Era real a hipótese do SC Braga ser a primeira equipa de sempre a vencer nos dois maiores palcos de Glasgow na mesma temporada. Era um feito inédito e perfeitamente ao alcance: este Rangers não é da mesma laia daquele que eliminou arsenalistas em 2020 ou 2022, a qualidade está uns furos abaixo – quatro derrotas nas quatro jornadas desta fase regular da Liga Europa, perfazendo sete derrotas europeias consecutivas que só não eram o pior registo escocês de sempre porque… o Motherwell chegou às oito, entre 2010 e 2013.
Mesmo que Martin Russel fosse já uma memória distante no Ibrox e Danny Röhl, ex-adjunto de Hasenhüttl e de Flick, esteja a ser bem-sucedido no inverter da situação, o Glasgow Rangers é um clube em pantanas: esta semana, o director desportivo Kevin Thelwell e o executivo Patrick Stewart foram demitidos, numa decisão que tomou conta do panorama mediático na Escócia e preencheu a centralidade das antevisões locais.
E de que maneira o Braga aproveitou, quando chegava em boa fase, sobretudo depois das vitórias com Nacional e Moreirense, e da excelente réplica dada no Dragão no início do mês? A quem só a derrota estranha com o Genk impedia de se sentir pleno em termos anímicos, confiante na total assimilação de processos? Pois bem, nada.
Danny Rohl fez três mudanças em relação ao onze com o Livingston no fim de semana, uma delas o familiar Chermiti. Vindo de lesão, entrou directamente para o onze, formando parelha atacante com Danilo Pereira, antigo jogador de Feyenoord, Twente e Ajax. Juntos, contam três golos na época.
É provável que o Braga tivesse estes pormenores em mente. Em vez de se encarregar de cumprir óbvio, aproveitar-se dessas fraquezas, a equipa bloqueou. Terá sido benevolência? É que, ao contrário do tal jogo no Dragão – onde mandou, ditou leis em posse e só pecou na última definição – a exibição foi… dorminhoca, à falta de adjectivo mais explícito. Ou estariam os portugueses sobranceiros, desleixados pela certeza no bom resultado?
Tudo se tornou estranho: o Ibrox não era o ambiente escaldante de outros tempos porque este Rangers não o consegue incendiar; e o Braga, letárgico e a ver jogar, por ali andava. Notava-se que, se assim quisessem, os portugueses chegavam com naturalidade à baliza contrária. Já tinham querido quatro vezes (com xG de 0,81) quando os da casa fizeram o primeiro remate. Estávamos no minuto… 33.
É nessa altura que a coisa começar a dar para o torto. A ocasião acordou o estádio, os decibéis foram aumentando, e a baliza de Hornicek viu-se constantemente atacada, com investidas nunca feitas com grande arte, só vontade, maioritariamente em bola alta para a grande área. Surpreendidos pela mudança súbita de desenvoltura escocesa, os portugueses viram-se aflitos. Já nos descontos, Fran Navarro – e esta é a única prova de que esteve em campo – mete o braço à bola num canto. Tavernier não costuma falhar este tipo de coisa, concretizou à sua moda e meteu o Ibrox aos saltos, a entoar o nome do treinador ao ritmo da ‘Daddy Cool’.
E é fácil bater na pergunta: como é que um Sporting de Braga tão habituado a estas andanças, com Horta e Moutinho em simultâneo – a braçadeira oficial e a braçadeira emocional -, com três vitórias em quatro jogos na competição, se consegue comportar assim em casa do último classificado? Aliás, Ricardo Horta era, até hoje, o melhor assistente da prova (3) e quem criava mais oportunidades de golo (12). O outro dínamo ofensivo, Rodrigo Zalazar, leva… 10 golos na época. Também estava em campo. Mas por que raio, então…?
Pensávamos todos: o intervalo resolve tudo, Carlos Vicens dá um abanão e saem do túnel revigorados. Era o mais provável, não era? Ou o mais aceitável. Mas não, a apatia continuou e o Rangers, com o capitão Tavernier e o irrequieto centrocampista Connor Barron como faróis técnicos, manteve-se na mesma toada. Pareceria não ter existido qualquer pausa.
O Ibrox voltava igual, a querer ser eléctrico como nas grandes noites. E a coisa começou mesmo a descambar: aos 55’, três oportunidades na mesma jogada para os da casa, tudo tremia na área do Braga, Hornicek fazia pela vida e nada da equipa segurar bola e impor o seu jogo.
Três minutitos depois, no meio da confusão, o VAR chama o árbitro – parece que Zalazar, sem nada produzir de significativo, tinha decidido começar às cabeçadas com o marcador directo. Arsenalistas com menos um, a perder, e com meia-hora por jogar naquele ambiente. Tudo corria bem!
Só que a euforia deu asas como as de Ícaro. O Rangers aproximou-se demasiado do sol: o ímpeto escocês não era fundado em grande qualidade técnica ou tática. A equipa tinha conseguido puxar pelo Ibrox e o Ibrox pela equipa, elevando-a a patamares onde a qualidade disponível não podia garantir grande consistência nem seria muito duradoura. A realidade decidiu bater com estrondo, ou melhor, a montanha pariu um rato – o Braga, que não fez propriamente grande coisa para merecer sequer o ponto, viu-se a marcar golo no momento mais indicado para o fazer, em teoria. Minutos depois de ficar reduzido a 10.
O erro de Nasser Djiga, cartoonesco, levou o central de mãos à cabeça e a dirigir-se às bancadas no final. Röhl preferiu ser pragmático e afirmar que… «não há desculpas»!
Do lado que mais interessa, a constatação do óbvio – que o Braga passou por apertos perfeitamente evitáveis, dado o momento do adversário. Vicens foi peremptório: «Eu queria vir aqui para ganhar» mas… «depois do que vi, também te digo… Podias ter perdido, porque um jogo em que ficas com menos um e jogas 36 minutos assim, podes perder. Mas também acho que poderíamos ter ganho. E, portanto, acho que poucas vezes me vão ouvir dizer que fico satisfeito com um ponto. Nós juntamo-nos nos jogos para ganhar.»
Victor Gómez, de estilo pragmático no relvado, foi muito mais criativo aos microfones. Optou por exaltar a capacidade de sofrimento, referindo «a ‘alma dos guerreiros’», que lutam «até ao fim, até ao último minuto». Certo, ainda bem, mas com que necessidade? Para atestar a dimensão da disparidade de qualidade colectiva entre os conjuntos, atentemos na estatística também mencionada por Vicens – do minuto 61 ao 97.º, período em que jogaram em inferioridade numérica, os arsenalistas continuaram a ser a equipa com mais posse de bola!
Mas pronto, foquemo-nos no positivo: até 2025-26, o Braga tinha perdido nas quatro visitas à Escócia, e sobreviveu aos dois campos mais temíveis; O Benfica de Schmidt continua a ser a única equipa portuguesa a ganhar no Ibrox, depois desta 13.ª tentativa em 53 anos, mas o registo vai melhorando aos poucos, com apenas uma vitória dos azulados Protestantes nos últimos sete jogos com portugueses – ainda que no cômputo geral continue meio desequilibrado a favor deles, com onze vitórias e oito empates em 24 jogos.

