Breves notas sobre a violência simbólica

Cabeçalho Futebol Nacional

Após a cerimónia de abertura do Pavilhão João Rocha no passado dia 21 e da inauguração da respetiva estátua do Leão na Praça Visconde de Alvalade, simbolizada por um Leão pungente a rugir surgiram, nos dias seguintes, nessa mesma estátua, alguns sinais de vandalismo através de manchas de tinta vermelha no monumento. Não é de negar, em abono da verdade, que comportamentos com contornos semelhantes foram realizados, dias depois, por adeptos do Sporting, escrevendo as iniciais do Sporting e o ano da fundação do clube na estátua alusiva ao fundador do Benfica, Cosme Damião.

Sobre o sucedido, alguns meios de comunicação social apontam para uma guerra entre os dois clubes que chegou agora aos monumentos (exemplo, Diário de Notícias, edição online de 26 de Junho de 2017). Mas o que têm em comum estes comportamentos de vandalismo por parte dos dois clubes? O facto de atingirem símbolos importantes dos dois emblemas. Sabemos como os símbolos são, para determinado grupo social, a marca identitária mais importante, reunindo-se em seu torno os valores que cada grupo prorroga e defende de forma intransigente. Ao serem lesados, usurpados e violados por Outros, acabam por ficar feridos os elementos que lhes pertencem, constituindo-se naquilo a que poderemos designar como violência simbólica. Não podendo ser confundida com a violência física, ela pode ser o reflexo da mesma ou, por outro lado, o seu embrião. Em resumo, violência física e simbólica, mais do que domínios antagónicos ou separados são, acima de tudo, reforçados e ampliados retroativamente.

Isto leva-nos a um conceito importante na análise de tudo isto: a interação simbólica. Os grupos sociais em causa – tomo aqui Sporting de um lado e Benfica do outro – acabam por agir em consonância com aquilo que o Outro fez momentos antes alimentando, de forma cíclica, repetida e de certa forma também automática, o comportamento do Outro. Na interação simbólica, mais do que um culpado(s) há principalmente interações sistemáticas e simultâneas que conduzem ou impelem os comportamentos.

A violência já teve vários capítulos: desde vandalismo a homicídios
A violência já teve vários capítulos: desde vandalismo a homicídios

Mas há também algo a ser destacado nesta violência simbólica. Existe uma eterna tendência para afirmar as nossas Identidades – assim mesmo, múltiplas, plurais, complexas e contraditórias – não através do reforço e valorização das nossas qualidades ou virtudes do nosso grupo de pertença mas sobretudo pelo ataque, desafio e desrespeito dos valores e símbolos dos outros grupos sociais. Como que para nos afirmarmos tivéssemos a necessidade de dizer mal dos Outros, de os injuriar, insultar, difamar e, como foi aqui o caso, de vandalizar ou destruir. Aliás, em boa verdade, é aquilo a que as crianças da mais tenra idade fazem quando iniciam a sua longa tarefa de construção da Identidade – começam justamente por se opor, muitas vezes de forma agressiva, ao Outro, traduzidas em frases do género “O Joãzinho fez isto e aquilo, é um malandro”, “O Manuelinho portou-se mal na Escola hoje e eu fiz tudo o que a Professora mandou” e assim por diante. Ou então, quando estas verbalizações são já insuficientes para quebrar a identidade do Outro, passam para a destruição dos brinquedos (permitam-me aqui a metáfora, confesso que um pouco forçada) dos Outros meninos merecendo, mais tarde ou mais cedo, a respetiva retaliação pelo sucedido.

Nos comportamentos de vandalismo a que temos assistido por parte do Benfica e do Sporting com pinturas em símbolos identitários dos dois clubes, há um fundo de infantilidade que uma análise racional não hesita em constatar. Há mesmo algo de primitivo e infantil. E, tal como fazemos às crianças, teremos que educar toda esta gente para que se dignifiquem os valores desportivos e se afirme um outro patamar para as rivalidades entre os clubes. Mas será possível educar estas crianças assim tão grandes?

Foto de Capa: Sporting Clube de Portugal

Simão Mata
Simão Matahttp://www.bolanarede.pt
O Simão é psicólogo de profissão mas isso para aqui não importa nada. O que interessa é que vibra com as vitórias do Sporting Clube de Portugal e sofre perante as derrotas do seu clube. É um Sportinguista do Norte, mais concretamente da Maia, terra que o viu nascer e na qual habita. Considera que os clubes desportivos não estão nos estádios nem nos pavilhões, mas no palpitar frenético do coração dos adeptos e sócios.                                                                                                                                                 O Simão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

Subscreve!

Artigos Populares

Benfica abandona negociações por Mohamed Amoura e define novo setor a reforçar

O Benfica desistiu da contratação de Mohamed Amoura e procura agora reforçar a posição do meio-campo.

Santa Clara sofre reviravolta diante do Shamrock Rovers e está em desvantagem na eliminatória de acesso à Conference League

O Santa Clara saiu derrotado em casa diante do Shamrock Rovers por 2-1, na primeira mão do playoff de acesso à Conference League.

Braga goleia Lincoln e está a um passo do apuramento para a próxima fase da Europa League

O Braga ganhou vantagem sobre o Lincoln na primeira mão do playoff da Europa League. O encontro terminou 4-0. A próxima partida será em casa do emblema minhoto.

As 2 opções mais fortes para render Conrad Harder no Sporting

Conrad Harder vai deixar o Sporting neste mercado de transferências. O dinamarquês vai rumar ao Rennes, emblema da Ligue 1.

PUB

Mais Artigos Populares

Intervalo nos jogos das equipas portuguesas: Braga a vencer o Lincoln e Santa Clara sofre o empate nos instantes finais

O Braga vence o Lincoln por 2-0 ao intervalo. Já o Santa Clara permitiu o empate do Shamrock Rovers nos instantes finais da primeira parte.

Ángel Di María elege os 5 jogadores mais importantes da história da Argentina: «Rodrigo de Paul…»

Ángel Di María elegeu os cinco jogadores mais importantes da história da Argentina e surpreendeu com a sua escolha.

Inter Milão garante médio da Ligue 1 por 20 milhões de euros

O Inter Milão fechou a contratação de Andy Diouf por 20 milhões de euros. O médio representa o Lens da Ligue 1.