A um dia da véspera de Natal, o Sporting passou com distinção na sempre difícil deslocação à Cidade Berço. No encontro que marcou o fecho da 15.ª jornada da Primeira Liga, a equipa comandada por Rui Borges goleou o Vitória SC por 4-1, consolidou o 2.º lugar da tabela classificativa e manteve a desvantagem de cinco pontos para o líder FC Porto.
No plano tático, Rui Borges surpreendeu ao lançar, pela primeira vez esta temporada, a dupla Luís Suárez–Fotis Ioannidis num jogo de elevada exigência. Ainda assim, tendo em conta a capacidade de pressão alta do Vitória SC, fazia sentido que o Sporting procurasse explorar as costas da equipa de Luís Pinto e a profundidade que poderia surgir em determinados momentos do encontro. Do outro lado, o técnico vimaranense manteve a sua habitual estrutura em 4-2-4 ou 4-4-2, consoante o bloco, mas também promoveu alterações na frente de ataque, com Oumar Camara a juntar-se a Alioune Ndoye.
Apesar disso, e como o próprio Luís Pinto referiu na flash interview, os primeiros 15 minutos foram particularmente difíceis para o Vitória SC, muito por culpa das dinâmicas impostas pelo Sporting e também por algum nervosismo evidente da equipa da casa. Perante esse cenário, o treinador acabou por ajustar a equipa e, numa tentativa de dar mais critério à posse, voltou a colocar Samu Silva na zona central – um jogador com maior capacidade para segurar a bola, algo que o Vitória precisava naquele momento. O conjunto minhoto regressou, assim, ao seu padrão habitual, com Oumar a partir da direita e Alioune Ndoye a formar dupla de ataque com Samu Silva, sendo este último mais ativo na pressão e, com bola, a baixar no terreno para funcionar como terceiro elemento no corredor central.


Do lado do Sporting, Francisco Trincão, que nos últimos jogos havia atuado mais por zonas interiores, voltou a partir do corredor direito frente ao Vitória SC. No entanto, nos primeiros 30 minutos – até ao primeiro golo, marcado precisamente pelo internacional português – esteve muito fixo na largura e com pouco protagonismo, muito também porque Fotis Ioannidis, quando descaía, ocupava os espaços onde Trincão costuma flutuar de fora para dentro. Quanto ao avançado grego, não surpreendeu pela capacidade de associação com os médios e pela forma como baixava para zonas interiores, fruto da sua qualidade técnica e das dinâmicas que já apresentava no Panathinaikos nesse sentido.
Ainda assim, e como Rui Borges referiu em resposta ao Bola na Rede, a partir do primeiro golo do Sporting a relação entre Trincão e Ioannidis funcionou na perfeição. O extremo português passou a interpretar melhor os movimentos do avançado, surgindo mais vezes por dentro, enquanto Ioannidis explorava a profundidade e as diagonais no corredor direito. Foi precisamente desse movimento de Trincão para zonas interiores que nasceu o segundo golo do Sporting, uma verdadeira obra de arte coletiva. Desde a saída de bola desde trás, com a qualidade já conhecida de Eduardo Quaresma e Gonçalo Inácio na condução e no passe, até à forma como os leões aproveitaram a profundidade do lado direito, com a subida de Ricardo Mangas para um cruzamento exímio e o cabeceamento do ponta-de-lança grego.
No corredor direito do Sporting, as dinâmicas revelaram-se igualmente muito bem trabalhadas, sobretudo no que toca às funções e características de Ricardo Mangas, Maxi Araújo e João Simões. A sintonia entre os três, especialmente na primeira parte, foi mais uma arma ofensiva do Sporting. Tendo em conta algumas dificuldades técnicas que Ricardo Mangas apresenta quando é pressionado com bola, João Simões e o próprio Maxi Araújo criaram constantemente condições para potenciar as melhores características do lateral, através de movimentos verticais e de trás para a frente no corredor esquerdo.


Para que isso acontecesse, foi recorrente ver João Simões a lateralizar à esquerda, cobrindo o espaço deixado pelo lateral e arrastando um dos médios do Vitória SC, enquanto Maxi Araújo flutuava para zonas interiores. Se Rui Borges já havia elogiado a agressividade e a capacidade do uruguaio para atacar a última linha adversária, a verdade é que Maxi voltou a demonstrar uma grande capacidade de associação por dentro, criando constantes dúvidas nas referências defensivas do Vitória SC. Nota ainda para o excelente entendimento com Ricardo Mangas, quer na definição de quem baixava para formar uma linha de quatro, quer, em alguns momentos, uma linha de cinco.
Essa nuance foi particularmente importante tendo em conta o potencial perigo do lado direito do Vitória SC, sobretudo com as projeções de Miguel Maga. Rui Borges optou por colocar Maxi Araújo a fechar o corredor esquerdo, formando uma linha de cinco em certos momentos para garantir uma maior coesão defensiva. Numa altura em que o Sporting não pode contar com Pedro Gonçalves, Geny Catamo e Geovany Quenda, Maxi Araújo oferece uma enorme variabilidade ao jogo leonino e assume-se, neste momento, como uma das peças mais importantes na manobra ofensiva da equipa.
Com o Sporting a justificar plenamente a vantagem de dois golos ao intervalo, Luís Pinto procurou dar maior agressividade ao corredor central – algo que faltou de forma evidente na primeira parte, sobretudo pela forma como o Sporting explorou os passes verticais e beneficiou da ausência de coberturas eficazes. O técnico lançou Telmo Arcanjo e Diogo Sousa para os lugares de Oumar Camara e Matija Mitrovic, e as alterações tiveram efeito imediato.


A atitude competitiva do Vitória SC mudou por completo no início da segunda parte, muito por força da entrada do extremo cabo-verdiano. Telmo Arcanjo marcou o golo dos vimaranenses aos 50 minutos, contando também com a ajuda de Rui Silva. Para além do golo, agitou o corredor direito e beneficiou das subidas de Miguel Maga, que encontrou maior conforto para se projetar no terreno na segunda metade. Ainda assim, e já que estamos em época natalícia, Juan Castillo acabou por não ter a melhor das ações e também ofereceu o terceiro golo ao Sporting, dissipando definitivamente quaisquer dúvidas quanto ao desfecho do encontro.
Mais do que a exibição em si, importa reconhecer o mérito de Rui Borges pela forma como se adapta aos diferentes cenários que o jogo lhe oferece. O Sporting apresenta uma identidade muito bem vincada, assente na variabilidade ofensiva, na criação de superioridades no corredor central e num jogo extremamente móvel, com jogadores capazes de ocupar várias posições sem comprometer o equilíbrio defensivo. O técnico acrescenta dinâmicas diferentes a cada jogo e, mesmo com várias ausências de peso, o Sporting continua a vencer e promete manter-se firme na luta pelo tricampeonato.


BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Até ao primeiro golo do Sporting, vimos um Francisco Trincão muito encostado à linha, a dar largura, e o Ioannidis quando baixava no terreno era sobretudo por esse lado direito do Sporting. No entanto, a partir dos 30 minutos pareceu haver um maior entendimento entre os dois, com alternância de posições, com o Trincão a vir mais dentro, Fotis a explorar mais a profundidade. Gostava de lhe perguntar se isso fazia parte da estratégia inicial ou se resultou desse maior entendimento em campo. Por outro lado, quão importantes foram hoje os movimentos do Maxi Araújo e do Fotis Ioannidis para criar superioridades na zona central e ligar o jogo ofensivo do Sporting?
Rui Borges: Muito bem! És treinador nos tempos livres? Boa leitura. Sim, procurámos dar maior alternância e essa mobilidade que a equipa tem existe sempre, não só para este jogo, mas para todos os momentos. Os jogadores sabem que podem ocupar as zonas uns dos outros, desde que a equipa esteja organizada e equilibrada e tenha jogadores nos espaços onde deve ter. A ligação entre o Trincão e o Ioannidis é muito boa, até nos treinos. Há uma ligação natural entre os dois e isso é positivo. Em relação aos jogadores baixarem, tem muito a ver com a nossa ideia de jogo e com aquilo que têm sido as nossas dinâmicas, apenas com jogadores diferentes. Às vezes está o Pote, hoje esteve o Maxi e fez um belíssimo jogo novamente, com ações que não tinha feito no seu início de época, mas tem sido espetacular naquilo que faz. É importante esse jogo interior, essas superioridades, porque depois a qualidade individual vem ao de cima em algum momento e vamos conseguir ferir o adversário. Foi um bocadinho isso, uma boa leitura.

