«Na China, se eu me sentasse numa mesa ao pé de um jogador para tomar o pequeno-almoço, ele levantava-se e ia para outra mesa»
Bola na Rede: Ficaste depois uns meses sem clube, até que em janeiro de 2012 foste contratado pelo Dalian Shide, do Campeonato Chinês. Mas primeiro, queria saber como é que encaraste esse tempo em que não tiveste clube? Continuaste a treinar, mesmo que fosse sozinho?
Ricardo Esteves: Depois de ter saído do Marítimo, apesar de não ter um contrato com o clube, eu já estava na China a treinar. Não estava inscrito, mas estava a treinar no Dalian Shide até para me adaptar ao futebol chinês, à vida na China, apesar de não ter contrato, estava no clube. As épocas na Ásia são diferentes da Europa e quando eu fui para a China não podia estar inscrito e então tive essa fase de dois ou três meses de adaptação ao clube e depois sim, assinei contrato para a época seguinte. Foi uma adaptação muito difícil, eu quando vou para a China pensava que era uma realidade igual à da Coreia do Sul e encontrei uma realidade totalmente diferente e em termos de adaptação foi difícil. Foi difícil viver na China, foi difícil adaptar-me ao jogador chinês e acima de tudo ao colega chinês, não foi fácil. Para dar um exemplo, eu fui para a China, lá está, pelo contrato que também que me ofereceram, mas o jogador chinês, se eu me sentasse numa mesa ao pé dele para tomar o pequeno-almoço, ele levantava-se e ia para outra mesa. Em termos de amizade, daquilo que tive na China, não foi fácil. Para um jogador que já tinha jogado na Europa, em vários clubes, tinha 33 anos, e estar naquele momento a viver aquela realidade não foi fácil como jogador nem foi fácil como homem e como pai estar naquela situação, mas lá está, na vida estamos sempre a aprender e foi mais uma aprendizagem para mim.
Bola na Rede: O Dalian Shide acabou por ser o último clube pelo qual jogaste. Como é que lidaste com a tua retirada do futebol profissional?
Ricardo Esteves: Eu acabei a minha carreira depois de ter saído da China, eu não referi que tinha gostado de estar na China porque de facto nunca foi feliz a minha estadia na China.
Eu acabo a minha carreira com uma lesão que tive na China, uma fratura simples no tornozelo que originou um problema mais grave. Eu tive uma lesão dois ou três meses depois de ter começado o campeonato, tive a fratura onde, se fosse operado, estaria dois meses de fora, com a recuperação em dois meses estava a jogar, e aquilo que eu vivi foram seis meses sem jogar, derivado a uma fratura simples, naquela altura, mas depois estive seis meses sem jogar porque acharam sempre que eu não tinha nenhuma fratura, acharam sempre que tinha uma entorse. Nunca tive o pé engessado, nunca fiz nenhuma cirurgia, aquilo que eu fazia era estar duas semanas parado, voltava a correr, mas depois doía, voltava a parar e aquilo que era uma cirurgia simples quando fiz a fratura. Depois, nesses seis meses o campeonato para, eu termino o contrato com o Dalian Shide, venho para Portugal, passado uma semana sou operado, a articulação do pé estava toda estragada e aquilo que eram dois meses de recuperação na altura em eu fraturei, quando fiz a cirurgia passou a quatro meses de recuperação. Para um jogador de 33 anos, no final da recuperação tinha 34, um jogador de 34 anos, praticamente um ano parado, onde o pé também não ficou no melhor estado em termos de poder jogar numa competição de alto nível, é sempre complicado alguém apostar em ti, é sempre um risco apostar em ti. Como tinha jogado sempre num nível alto, achei que naquela altura, sabendo, vendo e percebendo que o pé não estava nas melhores condições, percebendo também que os contratos que me estavam a chegar não eram contratos que me aliciavam e atendendo à idade que tinha, achei por bem naquela altura terminar a minha carreira.
Bola na Rede: Finalmente, em jeito de conclusão, queria-te pedir que contasses alguma história caricata ou engraçada que te tenha marcado a carreira.
Ricardo Esteves: Uma história caricata, na Coreia do Sul, no dia que fui fazer exames médicos, porque eu nunca tinha visto aquilo, e quando vou à clínica fazer exames médicos e o exame à urina, eu vou para a casa de banho para fazer o teste à urina, para o copinho, e vejo a sanita cheia de botões. Eu faço a urina para o copo e depois faço o resto para a sanita e queria puxar o autoclismo e eu não sabia como porque eu vi tantos botões, aquilo tudo em coreano e eu não sabia (risos) como é que descarregava o autoclismo e vejo o desenho de um repuxo e pensava, como aquilo era o mais parecido com água, pensava que aquilo era para descarregar a água. Eu carrego nesse botão e vejo um tubinho a sair da sanita, por baixo, muito devagarinho, e a parar a meio da sanita e eu começo a aproximar-me com a cara para saber o que é que era aquilo. E então, assim que eu me aproximo, aquilo deita um jato de água, porque aquilo era, lá está, na Coreia têm essas sanitas onde tu fazes as tuas necessidades e aquilo limpa, lava, seca, tudo assim. E eu nunca tinha visto aquilo e estava a ver aquele tubo a sair do meio da sanita (risos) e comecei a olhar com a cara e então fiquei, aquilo mandou-me um repuxo para a cara, fico todo molhado e saio da casa de banho, onde está o tradutor à minha espera e eu saio da casa de banho todo molhado e foi, de facto, um momento caricato porque, lá está, nunca tinha visto aquilo e foi muito muito engraçado.