No futebol atual, o que não falta são rivalidades. O impacto que, no século 21, as televisões e internet geram, à volta da cobertura de grandes eventos, faz com que qualquer evento desportivo pareça único, imperdível.
Embora existam, no futebol, dérbies mais mediáticos, nenhum tem a dimensão social e cultural do Celtic vs Rangers. As duas equipas de Glasgow, as mais importantes da Escócia, dividem adeptos e população no geral, tal é a importância extra-futebol que o encontro assume.
As complexas, e muitas vezes tensas, relações entre Irlanda, Irlanda do Norte, Inglaterra e Escócia tornam, para quem não é destes países, muito difícil a tarefa de entender a atmosfera e o significado dum jogo destes. Mas é possível, olhando para o passado dos dois clubes, apontar as razões que fazem dele o maior acontecimento desportivo escocês, e um dos mais emocionantes a nível mundial.
O Rangers FC, o mais antigo e titulado dos dois, é um clube com grandes ligações ao Reino Unido, e à monarquia. As suas cores mostram bem isso: as bases do símbolo e dos equipamentos do clube são o azul, o branco e o vermelho, as cores da Union Jack. Os seus adeptos, quase exclusivamente protestantes, a religião mais seguida em Inglaterra, são sobretudo anti-independentistas, e defendem a permanência da Escócia como Estado controlado pelo Reino Unido.
O Celtic FC, por outro lado, é o clube com mais projeção internacional. Para além de já ter vencido a Liga dos Campeões, é o atual hexacampeão da Liga Escocesa. É um clube ainda mais político que o Rangers, e os adeptos sempre fizeram questão de que essa característica fosse bem visível.
Formado numa comunidade de imigrantes irlandeses, o Celtic tem uma forte ligação às classes trabalhadoras, e às zonas mais pobres da Escócia. As suas cores, verde e branco, para além do seu símbolo, um trevo, são alusões óbvias à origem Irlandesa do clube. Apoiado por católicos, a religião tradicional da Irlanda, têm, quer por ser um clube menos elitista, quer pelas muitas comunidades Irlandesas espalhadas pelo mundo, um maior número de adeptos.
A disputa Católicos/Protestantes não é novidade no Reino Unido. No entanto, os dois rivais de Glasgow nunca mostraram interesse em manter a política e a religião longe do desporto, e afastar este encontro de qualquer manifestação ou sentimento extra-futebol. Aliás, é o orgulho e a veemência com que cada lado tem mantido a sua posição, ignorando qualquer atitude politicamente correta, que tornam esta rivalidade icónica.
O ponto central neste derby, mais que o próprio jogo em si, é a demonstração de ideais nas bancadas. A questão da Irlanda do Norte é, provavelmente, o tema mais abordado pelos apoiantes. Os adeptos do Celtic, a favor duma Irlanda reunificada, e os adeptos do Rangers, que apoiam a continuidade da Irlanda do Norte como parte integrante do Reino Unido, acabam, normalmente, por ser mais protagonistas que os intervenientes diretos no jogo. Bandeiras, cânticos nacionalistas e referências a episódios históricos são parte fundamental do aspeto visual do jogo.
Independentemente do resultado, os 90 minutos são preenchidos com provocações de parte a parte, e, se às vezes existe alguma cordialidade nas rivalidades entre clubes da mesma cidade, aqui não é o caso: um adepto do Rangers é automaticamente inimigo dum adepto do Celtic, e vice-versa, mais que não seja por defenderem causas e ideologias completamente distintas.