«Não recebemos nenhum ordenado até agora» – Entrevista BnR com Nuno Pinto

    Nuno Miguel Sousa Pinto. Um herói que derrotou um linfoma e que se recusou a abandonar o barco em Setúbal, quando este afundou até ao Campeonato de Portugal. Agora, a luta é dentro de campo e o objetivo é trazer o Vitória FC de volta ao lugar a que pertence: a 1ª Liga. Prestes a tornar-se o jogador em atividade com mais partidas oficiais pelo Vitória FC, Nuno Pinto e os seus colegas debatem-se com ordenados em atraso desde o início da época. A claque do clube tem, literalmente, apoiado os jogadores e equipa técnica, numa altura em que o Vitória FC se prepara para ter eleições. Nuno Pinto recorda também Paulinho, funcionário do Vitória FC recentemente falecido, como alguém sempre presente e que deixa muitas saudades. Em tempos difíceis, o lateral encontra motivação no amor pelo clube pois, nas suas palavras, não nasceu vitoriano mas tornou-se vitoriano.

    – Campeonato de Portugal, o novo normal –

    Bola na Rede: Nuno, que tal o treino?

    Nuno Pinto: Treinámos de manhã, lá foi mais um.

    Bola na Rede: A rotina de trabalho mudou muito deste a época passada?

    Nuno Pinto: Não, não tem mudado. É sempre treinos de manhã e treinamos 4ª à tarde. De resto tudo igual. Só não temos é estágios.

    Bola na Rede: E folgas?

    Nuno Pinto: É conforme o jogo. Jogamos sábado, folgamos domingo. Jogamos domingo, folgamos segunda. E depende sempre do próximo jogo.

    Bola na Rede: Como está a ser a adaptação ao Campeonato de Portugal?

    Nuno Pinto: Complicado, principalmente pelos relvados. Não têm nada a ver com os relvados da 1ª Liga, são relvados mais degradados. Os jogadores têm alguma qualidade, mas não tanta como os da 1ª Liga.

    Bola na Rede: Qual é a diferença?

    Nuno Pinto: A execução, são mais lentos a executar do que na 1ª Liga. Mas de resto há muita qualidade no Campeonato de Portugal.

    Bola na Rede: Onde se vai buscar a motivação quando no ano passado estavam a jogar na Primeira Liga?

    Nuno Pinto: A motivação é o amor ao clube. É saber que o clube precisa de nós, de mim, e sabermos a grandeza que o clube tem e que foi injusto ter descido na secretaria. Porque uma coisa é descer no campo, outra coisa é descer na secretaria. Nós vamos buscar forças a isso e a motivação é tentar meter o Vitória na divisão em que o clube merece estar.

    Bola na Rede: Quais foram os objetivos definidos para esta época?

    Nuno Pinto: Subir de divisão, sem dúvida. Sabemos que não é fácil, sabemos a situação que estamos a passar, o clube em si e os jogadores. Mas o objetivo mantém-se.

    Bola na Rede: Estás a um jogo de igualar o jogador em atividade com mais jogos pela equipa principal do Vitória FC, [Frederico Venâncio]. Por isso, estás a dois de te tornares o jogador com mais jogos. Sabias deste registo?

    Nuno Pinto: Não, não sabia. Sabia que dentro do balneário, pelo menos o ano passado, era o jogador com mais jogos de campeonato profissional, na 1ª Liga. Agora esse registo não sabia.

    Bola na Rede: O que é que representa para ti?

    Nuno Pinto: Fico feliz porque são muitos anos aqui no Vitória.

    Bola na Rede: É caso para dizer que não nasceste vitoriano mas que te tornaste vitoriano?

    Nuno Pinto: Exatamente. É caso para dizer isso e é caso para dizer que o amor pelo clube aumenta a cada dia que passa. Não sei explicar, não te sei dizer mas a realidade é essa. Tive muitas oportunidades para ir embora.

    Bola na Rede: Neste verão?

    Nuno Pinto: Sim. Tive muitas oportunidades para ir embora mas não fui e algo me dizia para ficar aqui. Não sei se fiz bem ou mal mas segui o que o coração me disse para fazer.

    Bola na Rede: Assinaste contrato até quando?

    Nuno Pinto: Este ano mais outro, dois.

    Bola na Rede: De onde eram os clubes que estiveram interessados em ti?

    Nuno Pinto: 2ª Liga.

    Bola na Rede: Foste um dos resistentes da equipa que desceu da Primeira Liga e recusaste-te a abandonar o barco. Os adeptos do Vitória FC retribuem a tua fidelidade?

    Nuno Pinto: Sim. Não só a mim mas a toda a gente.

    Bola na Rede: A massa adepta do Vitória FC é exigente mas também é calorosa. O que é que eles te dizem quando te encontram na rua?

    Nuno Pinto: Sim, é exigente sem dúvida nenhuma. Mas é exigente porque eles sabem a grandeza do clube. Eles sabem onde é que o clube merece estar, mesmo na 1ª Liga sabiam por que é que o clube podia lutar. É um clube com muitos títulos e o que eles queriam era que déssemos sempre o nosso melhor. Continuam a ser exigentes mas não tanto como eram na 1ª Liga  porque eles sabem o que nós estamos a passar, as dificuldades financeiras que estamos a ter. Têm sido um grande apoio para nós, têm-nos ajudado, tanto aos jogadores como aos funcionários e só temos que lhes ficar gratos. Isso mostra que são verdadeiros vitorianos, que gostam mesmo do clube e querem que o clube vá para a frente tanto como nós jogadores queremos.

    Bola na Rede: Houve pagamentos em atraso desde o início da época, esta situação já está regularizada?

    Nuno Pinto: Não. Nós ainda não recebemos nenhum pagamento até agora.

    Bola na Rede: Desde o início da época?

    Nuno Pinto: Desde o início da época. Temos recebido algumas ajudas da parte da claque e do “Futebol para a vida”. Mas, até agora, nada mais.

    Bola na Rede: A Direção já falou convosco sobre isso ou estipulou prazos para pagar?

    Nuno Pinto: Não. Teve o presidente, o Paulo Rodrigues, que quando entrou disse que ia pagar. Infelizmente não o fez. Também não vou estar a adiantar muito sobre essa situação. Agora temos o presidente da mesa da assembleia, que é quem está a gerir o clube…

    Bola na Rede: Até às eleições?

    Nuno Pinto: Exatamente. Disse que está a fazer os possíveis para nos tentar ajudar de alguma forma mas, até ao dia de hoje, nada.

    Bola na Rede: Quem está de fora acha que todos os futebolistas são milionários, têm ordenados em dia e que são ordenados altíssimos. Mas não corresponde à verdade.

    Nuno Pinto: É, não corresponde à verdade. É chato, porque há famílias, há pessoas com vidas organizadas e que, com esta situação, se desorganiza tudo. Há que acreditar que as coisas se vão resolver o mais rápido possível e o clube vai começar a andar para a frente.

    Bola na Rede: Na pesquisa para esta entrevista, descobri que não eras lateral de origem, pois não?

    Nuno Pinto: Não, era médio.

    Bola na Rede: Como se deu a mudança de posição?

    Nuno Pinto: Foi no Boavista, no meu primeiro ano de sénior. Jogava a médio e o treinador era o Jaime Pacheco. Os laterais esquerdos eram o Mário Silva e o Fernando Dinis. Houve uma altura em que o Mário Silva se magoou num treino e ficou de fora. Então para os treinos de conjunto quem é que ia para lateral esquerdo? O miúdo ehehe.

    Bola na Rede: Ehehe claro.

    Nuno Pinto: O Jaime Pacheco gostou, ia falando comigo várias vezes e depois apostou em mim. Primeiro jogo que faço na Liga Portuguesa foi contra o Sporting.

    Bola na Rede: A lateral esquerdo?

    Nuno Pinto:: A lateral esquerdo. E o segundo jogo é contra o Benfica.

    Bola na Rede: Como é que correram os jogos?

    Nuno Pinto: Empatámos os dois. Eu com a camisola do Boavista nunca perdi.

    Bola na Rede: Quem é que apanhaste pela frente contra o Sporting?

    Nuno Pinto: Nani.

    Bola na Rede: Ui. E contra o Benfica?

    Nuno Pinto: Simão Sabrosa.

    Bola na Rede: É difícil uma estreia melhor.

    Nuno Pinto: É. Deves-te lembrar daquele mítico jogo, 0-0.

    Bola na Rede: Aquele em que a bola não entrava por nada?

    Nuno Pinto: Esse mesmo. Esse foi o meu segundo jogo.

    Bola na Rede: Esta semana faleceu o Paulinho, uma pessoa muito querida no Vitória FC. Tu que o conheceste bem, quem era o Paulinho?

    Nuno Pinto: O Paulinho era um funcionário do clube que estava sempre disposto a ajudar. Precisávamos de alguma coisa, o Paulinho estava presente. Precisávamos de ir a qualquer lado, o Paulinho estava presente. Se precisássemos de alguma coisa, o Paulinho nunca dizia que não. E isso cativa as pessoas. Sabíamos das dificuldades que o Paulinho e a família estavam a passar e mesmo assim era a primeira pessoa a chegar. Isso marca-nos porque não é normal. Pessoas que estão em dificuldades, que não recebem salários, andam tristes. E o Paulinho nunca andava triste, andava sempre feliz. Isso cativa e deixa saudades porque não é fácil, hoje em dia, entrar no Vitória e ver as pessoas felizes. Primeiro, devido à situação que o clube atravessa. Segundo, os ordenados em atraso. O Paulinho estava sempre presente, ou ajudava o futebol, ou ajudava a manutenção ou o andebol. Estava sempre presente e isso vai deixar saudades.

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