«O jogador não passa pelas mãos do Jorge Jesus e continua o mesmo, é impossível» – Entrevista BnR com Filipe Oliveira

    Aquela infraestrutura era melhor que a infraestrutura do Chelsea, de longe, com umas condições brutais, e cada vez mais os clubes estão apetrechados e reforçado com este tipo de infraestruturas”

    Bola na Rede: Na época que és vice-campeão pelo SC Braga, num plantel com bastante qualidade, acabas por somar 21 jogos, na temporada a seguir vais para Itália. Recebeste mais alguma abordagem além da do Parma FC?

    Filipe Oliveira: Na altura estava em processo de renovação com Braga, porque estava em final de contrato, e a oportunidade que surgiu de Itália foi uma oportunidade boa, porque o Parma era um dos clubes distintos em Itália. Se nós analisarmos friamente o futebol italiano da altura, e mesmo do passado, não era um futebol muito propício para os atletas portugueses, não há um registo muito grande de atletas portugueses em Itália como há em outros países, pelas características e pelas especificidades do futebol italiano. Temos grandes jogadores que passaram por Itália, mas tivemos muitos outros jogadores que não conseguiram fazer nada em Itália, e não só portugueses. Na altura o meu empresário também era italiano e a informação que me fizeram chegar era que o Parma era um clube diferente dentro de uma realidade italiana. Era um clube de menor pressão, de uma cidade mais pequena, e tinha tido um passado muito recente de grandes triunfos. Eles tiveram jogadores incríveis, o Crespo, o Veron, o Zola, o Thuram, o Cannavaro, o Buffon… é tudo de Parma. Aquilo era o ninho de talentos. Isso fez-me pensar bastante, eu disse “epá acho que vou dar uma oportunidade”. Eu tenho fascínio por Itália, já sabia falar italiano porque tinha aprendido em Inglaterra, nem sequer ia ter a barreira da língua e na altura decidi voltar a emigrar. Contudo, verdade seja dita, eu quando cheguei ao Parma, eu fui como lateral e o jogador que estava na minha posição era o Zaccardo, que tinha sido o campeão do Mundo pela Itália, e o diretor foi muito transparente e correto. “Este primeiro ano vai ser complicado para jogares com regularidade, contudo, nós queremos que fiques cá porque queremos que te adaptes o mais rapidamente possível”. Nesse período o Braga queria-me novamente de volta, por empréstimo, só que o clube não me permitiu vir emprestado porque queriam que me adaptasse lá. Felicidade ou infelicidade o Braga chega à final da Liga Europa, e eu acabo por ficar em Itália e jogar muito pouco. Nos primeiros seis meses estive emprestado em Turim, porque na altura o diretor desportivo do Torino era uma pessoa que me conhecia muito bem, que já me queria contratar na altura em que estava no Leixões, e o que eu pensei? “Bem se eu no Parma não vou jogar com tanta frequência, eu quero é jogar para me adaptar o mais rapidamente possível”. Então fui para a Série B, e o Torino é quase como um Benfica de Itália, em Turim, existe a Juventus e o Torino, lá o clube grande é o Torino. Isto por causa da sua história. Chegou a ser a melhor equipa italiana… do mundo… tiveram uma tragédia quando a equipa chocou contra a igreja da cidade, mas era um clube muito grande. O meu fascínio para ir para lá era esse, o objetivo era subir e poder dar sequência. Honestamente, não me adaptei, tive bastante dificuldade na adaptação pela especificidade, e hoje com a experiência que tenho e pela maturidade considero que terá sido um erro ir para lá. Eu tinha características muito diferentes do campeonato italiano. Eu era um lateral muito ofensivo, com raiz de extremo, e em Itália a realidade desse período era totalmente diferente. Apesar de ter assinado cinco anos, acabei por ser emprestado no ano a seguir para a Hungria e prossegui a carreira.

    Bola na Rede: É na Hungria que encontras uma estabilidade de cinco épocas e meia no MOL Fehérvár FC. Como é o futebol húngaro?

    Filipe Oliveira: O processo de ir para a Hungria foi curioso. Na primeira fase não queria ir porque eu não conhecia nada da Hungria. Eu fui convidado pelo mister Paulo Sousa, que me explicou muito bem o projeto, e foi a única pessoa responsável pela minha ida para a Hungria. Não foram as pessoas ou o nome do clube, não foi o campeonato, porque eu não conhecia. Eu fui pelo mister Paulo Sousa, pela pessoa, pelo projeto, por tudo aquilo que ele me diz. Quando eu vou é tudo novo, mas acabou por ser uma agradável surpresa porque realmente o na altura Videoton, agora MOL Fehérvár FC era, e é, um dos maiores clubes da Hungria, com objetivos muito concretos e específicos, que querem colocar o clube em patamares de excelência internamente, e a nível europeu, e eu identifiquei-me imenso. Identifiquei-me com as pessoas e com a filosofia do clube. A nível de diferenças futebolísticas, é lógico que o campeonato húngaro na altura não tinha a qualidade dos campeonatos onde eu tinha jogado, mas tinha tudo, tinha os condimentos todos para serem um campeonato muito interessantes europeu. A nível de paralelismo, considero que poderá ser um campeonato como o austríaco, polaco, suíço, por aí. Há um forte investimento no futebol, a nível de infraestruturas o futebol húngaro cresceu imenso. Já na minha altura quando cheguei, na minha temporada treinávamos nas instalações do Puskas, que era um clube parceiro. Aquela infraestrutura era melhor que a infraestrutura do Chelsea, de longe, com umas condições brutais, e cada vez mais os clubes estão apetrechados e reforçado com este tipo de infraestruturas. O MOL Fehérvár tem neste momento sete/oito campos de treino, com indoor sintético, com o estádio totalmente renovado em 2019, com um edifício para a própria academia, tudo isto em anos recentes. O futebol húngaro tem crescido muito por causa disso, estão mais capazes, e vão começando a recolher os frutos porque a própria formação vai usufruindo destas condições melhores. Isso para mim foi muito interessante, fui bem recebido, percebi que havia margem de progressão para o projeto, e foi daí que fiquei e comecei-me a agarrar àquela gente, que são pessoas com que eu me identifico muito.

    Bola na Rede: Depois dos 159 jogos na Hungria vais para o Chipre e para a Roménia. São duas realidades completamente distintas e, às vezes, pouco agradáveis para alguns jogadores portugueses. Como foi a tua experiência nesses dois campeonatos. 

    Filipe Oliveira: A experiência no Chipre foi muito agradável, de seis meses, na transição de ter saído do Vidi para o Anorthosis, um gigante adormecido no Chipre. Mais uma vez identifiquei-me com a história do clube. O facto de serem de Famagusta, de ser uma equipa de espírito lutador, de muita proximidade, paixão, identifiquei-me imenso com o projeto. Infelizmente o clube estava num processo de mudança estrutural, a nível de presidente, estavam com imensos problemas financeiros, mas sempre com máxima seriedade com os atletas. Essa foi outra das coisas que ficou vincada e eu apreciei muito, fiquei só seis meses, foi um período que correu muito bem. A nível pessoal foi uma prestação muito interessante, proporcionou-se eu poder renovar e ficar lá. Na altura havia outras propostas do Chipre, e eu fiquei ali um bocadinho dividido, e depois por virtude e ironia do futebol acabei por ficar sem clube quando tinha duas propostas em cima da mesa concretas para assinar. É um pouco estranho, mas foi realidade. Passado o período em que tive seis meses sem jogar, proporcionou-se o projeto na Roménia, o único motivo pelo qual fui para a Roménia foi muito simples. O Sepsi é um clube húngaro dentro da Roménia. Na altura eu fui para lá a convite de um diretor húngaro que me conhecia muito bem e eu tinha grande estima e muito respeito. Então eu aceitei a proposta para ir para lá. Foi um choque, confesso, foi um choque porque a mentalidade romena é muito característica, muito específica. Foi a nível de infraestruturas, mentalidades e futebolístico. O campeonato é muito interessante, competitivo, com qualidade, ao contrário do que se pode pensar, é um campeonato onde existe bastante qualidade a nível de atletas. Agora a parte estrutural, de organização dos clubes, é caótica. O Sepsi era diferente porque era um clube que estava num processo de crescimento. Eu fui com um objetivo muito concreto, de ajudar o clube a manter-se na Primeira Divisão, porque eles estavam nesse processo, e têm feito um trabalho extraordinário. Estão agora num patamar que eu não tinha qualquer tipo de dúvidas que iam alcançar, e eles ainda estão no início do processo. O Sepsi vai ser um dos grandes clubes da Roménia, a lutar para ser campeão, agora eles começaram o processo. Na altura, dois/três anos atrás tinham começado nas divisões amadoras, conseguiram subir o clube para a segunda divisão, tudo fruto do presidente que na altura ainda lá estava, com as pessoas da estrutura. Mas precisavam de crescer a nível de infraestruturas, estádio, staff, precisavam de se munir de mais gente e capaz. Sendo um clube húngaro têm apoio do governo húngaro. O governo húngaro está a apoiar atualmente alguns clubes fora do país com raízes húngaras, e daí eu estar tão convicto que enquanto continuar nesta linha eles podem alcançar patamares superiores. A nível pessoal a experiência acabou por ser de seis meses e coincidiu com o final da minha carreira. Eu comecei a sentir que estava a começar a baixar o nível de carreira, em virtude da idade, da performance, do que eu representava para o mercado futebolístico. Coincidiu também com um período em que tive seis meses sem a minha família, foi uma experiência dura, foi um dos pontos que me custou bastante, e daí eu ter decidido terminar.

     

     

    Bola na Rede: Que peso tiveram esses seis meses sem clube, entre a aventura do Chipre e da Roménia, quando tomaste a decisão de terminar a carreira? 

    Olhando agora para trás, eu tive como palavras muito sábias, porque é uma pessoa que eu admiro e tenho sempre em consideração e sempre que tenho dúvidas na minha carreira eu tento consultar que é o mister Paulo Sousa. Na altura em que tive com ele na Hungria ele deu-me a sua opinião, a conversar abordamos o final de carreira, e ele disse-me: “a paragem deve ser uma paragem o menor possível. Interromper, fazer um período de férias e começar novo projeto”. O meu processo foi totalmente oposto. O facto de eu ter ficado seis meses sem competir, deu-me muito tempo para refletir, para perceber o que eu queria no pós-futebol. Ou seja, todo aquele embate que todos os atletas têm, independentemente do patamar que o atleta possa jogar, isto é, algo comum a todos os profissionais, o final de carreira é algo que marca e deixa marcas. A uns mais a outros menos, dependendo da forma como entram no mercado de trabalho. E o facto de ter estado seis meses a refletir sobre isso deu-me a estabilidade e a certeza da decisão. Então quando decidi terminar carreira, não fiquei com portas abertas. Eu costumo dizer isso às pessoas mais próximas, porque há muita gente que me pergunta “não tens saudades de jogar?” e eu digo que não, honestamente. Eu tive essa prova. Passado seis meses de terminar a carreira, eu comecei a trabalhar com o Videoton novamente, e fui assistir a um jogo na Inglaterra, entre o Chelsea e o Videoton para a Liga Europa. Estava no estádio do Chelsea a assistir ao treino anterior ao jogo, e eu vi os meus ex-companheiros de equipa a preparem-se para o jogo e eu não senti a mínima vontade de estar lá dentro. Estava muito feliz por eles, porque qualquer jogador que jogue no Videoton tem por objetivo estar nestes palcos, mas, no entanto, eu não senti qualquer tipo de vontade de estar lá dentro a competir. Para mim foi o momento que eu entendi, “epá isto realmente acabou para mim”.

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    João Pedro Gonçalves
    João Pedro Gonçalveshttp://www.bolanarede.pt
    Quem conhece o João sabe que a bola já faz parte dele. A paixão pelo desporto levou-o até à Universidade do Minho para estudar Ciências da Comunicação. Tem o sonho de fazer jornalismo desportivo e viver todos os estádios.