Veio tarde e quase fora de horas a primeira afirmação de Wilfried Nancy como novo treinador dos católicos. À quinta oportunidade, já depois de derrota europeia e final da Taça da Liga perdida, numa situação já de si quase insustentável, a equipa mostrou que realmente quer estar com o treinador – que o sistema inovador trazido de Columbus pode demorar mais a assimilar.
Contra o Aberdeen, o 3-1 final não reflectiu o tremendo poderio ofensivo, com 4,38 golos esperados e múltiplas bolas nos postes. Respira-se finalmente fundo e o francês de 48 anos (1977) ganha alguma margem de manobra.
Depois do fiasco Russel Martin no outro lado de Glasgow, havia quem no Celtic Park já lhe discernisse as mesmas tendências para o caricato; afigurava-se até o impensável, que o recorde de menor tempo no banco dos católicos seria destronado categoricamente, de oito meses passando a três semanas. Se a derrota com a Roma de Gasperini submeteu os adeptos à resignação pela substancial diferença de qualidade individual, a reviravolta sofrida em Dundee, perante o United, tomou contornos cómicos: o Dundee não vencia há sete jogos para todas as competições e não vencia o Celtic há… 11 anos.
Tornava-se evidente para muitos que a saída de Martin O’Neill tinha sido um erro. Apesar das poucas perspectivas de longo prazo, o histórico norte-irlandês (responsável pela última final europeia do Celtic, em 2003, frente ao FCPorto) conseguira sete vitórias nos oito jogos como interino. Nancy, com quatro derrotas consecutivas, igualava um recorde de 47 anos; O Celtic, com 16 neste ano civil, contrastava enquanto clube com a sua versão imediatamente anterior, de 2024, no qual só perdera… duas vezes.
Wilfred nasceu de pai guadalupensinho e mãe com raízes no Senegal e Cabo-Verde. Criado em França, construiu carreira pelas profundezas do desporto gaulês. O pico atingiu-o como profissional do Toulon, e o talento não lhe possibilitou jogar acima das possibilidades de Beaucorois, Raon-L’Etape, Ivry, Noisy-le-Sec, Châtellerautt e Orléans e, por isso, não rejeitou quando teve a oportunidade de agarrar uma bolsa universitária canadiana e fazer-se treinador nas Américas. Em Montréal, cresceu até ser treinador da equipa principal e competir na MLS em 2021; O salto no ano seguinte para o Columbus Crew justificou-lhe as boas indicações técnico-táticas e foi lá que se cumpriu treinador de sucesso – duas taças da MLS, futebol continental e Treinador do Ano em 2024.
O sucesso conseguiu-o com base nas virtudes do Relacionismo que vai fazendo moda nas correntes táticas mais vanguardistas do jogo, num 3-4-3 versátil que constrói numa organização em 3-2 e na qual os centrais são obrigados a preponderância na construção e mobilidade posicional. Não era raro ver um dos centrais do Columbus a progredir e a associar-se com o meio-campo, criando superioridades zonais em esquemas assimétricos para garantir o controlo da posse, inclinando o campo a seu favor. O corte abrupto com que Nancy fez questão de se apresentar, rejeitando desde logo as matrizes de 4-3-3 implementadas por Brendan Rodgers ou Ange Postecoglou e aproveitadas pragmaticamente por O’Neill, criou desde logo desconfiança nas bancadas do Celtic Park, onde o sucesso tem que ser permanente e há pouca paciência para experimentações.
O aparente choque tático sentido pela equipa foi uma das razões encontradas para a série inicial de derrotas consecutivas. Enfatizadas pela turbulência da mudança, as críticas a Nancy tornaram-se impiedosas – que estava fora de pé, que a postura competitiva requerida na MLS não se adequa às exigências europeias, e que o próprio treinador não seria até o homem certo para o projecto.
Com o Hearts a disparar na liderança da Premiership escocesa, Nancy reagiu à pressão numa série de posts nas redes sociais e com declarações pouco ortodoxas, ao lançar a frase «Nothing to prove» – argumentando que sabia bem onde estava e que conhecia o futebol escocês, porque estivera para assinar, certa vez, pelo Carlisle United; tendo que ser relembrado pelo grito da multidão que a cidade da Cumbria já não é propriedade escocesa há quase mil anos.
Mas uma vitória convincente deu-lhe um balão de oxigénio que tem tudo para encher por largos meses, caso consiga manter a toada exibicional conseguida frente ao Aberdeen: até final do ano, visita Livingston e Motherwell; a 3 de Janeiro, joga o Old Firm em casa e depois tem oportunidade de vingar o Dundee, também no Celtic Park.

