema novo, que também o era, há muitos questionamentos individuais que pairam sobre o Benfica nesta fase da época e que vão limitando a equipa a pouco mais dos 11 titulares que vão começando os jogos.
João Rego tem potencial para ser um dos desequilibradores do Benfica no último terço e tem, nos pés e no perfil corporal, recursos para ser um nome importante diante de blocos fechados, linhas muito próximas e os cenários mais comuns no futebol português. É um jogador eficiente, principalmente quando não tem de lidar com um adversário nas costas e consegue ver o jogo de frente. Tem, do ponto de vista do treinador e do próprio jogador, um grande revés.
Se há nomes com características semelhantes, como João Félix ou Rodrigo Mora, que rapidamente se percebe que, quanto maior a liberdade para partir de zonas centrais nas costas do avançado, maior a sua qualidade, o caso de João Rego é diferente. É natural que, a partir de posições centrais, tenha mais espaço para variar ações, mas mesmo o sítio exato – terceiro médio ou segundo avançado – é uma incógnita. O corredor, onde é fácil colocar criativos e esperar que de lá saia algo, também não é uma opção tão descabida, pela maior predisposição a trabalhar o jogo de frente do que em rodar de costas. Quando a posição de João Rego for descoberta e o próprio jogador se colocar confortável em campo, poderá tornar-se um jogador importante. Até lá, estará sempre no limbo entre a expectativa e a desilusão.


O caso de Franjo Ivanovic é mais bicudo. Se é mais ou menos óbvio que, muitas das palavras de José Mourinho se dirigiam – pelo menos em parte – ao avançado croata, também o é que o maior problema do avançado esteve no erro na escolha do perfil. É muito diferente ser-se o avançado com mobilidade para atacar o espaço entre centrais do que ser-se o avançado que fixa centrais e procura, em simultâneo, encontrar esse espaço. Quis-se que Franjo Ivanovic, à sua escala, fosse uma espécie de Franjo Ivanovic quando, na realidade, o avançado se destacou quando jogou acompanhado.
Tanto Vangelis Pavlidis, por característica – recordando os primeiros tempos com Marcos Leonardo – como Ivanovic, que cresceu quando era acompanhado do possante Promise David na Bélgica, beneficiam de ter mais amplitude nos movimentos. Conjugar os dois será sempre uma tarefa difícil. José Mourinho bem tentou dar liberdade ao croata para ir descaindo pela esquerda e procurar fugir à marcação, mas a tendência para a repetição, aliada a uma baixa confiança clara do croata, tornaram a exibição inócua. Há muito a fazer no que toca a Franjo Ivanovic.


Em sentido contrário, há, dentro das dúvidas que as nove substituições arrastam, algumas certezas. A primeira e mais surpreendente, chama-se Rodrigo Rêgo. Cresceu muito nos últimos anos e os últimos meses, onde se desdobrou pela ala esquerda, justificam a ultrapassagem a outros talentos da formação. Ao plantel do Benfica não faltam jogadores superlativos tecnicamente. O suor de um menino da formação aliado aos atributos que Rodrigo Rêgo tem ajudaram o jovem a ser um destaque claro na sua estreia a profissional.
Dificilmente será pela atitude que Rodrigo Rêgo vá trair José Mourinho. Começou na ala esquerdo e foi crescendo de influência e abrangência de movimentos ao longo do jogo. Do início mais preso aos posicionamentos mais baixos no corredor às acelerações para ultrapassar adversários, não demorou muito. Se Samuel Dahl se destaca pela inteligência e procura das associações, Rodrigo Rêgo aumenta os índices de energia. Terminou à direita, onde a ausência de Dodi Lukebakio ainda se fará sentir por várias semanas, na procura de complementar Amar Dedic, numa fase do jogo mais interventiva do Benfica.


Não foi de estranhar que, tamanha revolução no Benfica ao intervalo, trouxesse novidades. Ainda assim, a entrada impactante de Richard Ríos aliada ao retirar de peso que o golo lhe trouxe – bem explanado pela celebração do colombiano – não deixam de ser relevantes num momento em que as águias procuram o melhor encaixe. As declarações de José Mourinho no fim, onde separou o colombiano de Rui Costa no que diz respeito ao perfil e ao que oferecem em campo, são outra boa notícia.
Richard Ríos não terá nunca nos jogos-tipo da Primeira Liga o palco ideal para brilhar. É um jogador que, por muito que, em espaços curtos, consiga driblar e superar adversários, não tem na capacidade de organização ou na criatividade os pontos fortes. Em sentido contrário, e numa altura em que o Benfica precisou de crescer e de se impor, a projeção do colombiano, capacidade de transportar a bola e de aparecer de trás para a frente e fisicalidade no jogo, foram armas importantes para o Benfica. Numa altura em que o Benfica terá de jogar o que pode e não o que, porventura, quereria, há boas notícias. Outras nem tanto.


BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Desde que chegou que o Benfica tem um estilo de jogo muito próprio com o Lukebakio como definidor de ataques, um jogador que o Benfica procura muito. Sem a presença de um avançado mais físico e rápido na frente, entre um sistema como o da primeira parte com mais jogadores na frente e um meio-campo mais físico com jogadores como o Richard Ríos e o Barreiro de trás para a frente, qual destas soluções poderá ser mais importante e interessante para o Benfica explorar?
José Mourinho: Cada jogo é um jogo. Como eu disse, jogar a cinco é fácil. É dos sistemas mais fáceis de jogar, jogar a cinco. Jogar a três é muito difícil. Jogar a três exige trabalho. Não gosto de jogar a cinco. Gosto de jogar a cinco quando estou a ganhar, falta pouco tempo, estamos em dificuldades e é hora de fechar a porta. Jogar a três exige trabalho. Eu, honestamente, não acredito que possamos entre hoje e terça-feira ter uma equipa sólida para interpretar este sistema num jogo de alto nível como é um jogo de Champions League.
Bola na Rede: Na primeira parte o Atlético consegue muitas vezes sufocar a saída de bola do Benfica, quer a 3 quer a 4, com o Atlético a perturbar a construção de jogo. Taticamente, quais foram as vantagens identificadas neste momento?
Pedro D’Oliveira: Antes das vantagens táticas, era um bocadinho passar a coragem. No momento da dúvida, quando encaixamos num sistema de três centrais é quando há mais dúvidas: se o extremo salta no central e deixa o ala descoberto, a vantagem que pode haver por fora, o lateral não pode rodar e cortar, se o Ivanovic vai à linha o nosso central tem de conseguir saltar. O primeiro desafio era haver coragem para estarmos preparados para o que podia ser esse 3-5-2 com os médios em 1-2, com liberdade ao Pavlidis, e ao mesmo tempo o que aconteceu na segunda parte, que é o que tem acontecido nos últimos 12 jogos do Benfica, o 4-3-3. Acho que teve um bocadinho que ver com a parte física, sinceramente. Encaixámos bem, sempre que o fizemos o Benfica acabou por ter dificuldades. Aos 20 minutos o Samu [Samuel Soares] mandou fechar. Tem de ficar bem delineado. Sentiram que não estavam seguros para bater aberto nem para sair apoiados. Isso é mérito ao que foi o Atlético. Agora, em jogos destes, em dérbis contra equipas grandes, nas quatro grandes oportunidades que tivemos temos de fazer golo.

