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«O que mais me orgulha é ter 35 anos e conseguir manter o nível físico, ser consistente» | Entrevista Bola na Rede a Ivo Pinto

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Ivo Pinto chegou ao mundo do futebol com apenas sete anos, de mão dada com o irmão mais velho. Ainda que tenha iniciado a sua formação como médio, acabou por se destacar na lateral direita, acabando por dar os primeiros passos como profissional no FC Porto. Transformou-se em modelo a seguir nos Balcãs, onde deixou saudades em Cluj e Dínamo Zagreb, chegando à Premier League, o sonho de qualquer jogador. Pelo meio, fica a chamada à seleção, quando atuava na Croácia. Aos 35 anos, continua a ser uma referência no Fortuna Sittard, encarando o dia a dia como um desafio, mantendo uma forma física que provoca elogios nos seus adversários. O seu próximo passo? Só o futuro o dirá. Mas será seguramente no mundo do futebol. É o mais recente convidado do Entrevista Bola na Rede.

Bola na Rede: Ivo Pinto, olá. Fizeste um percurso em crescendo na tua formação. Como foi chegar ao FC Porto?

Ivo Pinto: Olá! Não foi um choque. Eu fiz a maior parte da formação no Boavista e, como é normal, o FC Porto, como muitas vezes, tinha o olho na formação do Bessa. Durante muitos anos eles analisaram-me. Antes até mesmo de ter assinado por eles. Tinha havido aquela conversa, aquela conversa de ouvido, sabes? Não foi de todo um choque, mas foi um choque o dia em que me ligaram. Foi o senhor Barbosa, que era o diretor-geral da formação do Boavista. Ele disse-me que a transferência estava fechada. Eu já sabia que estavam a existir negociações, mas ele disse-me para não falar com ninguém. Esse momento foi chocante. Ia sair de uma casa onde estive sete anos, um clube de que eu gostava muito, e ia para o FC Porto, que é uma referência, como é óbvio. O Boavista também o é, mas vivia um período complicado. Nesse ano transitou para a Segunda Liga, havia complicações. Entrei num clube com uma estrutura totalmente diferente, uma equipa que luta sempre para ser campeã, que marca presença na Champions League. Foi um orgulho tremendo, foi um degrau que subi e senti que era uma grande oportunidade. Era uma catapulta para eu, de facto, tornar-me profissional e conseguir uma carreira muito boa.

Bola na Rede: Quem eram as tuas referências futebolísticas nessa fase?

Ivo Pinto: Isso é muito giro perguntares-me isso. Eu fiz um trajeto parecido com o do Bosingwa. Ele também estava no Boavista e também atuava como médio. Eu atuei como médio no Boavista até chegar a júnior. Ele era a minha referência, eu adorava o estilo de jogo dele. Era muito o meu estilo, usava muito a velocidade, era muito físico, com uma grande capacidade de subir e descer. Eu cheguei a falar com ele, ele ligou-me e eu disse-lhe que era o meu ídolo. Mantive o contacto com ele, embora neste momento não o tenha. Joguei com o Diogo Valente no Cluj e ele era um dos melhores amigos do Bosingwa. Houve uma boa conexão, ele perguntava como é que eu estava. Naquela fase da minha vida, era sem dúvida o Bosingwa a minha referência.

Bola na Rede: Acredito que essa primeira chamada te tenha dado borboletas na barriga…

Ivo Pinto: Foi, sem dúvida. Eu estava a jantar com a minha namorada, hoje minha mulher, e estava com uns amigos. Eu saí de um restaurante, quase que comecei a suar, tive aquele tremelique que dá na barriga. Era uma referência na minha posição e, para mim, um dos melhores laterais direitos que já jogaram.

Bola na Rede: Enquanto representavas o FC Porto não existiam equipas B ou Sub-23. Acreditas que com esse passo poderias ter tido uma evolução distinta?

Ivo Pinto: Eu acho que esses escalões ajudam. De certa modo criaram-se degraus mais pequeninos. Não é preciso dar um salto tão grande. Os jogadores ficam mais dentro do radar que é o clube-mãe. Isso poderia, de certa forma, ter ajudado, mas são tempos diferentes. São fases do futebol e aquela foi a minha fase. Acabei por optar por sair de Portugal para poder ser mais valorizado e acabou por correr bem.

«Naquela fase da minha vida, era sem dúvida o Bosingwa a minha referência».

Bola na Rede: Antes de falarmos das tuas aventuras no estrangeiro, foquemo-nos no FC Porto. Chegaste-te a estrear pelos dragões em 2008/09. Qual foi o sentimento que tiveste nessa partida?

Ivo Pinto: Foi fantástico. Eu andava um bocado nas nuvens, digamos assim. A certa altura o mister Jesualdo Ferreira disse-me que eu ia passar a treinar regularmente com a equipa principal. Com todo o respeito, temos que ter em conta que a equipa principal do FC Porto naqueles anos era fortíssima. Estamos a falar de Lucho González, Lisandro López, Hulk… uma equipa fantástica. Treinar com eles quase todos os dias era quase um sonho. Acordar e saber que ia treinar com aquela esfera de tanta qualidade, com referências, era fantástico. Culminar com uma estreia no José de Alvalade frente ao Sporting, apesar do resultado ser negativo, é uma memória que nunca se esquece. São aqueles momentos em que o jogo acaba e o telefone enche-se de mensagens, de orgulho de pessoas próximas de ti, de familiares, amigos. Eu senti um orgulho enorme.

Bola na Rede: Acabaste por ter alguns portugueses a fazer-te companhia no Cluj e na própria Liga da Roménia. Acabou por transformar-se num bom campeonato para os lusos…

Ivo Pinto: Especialmente na altura. No Cluj eu tinha o Mário Felgueiras, o Diogo Valente, com quem tinha uma boa relação, o Rui Pedro, com quem trabalhei na formação. O capitão era o Cadu, que acolhia os portugueses super bem. Eu pensava que ia para o estrangeiro, mas quase que era um Portugal pequenino. Quase que era um bairro em que fazíamos o churrasco na rua (risos). Foi tudo muito bom.

Bola na Rede: Essa aventura abriu-te as portas do futebol dos Balcãs. Como é ser uma referência tanto no Cluj como no Dínamo Zagreb?

Ivo Pinto: É bom, espero que seja um bom sinal, pelo trabalho realizado. A minha época no Cluj foi fantástica, acho que ninguém contava que fizesse a época que fiz. O diretor desportivo do Cluj, na altura, ainda fala com o meu empresário e pede-lhe jogadores como o Ivo Pinto. Correu bem, tento dar o máximo de mim. Quase que uso a camisola de jogo diariamente, gosto de dar o máximo pelos clubes. Os clubes tentam dar-nos tudo, dar as melhores oportunidades, e eu tento não defraudar as expectativas. No Dínamo também correu tudo bem. A minha primeira época foi incrível, fiz 15 assistências. No primeiro jogo entro ao intervalo e fiz logo uma assistência. Tive um impacto imediato e fiquei muito bem visto por lá.

Bola na Rede: A ideia que passa cá para fora é que esses campeonatos são ótimos para a formação de jogadores, mais do que para atletas com outro tipo de experiência. Acreditas que esta afirmação está correta ou vês de outra maneira?

Ivo Pinto: Depende da fase de cada jogador. Acho que é muito mais para uma aposta em jogadores como eu, na idade que tinha. Foi um salto pequeno do Cluj para o Dínamo, embora o Dínamo seja um clube bastante maior. Eu sabia que, estando bem no Dínamo, mais portas teria abertas, por tudo o que é a história do clube, os mercados que realizam, muito mais com jogadores croatas. Acho que sou o primeiro jogador estrangeiro a trazer uma boa quantia de transferência. Houve o Eduardo, mas o Eduardo já era croata. O avançado acabou por ir para o Arsenal, não confundir com o Eduardo que era português, que atuava como guarda-redes. Eu consegui produzir uma transferência acima dos três milhões de euros. É mais formativo do que propriamente um jogador que vá com a carreira feita.

Bola na Rede: Antes de falarmos da transferência para Inglaterra, vamos pegar aqui noutro tópico interessante. Em 2014 foste convocado para a seleção. Acreditas que foi o teu ponto mais alto?

Ivo Pinto: Foi, sem dúvida, o ponto em que me senti mais feliz, sabes? Estava super bem no clube em que estava. Tenho que dar crédito a mim mesmo por ser chamado a uma seleção de topo a jogar no Dínamo Zagreb. É uma seleção de topo e não é normal. Foi fantástico, foi incrível. Causou um vulcão de emoções e foi aquele ponto que eu considero mais alto. Saber que ia estar com o Cristiano Ronaldo, com o Quaresma, com os melhores jogadores portugueses… foi o ponto mais alto.

Bola na Rede: Acabaste por ficar um pouco desiludido por não teres sido utilizado pelo Fernando Santos?

Ivo Pinto: Claro, ficas sempre um bocadinho. Podia ter jogado, mas eu defendo muito que os treinadores querem ganhar os jogos. As decisões tomadas serão sempre dos treinadores. Eu dei o meu máximo e o míster Fernando Santos, no último dia do estágio, depois do jogo frente à Dinamarca, que ganhámos, agradeceu-me e disse que estive muito bem em todos os treinos e teve pena de não me utilizar. O futebol é assim mesmo. Temos que estar prontos para a oportunidade e eu estava. É continuar a trabalhar. Deixando uma boa imagem, estamos sempre mais perto de regressar.

«Tenho que dar crédito a mim mesmo por ser chamado a uma seleção de topo a jogar no Dínamo Zagreb. É uma seleção de topo e não é normal. Foi fantástico, foi incrível».

Bola na Rede: Em 2015 conseguiste a tua oportunidade de ir para a Premier League. Na altura foste contratado pelo Norwich City por 3,5 milhões de euros. Como reagiste ao interesse de uma equipa de um campeonato tão superior ao croata?

Ivo Pinto: Foi excelente. Eu procurava a transferência. O nosso projeto no Dínamo era eu jogar dois anos no máximo e depois ser vendido. Trabalhei muito para isso, foram dois anos e meio. Eu recebo a notícia de que poderia acontecer alguma transferência sem que o meu empresário me dissesse algo. Estávamos na paragem de inverno, lá o campeonato para. Eu estava no jantar de Natal. Aparece a chamada. Disseram para me preparar para que a transferência pudesse acontecer. Existiam contactos de outros clubes, mas o meu sonho era jogar na Premier League. Os dias seguintes foram mesmo de trabalhar isso e fechar isso. Eu tinha uma viagem para Nova Iorque de passagem de ano com a minha mulher e o Eduardo, o guarda-redes. Acabei por não ir, foi a minha sogra (risos). Tive que ir fechar a transferência.

Bola na Rede: Sentiste muito a diferença de ritmo?

Ivo Pinto: Sim, eu sofri muito no começo. Tive uma conversa com o treinador, o Alex Neill. O tempo de jogo é muito diferente, a velocidade da bola, os passes, a dinâmica, a intensidade… muita gente não tem a noção da quantidade de transições que existem no futebol inglês, é de outro mundo. No começo foi complicado, mas quando me adaptei correu tudo bem.

Bola na Rede: Acreditas que foi a tua grande experiência de clubes na carreira?

Ivo Pinto: Sem dúvida. Não vou falar do FC Porto, foi mais formação. A 100% integrado foi no Norwich.

Bola na Rede: No Norwich cruzaste-te com dois nomes familiares para o futebol português como o Nélson Oliveira e o Ricky van Wolfswinkel. Tens alguma história engraçada com eles?

Ivo Pinto: Com o Ricky tenho, jogo agora contra ele (risos). Reencontrámo-nos e o Ricky sofreu um bocado no Norwich. Não conseguiu confirmar a qualidade que tinha demonstrado no Sporting. Ele tem mesmo muita qualidade, é fantástico. Os golos não lhe apareceram. Eu chego e ele está na porta de saída. O Nélson eu já conhecia das seleções. Tinha uma amizade com ele, foi muito bom poder recebê-lo lá. Foi tudo normal, eu estava habituado a jogar com ele. Éramos bons amigos.

Bola na Rede: Em 2019 regressaste ao Dínamo Zagreb. Como foi voltar a uma casa que tão bem conhecias?

Ivo Pinto: A oportunidade apareceu mesmo antes de acabar a época no Norwich, eu ia terminar contrato. Apareceu a oportunidade e eu decidi regressar. Voltei ao Dínamo, mas era um clube diferente. Já não era a mesma estrutura, o presidente estava um pouco afastado do clube por forças legais, algo que é de conhecimento público. Ainda assim, foi bom. Eu já conhecia, é quase como voltar a casa. Nada era estranho para mim, sabes?

Bola na Rede: Ainda assim, ficaste apenas meio ano. Porquê?

Ivo Pinto: Eu no primeiro jogo não fui convocado, sem qualquer tipo de razão. O treinador na altura era quase um manager, com o afastamento do presidente. Sinceramente, acho que havia algum conflito dentro do clube. O lateral direito que estava lá era da confiança do treinador e ele gostava muito dele. Não sei se houve algum conflito da minha chegada, se era a pedido do próprio treinador… fiquei de fora no primeiro jogo. Ainda fiz alguns jogos, fiz mesmo a última partida antes da paragem de inverno e saí-me muito bem. Surgiu a oportunidade de regressar a Portugal, o que foi pedido e aceite.

«É um projeto que é sustentado. Não é fácil uma equipa que chegue à Primeira Liga e faça o que o Famalicão fez».

Bola na Rede: Assinaste pelo Famalicão. Queria perguntar qual é a tua opinião sobre o projeto dos minhotos?

Ivo Pinto: Eu acho que é um projeto fantástico. Acho que foi um projeto que foi muito trabalhado, que começou na Segunda Liga. É um projeto que é sustentado. Não é fácil uma equipa que chegue à Primeira Liga e faça o que o Famalicão fez. Os anos seguintes têm sido de mais batalhas, mas a verdade é que o Famalicão tem sido um clube super estável e este ano está a mostrar que tem um projeto muito interessante, com muito bom trabalho. O recrutamento do Famalicão tem sido muito bom, têm conseguido vender jogadores para clubes maiores. Têm valorizado vários jogadores, mesmo da formação. É muito bom de ver.

Bola na Rede: Em seguida regressaste ao Rio Ave, numa temporada que não correu especialmente bem ao nível de grupo, com a despromoção à Segunda Liga. Como foi viver essa fase de declínio?

Ivo Pinto: Foi com muita pena minha. O Rio Ave já estava na minha história. Eu regresso com muita vontade, com um presidente fantástico, com uma estrutura incrível. É um clube que é uma família de verdade. Agora é diferente…

Bola na Rede: Sim, houve várias mudanças…

Ivo Pinto: Nós estávamos com toda a gente. As pessoas eram super humildes, simpáticas. As coisas não correram da melhor forma por várias razões. É o que é, não quero estar a aprofundar muito. Fiquei mesmo com muita pena. Eu dei o meu melhor, tentei ajudar ao máximo a equipa, os jogadores que queriam, de facto, ajudar o clube. Infelizmente não nos conseguimos manter. Deixou-me uma mágoa, mas eu sabia que iam voltar. O presidente, antes de sair do clube, conseguiu devolver a equipa à Primeira Liga e sair em grande.

Bola na Rede: Na altura não recebeste nenhuma oferta para te manter em Portugal?

Ivo Pinto: Existiram conversas, mas já quando estava no Rio Ave, durante o mercado de inverno, já tinha existido o interesse do Fortuna Sittard, que apareceu outra vez no final da época. Eles queriam-me muito cá, eu conhecia um dos donos do clube. Com toda a vontade demonstrada, com o projeto apresentado, eu acabei por aceitar e ainda estou por cá.

Bola na Rede: Estás na quinta temporada ao serviço do Fortuna Sittard. Ninguém melhor que tu para fazer uma descrição do projeto…

Ivo Pinto: O Fortuna é um dos clubes mais antigos dos Países Baixos. Era um clube que tinha caído na Segunda Liga. Quando eu cheguei, tinha estado nos últimos três anos na Primeira Liga, tinha caído à Segunda Liga, mas acabou por subir. Tiveram uma grande ajuda de um jogador que se cruzou comigo no Norwich, o Todd Cantwell. Desde aí que estão na elite. O objetivo passa por melhorar ano após ano, a equipa, o clube, as infraestruturas. Há um projeto para melhorar o centro de treinos. Tem sido um clube que tem trabalhado muito, mas com muitas dificuldades. Passa muito por tentar melhorar, atender ao pedido de jogadores, ao treinador, que está no terceiro ano, tentar dar o melhor aos jogadores, as melhores condições possíveis. Muitas vezes não é só sobre o dinheiro, sabes? Muitas vezes pensa-se na comunidade, no conforto. Pensa-se no que se precisa, no que é viável para darmos aos jogadores. O diretor desportivo, o Américo Branco, tem feito um trabalho quase de remendos. Tem feito equipas capazes, muito competentes, que conseguem lutar por bons objetivos. Temos estado perto do playoff europeu. É um clube que nos últimos anos (este ano não faço ideia) tem sido o clube com menos possibilidades financeiras do campeonato e lutamos sempre por lugares mais acima do que propriamente pelos postos mais abaixo. É um clube humilde, de luta. Somos muito próximos e a experiência está a ser muito boa.

Bola na Rede: No plantel, tu és o único português. Ainda assim, há mais lusos. Existe o Américo Branco, como referiste, mas há mais portugueses na equipa técnica. Acreditas que o projeto vai atrair mais jogadores portugueses?

Ivo Pinto: Eu vou ser sincero, achava que já podíamos ter mais portugueses (risos). Tivemos o Úmaro Embaló, que veio até antes do Américo Branco e do Francisco Costa. Eu gostava. Acho que o jogador português tem muita qualidade, mas os mercados não têm passado tanto por aí. Este mercado é muito característico. Os jogadores neerlandeses têm que ser aposta, o país fornece muitos jogadores. Temos tido jogadores de Espanha, da Croácia, por exemplo. A imagem que os jogadores portugueses têm deixado por cá merece uma boa atenção.

«O Halilovic Tinha mesmo muita qualidade e as pessoas chamavam-lhe o novo Messi. Era esquerdino, baixinho, tinha ginga, era muito parecida à do Messi. O que complicou foi mesmo isso. Colocarem logo essa etiqueta nele».

Bola na Rede: Falando em colegas teus e em croatas, contas com o Alen Halilovic no grupo de trabalho. Este nome é muito conhecido para quem jogava o Football Manager e para quem acompanhava as camadas jovens. Qual a tua opinião sobre ele? Porque é que ele não explodiu como esperávamos?

Ivo Pinto: Eu ainda o apanho no Dínamo. É uma história engraçada. Eu encontro-me com o Dínamo no estágio de pré-temporada na Eslovénia. Eu fico ao lado do Alen no autocarro. Ele é o primeiro a falar comigo. Eu nem treinei, fiz só o último jogo. Ele tinha 16 ou 17 anos, era um prodígio. Tinha mesmo muita qualidade e as pessoas chamavam-lhe o novo Messi. Era esquerdino, baixinho, tinha ginga, era muito parecida à do Messi. O que complicou foi mesmo isso. Colocarem logo essa etiqueta nele. E ele vai para o Barcelona, que era a equipa do Messi. Foram muitas coisas apressadas, muito por força daquilo que é a qualidade do mercado de transferências do Dínamo Zagreb. Eles vendem os jovens e os mesmos conseguem render. Temos o caso do Kovacic, o Vrsaljko. Há muitos jogadores que vencem. O Alen Halilovic deu o salto maior e isso provavelmente teve uma influência mais negativa. O que se esperava era muito acima daquilo que ele tinha. Ele era muito novo e precisava de apoio a um nível mais baixo para depois chegar a um nível superior. A qualidade que ele tem é de outro mundo.

Bola na Rede: Também se trata de um jogador com algumas lesões durante a carreira. Esta época ainda não jogou.

Ivo Pinto: Sim, isso também influencia.

Bola na Rede: Estás nos Países Baixos há cinco anos. Há sempre uma pequena guerra entre o futebol português e o neerlandês, refletido no Ranking UEFA. Qual a tua opinião sobre o tema?

Ivo Pinto: O português é melhor que o neerlandês (risos). Não há opinião. Vou-te ser sincero. A qualidade do futebol português é superior. Ainda assim, trabalham melhor aqui. Há melhores condições, há uma envolvência antes do jogo, no dia de jogo, há um trabalho melhor. Todos os estádios estão cheios, há proximidade com os adeptos. Não precisas de ir a Inglaterra ou à Alemanha. Aqui os estádios também estão cheios. Aqui também é feito um melhor trabalho em relação à repartição do dinheiro das transmissões televisivas. Nos Países Baixos trabalham mesmo muito bem isso, a divisão está bem feita. Os clubes têm assim mais condições para proporcionar bons dias de futebol. Em Portugal temos muito a fazer. Sem desrespeitar, temos o Casa Pia que não tem estádio e está na Primeira Liga há anos. O Rio Ave não tem um estádio com as condições mínimas. Falta a Portugal gerar as condições. Se as gerares, consegues atrair mais valor. Assim podes vender a melhor preço, melhoras a qualidade do campeonato. É isso que falta. A qualidade é superior à daqui dos Países Baixos.

«Falta a Portugal gerar as condições. Se as gerares, consegues atrair mais valor. Assim podes vender a melhor preço, melhoras a qualidade do campeonato».

Bola na Rede: Tu és um jogador com um palmarés recheado. Contas com taças e ligas no currículo. Qual é o troféu que mais te orgulhas de ter?

Ivo Pinto: Isso é uma boa pergunta. O do Norwich, da subida à Premier League. No Dínamo tínhamos que ser campeões sim ou sim. Dominávamos completamente o campeonato. A minha equipa era acima da média. Já éramos sempre campeões, mas essa equipa… Estivemos 47 jogos sem perder a nível interno. A época do Norwich, que eu nem joguei muito, foi o último ano e subimos. Fiz sete ou oito jogos, mas para mim ver o Norwich, que me diz mesmo muito, acho que é a equipa da minha carreira que mais me diz, receber a medalha de campeão de uma liga que é mesmo muito difícil de jogar, é um orgulho. Não me senti tão importante, mas senti-me tão feliz por ver a equipa a voltar ao topo. Foi o título que mais me encheu o coração.

Bola na Rede: Estás com 35 anos e és um lateral com uma vasta experiência. Começaste inclusivamente como médio. Como tens visto a evolução da posição nestes últimos anos?

Ivo Pinto: É uma loucura, eu farto-me de correr (risos). Eu acho que com 35 anos tenho de correr mais do que quando tinha 22. O lateral está tão envolvido neste momento em todas as fases do jogo que, de facto, é uma correria. Vou-te dar um exemplo de um dos meus laterais preferidos: o Cancelo. Vemos o Cancelo a defender, a ter que atacar na banda, a construir por dentro, a aparecer por dentro. Está envolvido em todas as fases. A transição ofensiva, muitas vezes estamos a defender e vem uma bola do lado esquerdo e recuperamos a bola. Muitas vezes eu tenho que estar a aparecer na outra área para ser mais uma solução. Depois, perdemos a bola e tem que se ir defender a área. Tenho que defender o espaço interior, aparecer lá para criar desequilíbrios. O lateral tem que ser um jogador super completo. O futebol moderno obriga-nos a isso. O futebol está cada vez mais um desporto homem a homem, muito fechado. Os laterais muitas vezes têm que fazer essa diferença.

Bola na Rede: Gostava de saber qual o lateral direito na Primeira Liga que destacas?

Ivo Pinto: Neste momento é uma pergunta difícil. O Dedic teve um bom impacto no começo da época, mas penso que quebrou um bocadinho. Estou a gostar muito do Alberto Costa, apesar da lesão. Tem uma capacidade física incrível, adaptou-se muito bem ao que o Francesco Farioli tem pedido. Tem ido para dentro muitas vezes, adiciona coisas muito boas ao jogo. Deixou de ser somente um lateral e é um jogador mais completo. Tem uma margem de progressão muito grande. Abraçou muito bem o projeto do FC Porto. As pessoas às vezes esquecem-se. Ele saiu do Vitória SC para uma Juventus e não jogou, praticamente. Ele sai da Juventus e vai para o FC Porto e as pessoas pensam que é descer um degrau. Ele conseguiu impor-se e mostrar a sua qualidade.

«Estou aqui a dizer que tenho contrato até 2027 e chegar a janeiro e ir embora. Nunca se sabe. Jogar no Lourosa seria sempre bonito. Terminar no clube em que comecei».

Bola na Rede: Antes de falarmos do teu futuro, vamos um pouco ao teu passado. Queria perguntar-te duas coisas. Quem foi o treinador que mais te marcou e se estás satisfeito com o teu percurso.

Ivo Pinto: O míster que mais me marcou foi o Ilídio Vale. Não trabalhei muito com ele, era um técnico muito ligado ao FC Porto e depois foi para as seleções. Eu apanhei-o nos Sub-18 de Portugal. É um treinador super completo. É um técnico com ideias fantásticas, tem uma qualidade enorme. O míster Ilídio Vale teve um papel preponderante naquilo que foi a passagem do Fernando Santos. É uma pessoa que respira futebol. Eu dou-lhe muito valor. Falamos sempre dos treinadores principais e muitas vezes esquecemo-nos do trabalho que é feito por trás. O míster Ilídio Vale é um treinador de ouro. Pode ser treinador principal com total facilidade, na minha opinião. Como adjunto, é uma mais-valia estratosférica. Não digo isto pela boa relação que tenho com ele. Ensinou-me muito, apesar do pouco tempo que estive com ele. Em relação à minha carreira, eu orgulho-me muito. Costumo dizer que tive que ir à volta do bilhar. Encontrei o primeiro buraco do bilhar e não deu, tive que ir ao segundo, ao terceiro, ao quarto… Tive que superar muitas dificuldades. Fui para o Cluj, joguei logo Champions League na primeira época. Fiz mais de 40 jogos, excedi-me a nível físico. Consegui ser chamado à seleção num Dínamo Zagreb, isto é de grande valor, não é muito normal. Uma coisa é o Eduardo, que já era chamado antes de ir para a Croácia. Eu fui chamado lá. Ter jogado na Premier League foi um sonho alcançado. O que mais me orgulha é ter 35 anos e conseguir manter o nível físico, ser consistente. Tem sido muito visto aqui nos Países Baixos, até mesmo por outros adeptos e outros clubes. Até mesmo por adversários. É muito gratificante e mostra que o trabalho constante ao longo dos anos traz frutos mais tarde.

Bola na Rede: Em várias entrevistas falas da tua ótima forma física. Mas infelizmente os anos vão passando. O que procuras fazer no futuro?

Ivo Pinto: Eu vou ficar no futebol, tenho quase 100% de certeza e nem gosto de usar esta expressão. Eu respiro futebol desde os sete anos, fui ‘arrastado’ para o futebol pelo meu irmão, que agora é diretor desportivo do União de Lamas. Ele trouxe-me para este mundo. Eu jogava com ele e com os seus amigos, eram todos quatro anos mais velhos. O futebol sempre foi a coisa que mais me guiou, o que mais me atraiu. O campo de treinos do Lusitânia de Lourosa, que é o clube da minha terra, onde comecei, ficava ao pé de minha casa. Eu ia para lá nos tempos livres. Só me vejo a trabalhar no futebol. Em que papel? Ainda está em águas de bacalhau, digamos assim. Tenho pensado muito. Como disseste, os anos passam e não se pode fugir disso. Enquanto sentir que posso ajudar o Fortuna, tenho essa abertura. Renovei contrato até 2027. Ainda assim, nunca sabemos. É ir ano após ano, pensar muito bem, estudar quais são as melhores possibilidades. O Fortuna abriu portas a poder ficar cá. Vamos ver.

Bola na Rede: Qual é a opinião do teu irmão em relação ao tema?

Ivo Pinto: O meu irmão quer que eu vá jogar para lá (risos). Acho que ele deu umas respostas rápidas nas redes sociais do União de Lamas e tinha que escolher dois jogadores para contratar. Um deles era eu (risos). Portanto, eu acho que a ideia dele é que vou jogar para lá, mas não o faria. Eu aí só jogo no Lusitânia Lourosa. Mas é sempre bom que exista interesse (risos).

Bola na Rede: Gostarias de regressar a Portugal? Seja para jogar ou para uma outra função.

Ivo Pinto: Sabes que eu tenho o meu filho mais novo e ele é doido por futebol e pelo Lusitânia Lourosa. Isso é bom e não foi nada imposto. Eu gosto de o ver jogar, ele atua aqui numa equipa pequena. Adoro vê-lo a jogar. É aquela magia que nós tínhamos antes de aparecerem os contratos. Simplesmente vai jogar e fica feliz. Adoro ver isso. Quando nos mudámos para cá ele tinha 14 meses. Ele já podia ir ao estádio e ao balneário, apaixonou-se. O nosso guarda-redes na altura, que agora está no Hull City, o Ivor Pandur, deu-lhe umas luvas de guarda-redes e ele, por quase dois anos, queria ser guarda-redes. Agora quer ser avançado, mas é giro acompanhar e ele é doido pelo Lourosa. Ele gosta de ir aos jogos do Fortuna, mas depois desses, os que gosta mais são os do Lusitânia de Lourosa. Ele vibra mesmo. O clube até colocou nas redes sociais um vídeo curto dele a celebrar um golo com uma bandeira (risos). É fantástico de se ver. Ele só conhece os Países Baixos, vai a Portugal de férias. Todos os amigos são de cá, está muito bem integrado. Acho que, de todos nós, ele é o que menos quer voltar. Mas quando eu lhe digo ‘e se eu for jogar no Lourosa?’ ele diz-me logo que sim e pede para irmos. Eu tento ser muito realista naquilo que é o nosso dia a dia. Estou aqui a dizer que tenho contrato até 2027 e chegar a janeiro e ir embora. Nunca se sabe. Jogar no Lourosa seria sempre bonito. Terminar no clube em que comecei. Ainda assim, a idade está a passar. Só jogaria no Lourosa, ou iria para um outro último clube, ou até mesmo continuar por aqui, se sentir que posso ajudar. Se achar que já não tenho muito a dar, prefiro não o fazer.

Bola na Rede: E pode ser que vejamos o teu filho a jogar a lateral direito, já que já quis ser guarda-redes… (risos)

Ivo Pinto: Ele é pé esquerdo, não sei como poderia atuar a lateral direito. Mas hoje vale tudo já, é imprevisível. Mas ele adora marcar golos. O futuro nunca sabemos (risos).

Bola na Rede: Muito obrigado por esta entrevista.

Ivo Pinto: O gosto foi todo meu.

Ricardo João Lopes
Ricardo João Lopeshttp://www.bolanarede.pt
O Ricardo João Lopes realizou a sua formação na área da História, mas é um apaixonado pelo desporto (especialmente pelo futebol) desde criança, procurando estar sempre a par da atualidade.

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