Há jogos que se analisam. E há jogos que se sentem. O Marco 09 x AD Fafe foi um misto dos dois. Será ousado afirmá-lo, mas considero que a verdadeira essência do futebol continua a encontrar-se nestes encontros de ligas secundárias.
Foi um duelo de identidades, de crença, de coragem, e acima de tudo, um jogo marcado por dois grandes golos que foram claramente merecedores de que o jogo fosse televisionado, tendo assim o devido destaque.
Num futebol tantas vezes cinzento e muito mecanizado, este encontro trouxe cor: intensidade, risco, emoção e a sensação de que ambas as equipas jogaram para vencer. A equipa fafense sabia que uma vitória a colocaria na liderança da tabela classificativa, ao passo que o conjunto marcoense queria galgar posições na classificação e dar seguimento à excelente vitória obtida na semana passada, diante da Sanjoanense.
Foi um jogo repleto de incidências (lesões, golos anulados, tensão nos bancos, etc..), mas o lance capital desta partida foi a expulsão do capitão do Marco 09 Hugo Pereira aos 53 minutos.


Foi o momento que alterou e condicionou o decurso do jogo, que obrigou a equipa marcoense a esforços redobrados e a um grande espírito de entreajuda, tal como o próprio treinador o afirmou ao Bola na Rede no fim deste encontro.
Antes da expulsão, o Marco 09 estava a fazer um jogo exemplar, não perfeito, mas inteligente e emocionalmente adulto. Cedeu intencionalmente o domínio territorial do jogo ao Fafe, e tentava sair em transições rápidas para o ataque, tendo tido várias aproximações perigosas na primeira meia-hora.
O Fafe, por sua vez, assumiu mais a iniciativa de jogo, sempre recorrendo ao critério com bola do seu médio João Oliveira, por onde passaram todos os ataques da equipa minhota. Houve momentos em que o Fafe subiu tanto a sua linha defensiva, que chegou a estar instalado no meio-campo do Marco 09 (numa espécie de 2-3-5), mas apesar disso, não dispôs de várias oportunidades de golo.
Em declarações ao Bola na Rede no fim da partida, o treinador Mário Ferreira assumiu que pensou nessa estratégia para este jogo em específico, principalmente pelo facto de Kibe, o ponta-de-lança do Marco 09, vir buscar muitas vezes a bola ao meio-campo para ligar com os seus médios, que têm grande capacidade de decisão. Não existindo muitos movimentos em profundidade, o treinador do Fafe considerou que a melhor solução seria avançar as suas linhas e impedir esse momento do jogo em que o adversário é tão forte.
O Marco 09 a jogar em casa e com uma claque bastante vibrante e ruidosa, (é de enaltecer o amor dessas pessoas pelo clube da sua terra) não se lançou ao ataque por impulso; atacou quando o Fafe estava desequilibrado, devido à tal linha avançada anteriormente mencionada.
E, acima de tudo, mostrou que uma equipa pode ser perigosa sem dominar estatisticamente. Mauro Ribeiro coroou esse plano com um golo absolutamente sublime aos 42 minutos, com um remate colocado sem qualquer hipótese para o guardião Tiago Martins.
O Marco estava a vencer justamente ao intervalo, e queria certamente capitalizar esta vitória frente a uma das melhores equipas da Liga 3, que inclusive já eliminou duas equipas da Primeira Liga nesta edição da Taça de Portugal.
No início da segunda parte (e depois de já ter perdido o experiente médio Fábio Pacheco por lesão), o Marco 09 teve de mudar a sua estratégia por ter ficado reduzido a dez unidades, e fazer ainda mais uso da envergadura física de Kibe, que foi fundamental para fazer a equipa respirar com a bola. A sua capacidade de retenção de bola e o seu trabalho defensivo absolutamente incansável, foram cruciais para que o Marco 09 tivesse conseguido suster ainda mais o ímpeto ofensivo do Fafe, tal como também referiu o treinador do Marco 09 em declarações pós-jogo ao Bola na Rede.
O Fafe tem algo que não se ensina: uma identidade comunitária, feita de suor, crença e do peso emocional da sua massa associativa, que marcou novamente presença para apoiar a sua equipa fora de casa. É uma equipa que joga com a cidade às costas.
E com mais espaço e uma equipa do Marco 09 já visivelmente desgastada, começou a explorar ainda mais os corredores laterais, e já no fim do jogo, viu premiada a sua insistência com mais um golo de belo efeito.


Aos 90 minutos, o defesa-central João Batista recebeu a bola a mais de 30 metros da baliza do Marco 09, encheu-se de fé e desferiu um remate indefensável para o guarda-redes Danny. O remate saiu perfeito, deixando o Marco 09 com aquele amargo sabor de boca de ter estado tão perto de uma vitória tão importante e moralizadora.
O Fafe acreditou até ao último segundo, e esse é talvez o maior elogio que se pode fazer a essa equipa. O Marco 09 demonstrou grande personalidade, e ainda teve o golo da vitória nos pés de Valentim Sousa, que completamente sozinho nas costas da defesa minhota, quis finalizar o lance com um remate acrobático, quando a ocasião pedia outro tipo de finalização.
O futebol precisa de jogos assim: intensos, com tensão competitiva, mas fair-play entre ambas as equipas, bem jogados, e com dois golos dignos de museu. Este empate não vale apenas um ponto. Vale algo maior: prova que estas duas equipas têm ideias bem definidas, identidade e coragem para arriscar o erro para poderem ser bem sucedidas.
O Marco 09 mostrou maturidade, alma e espírito de sacrifício. O Fafe mostrou resiliência, crença e força anímica. E os dois golos extraordinários foram o espelho da alma de um excelente jogo de futebol, num duelo que ferveu até ao fim. No final, ninguém merecia perder. E o futebol ganhou.

