Se os últimos jogos para a Primeira Liga foram exigentes para o FC Porto, tendo em conta as posições dos adversários na tabela classificativa, o Estoril Praia também fez jus à qualidade e à competência de várias equipas do futebol nacional. Na antevisão ao encontro, Francesco Farioli já havia referido que o FC Porto iria tentar prever todos os cenários, sublinhou que o Estoril poderia defender em três, quatro ou cinco formas diferentes, e destacou a fluidez e qualidade de posse do ataque dos canarinhos. Ainda assim, a variabilidade ofensiva e, sobretudo, a estrutura tática apresentada por Ian Cathro no Estádio do Dragão acabaram por ser surpreender o técnico italiano, como o próprio referiu na conferência de imprensa.
Ao contrário do habitual, e de forma surpreendente tendo em conta o contexto exigente para o Estoril no Dragão, Ian Cathro desfez a linha de três centrais utilizada durante toda a temporada até então e arriscou numa dupla composta por Kévin Boma e Félix Bacher, com Pedro Amaral e Ricard Sánchez como laterais. Para combater o poderio ofensivo do FC Porto, os estorilistas defenderam num 4-2-3-1, com André Laximicant na frente; João Carvalho e Yanis Begraoui nas alas; e, atrás do avançado, Rafik Guitane.
Para anular a qualidade do FC Porto no corredor central, Ian Cathro utilizou marcações individuais e referências muito claras dos médios do Estoril sobre os três médios portistas. Guitane, no momento defensivo, ficou encarregado de anular o ‘6’ do FC Porto, função assumida por Pablo Rosario devido à ausência de Alan Varela – algo que várias equipas adversárias já têm procurado explorar contra o FC Porto. Além do francês, Holsgrove e Jandro Orellana também exerceram pressão individual sobre Froholdt e Rodrigo Mora, respetivamente, o que acabou por dificultar muito o jogo do jovem médio português, que teve uma exibição apagada – também porque baixou demasiado no terreno e não mostrou a capacidade para se desenvencilhar da marcação de costas para a baliza.


A dupla defensiva estorilista apresentou-se também a um excelente nível. Kévin Boma teve a missão exigente de lidar com os duelos físicos com Samu, algo que poderia tornar-se ainda mais perigoso, tendo em conta o espaço nas costas deixado pelo Estoril no processo ofensivo e as características do avançado espanhol para explorar o ataque ao espaço. No entanto, e salvo raras exceções ao longo do encontro, Boma mostrou-se imperial nos duelos, somando quatro recuperações de bola, seis duelos ganhos e dois cortes eficazes. É um defesa com características únicas no plantel do Estoril Praia. Não possui a mesma qualidade com bola de Félix Bacher ou Ferro, mas dá uma segurança física impressionante. Ao seu lado esquerdo, Bacher mostrou toda a qualidade que possui com a bola no pé, assumindo-se como uma das principais referências criativas desde trás do Estoril.
Uma das características marcantes no estilo de jogo de Ian Cathro e do Estoril Praia é que, independentemente do adversário, a equipa quer jogar e não tem receio em promover um estilo de jogo ofensivo – algo que o próprio técnico escocês referiu em resposta ao Bola na Rede, rejeitando quaisquer tentativas de ‘marketing’ que o técnico pudesse usar para tentar impressionar – somente por jogar frente a um candidato ao título. Ainda assim, esta coragem e astúcia do Estoril, sobretudo ao nível ofensivo, criou várias dificuldades a um FC Porto que, mesmo desgastado, certamente não estaria à espera da qualidade exibicional apresentada pelo adversário.


A primeira parte do Estoril foi de altíssimo nível e muito se deveu à variabilidade ofensiva da equipa canarinha. Rafik Guitane, que com bola ocupava o corredor central, sem bola era um autêntico diabo à solta: partindo quase sempre do corredor direito, criou várias situações de perigo, tanto de fora para dentro como a explorar a linha, colocando Francisco Moura em grandes dificuldades – o que levou mesmo à sua substituição ao intervalo, depois de ter visto cartão amarelo numa falta sobre o avançado gaulês.
Com Guitane muitas vezes a baixar, Ricard Sánchez, lateral direito, foi permutando posições e, em vários momentos, foi ele próprio a explorar diagonais, surgindo diversas vezes como elemento da última linha de ataque do Estoril. Do lado esquerdo, com João Carvalho a fazer movimentos de fora para dentro, o corredor ficou entregue a Pedro Amaral – que apesar de ser um jogador mais bola no pé – projetou-se constantemente, funcionando como elemento para atacar a segunda bola ou ele próprio avançar e cruzar para André Laximicant ou Yanis Begraoui. Se, sem bola, Begraoui era o avançado direito, com bola Ian Cathro surpreendeu ao colocá-lo como jogador móvel, juntando-se sempre a Laximicant na dupla de ataque, com o objetivo de confundir marcações, criar dúvidas nas referências do FC Porto e aumentar a presença física na área para possíveis cruzamentos.


Orellana e Holsgrove – que, apesar do erro no lance do golo do FC Porto – exibiram-se também a grande nível. Holsgrove baixava para construir e, embora tenha sido num desses momentos que o FC Porto marcou, mostrou qualidade e discernimento para bater a pressão dos dragões, rodar e ver o jogo de frente, iniciando os ataques do Estoril. Surgiu várias vezes na última linha de ataque, com Orellana a fechar mais por dentro para travar possíveis transições rápidas do FC Porto.
Na segunda parte, embora com menor perigo efetivo, o Estoril continuou a ter bola. Ian Cathro refrescou as alas para aproveitar o desgaste físico do FC Porto e deu energia aos corredores. Acabou por colocar Ferro, regressando aos três centrais – não só para prevenir o espaço que o FC Porto começou a encontrar nas alas em transições rápidas, mas também para colocar Ferro a iniciar os ataques desde trás. Com essa alteração, João Carvalho recuou para formar dupla de médios com Holsgrove, acrescentando qualidade com bola e a capacidade de ver o jogo de frente. A exibição do Estoril Praia no Estádio do Dragão foi personalizada e mostrou uma enorme coragem na abordagem ao jogo por parte de Ian Cathro. Se o Braga já se havia imposto com bola em alguns momentos no Dragão – faltando-lhe maior objetividade na hora de atacar a baliza -, os canarinhos conseguiram juntar a variabilidade ofensiva com ataques reais à baliza de Diogo Costa, faltando apenas uma maior qualidade na definição.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Hoje o Estoril Praia criou várias dificuldades ao FC Porto, sobretudo no corredor esquerdo, com o Rafik Guitane e com as diferentes unidades que foi projetando no processo ofensivo, desde os laterais ao próprio Holsgrove e Begraoui. Gostava de lhe perguntar o que pretendeu alterar ao intervalo e, por outro lado, qual é o segredo do FC Porto para, mesmo enfrentando essas dificuldades, respeitar o momento do adversário, controlar o resultado e chegar à vitória?
Francesco Farioli: Acho que hoje nos faltou um pouco de clareza e precisão na capacidade de chegar aos médio deles e de não conceder a oportunidade de eles se virarem para o jogo. Por vezes chegámos tarde, outras vezes, eles foram realmente muito bons a rodar, a movimentar-se e a baixar bastante. Nós sabíamos, antes do jogo, que este seria um dos cenários. Sabíamos que, recuperando a bola nessa zona, podíamos ser muito perigosos e marcámos um golo e tivemos quatro ou cinco outras ações que podiam ter dado em oportunidades claras, mas não conseguimos fechar o jogo. Mas claro, por outro lado, quando não recuperamos a bola, o espaço e o campo ficam maiores e eles têm jogadores com muita qualidade técnica, potência e frescura nas pernas para criar perigo. Como referiste, acho que, a certo ponto, também é importante respeitar o momento do jogo e o momento do adversário, especialmente quando jogamos um jogo deste tipo. É normal que não possamos ser sempre dominantes com bola ou, por vezes, até sem bola, no sentido de estar sempre à distância certa e capazes de recuperar todas as bolas. É preciso paciência para gerir esses momentos e tentar capitalizar as oportunidades que vão surgir no outro momento do jogo.
Bola na Rede: Hoje o Estoril Praia apresentou uma variabilidade ofensiva notável com a projeção dos laterais e Holsgrove a aparecem na última linha de ataque do Estoril Praia em diversos momentos. Mesmo o Rafik Guitane, que sem bola ficou de marcar o Pablo Rosário mas com bola partiu do corredor direito, criou várias dificuldades ao Francisco Moura na primeira parte. Quão importante foi esta astúcia do Estoril, sobretudo no momento ofensivo, para criar as dificuldades que criou ao FC Porto neste jogo?
Ian Cathro: Sim, foi claramente importante. Nós trabalhamos sempre desta forma e não é assim tão difícil chegar aqui, jogar contra uma super equipa e um grande clube que tem evoluído imenso, e tentar jogar um pouco mais. Acho que muita gente tenta fazê-lo, mas isso é marketing, nós trabalhamos realmente assim todos os dias. Não ganhamos sempre, e talvez não tenhamos os pontos que a qualidade e a capacidade do nosso trabalho merecem, mas somos capazes de fazer o jogo que fizemos hoje porque o fazemos todos os dias. Esse é, provavelmente, o grande valor que os jogadores têm nesse sentido.

