
António Barbosa é treinador e esteve à conversa com o Bola na Rede. O técnico de 41 anos conta com vasta experiência nas segunda e terceira divisões nacionais e, nesta conversa, abordou o seu percurso como treinador e o que o futuro lhe reserva. Um exclusivo Bola na Rede.
«Quero estar ainda mais capaz e ainda mais pronto»
António Barbosa, treinador de futebol
Bola na Rede: António Barbosa, antes de mais obrigado pela disponibilidade para estar a falar conosco. Queria começar pela atualidade e perguntar-lhe quais são as expetativas do António para a época que está prestes a iniciar, visto que de momento ainda se encontra sem clube.
António Barbosa: É um gosto estar com vocês e partilhar do vosso crescimento. Relativamente a esta época, nesta fase férias, que também fazem falta. Apesar de a época passada do ponto de vista desportivo ter terminado cedo aproveitei para desenvolver outras competências e fundamentalmente ganhar mais conhecimentos e mais preparação para aquilo que é o meu trabalho como treinador. Mas dito isto a parte de desenvolver competências tem muito a haver com isso que é preparar a próxima oportunidade e quero estar ainda mais capaz e ainda mais pronto.
Bola na Rede: Olhando para o percurso do António, inicia na Escola de Futebol Fernando Pires, depois Vilaverdense e Trofense e o primeiro trabalho com uma equipa sénior foi ao serviço de uma equipa na distrital de Braga. Pergunto-lhe como foi esta transição do futebol de formação para o futebol sénior. Que dificuldades e diferenças sentiu?
António Barbosa: Realmente comecei na academia de futebol Fernando Pires, começámos muito de baixo, com muito orgulho e dedicação, muito gratos por termos tido essa oportunidade. Foram 15 anos que me dediquei completamente à formação. Criámos uma academia de futebol em Amares. E tive, por exemplo, quatro épocas consecutivas no Trofense no escalão de Iniciados. Nesse momento eu estudava e continuei a estudar e em 2013 eu desempreguei-me, foi o ano em que concluí o meu doutoramento e decidi que ia para o futebol profissional ou ia para o estrangeiro procurar outra atividade profissional que me desse uma vida diferente. Fiquei um ano e dois meses desempregado, não tive ofertas de emprego, elas não vêm quando nós queremos vêm quando vêm. Depois disso em 2014 comecei a trabalhar na Universidade da Guarda como professor, passado seis meses rescindi e fui trabalhar para essa oportunidade que surgiu. Um projeto, na altura, bastante inovador a nível mundial. E nessa transição as dificuldades que sentimos para além do tipo de liderança que é diferente aquilo que estávamos habituados na formação, apesar dos grupos terem sido todos muito próximos a forma como nos relacionamos com eles é muito mais no auxilio e um trabalho de gestão do grupo e de ajudar os jovens que muitos ainda estão à procura do seu caminho, saber estar, saber ser. É um projeto que trouxe muitas dificuldades. Foi um ano e seis meses em que estivemos num regime de internato durante seis dias os jogadores ficavam na academia e foi o ponto de maior desenvolvimento pessoal no que toca ao conhecimento do treino, conhecimento da gestão das pessoas, das dinâmicas. Toda a atividade junto com os jovens jogadores passava por mim, inclusive no treino e no desenvolvimento individual. E aí senti uma grande alegria, também aí conseguimos projetar vários jogadores para níveis nacionais, passar muitos jogadores que vinham da regional a jogar na terceira divisão nacional na altura. E nesse período de um anos e dois meses em que estive desempregado concorri para várias ofertas de emprego fui entrevistado para algumas e nesse momento surgiram várias oportunidades quando estava a trabalhar na distrital, e aí não era uma questão financeira mas mais de paixão e de amor, para trabalhar no estrangeiro nomeadamente para o médio oriente onde um mês de trabalho correspondia a um ano inteiro cá. Mas realmente houve uma grande paixão e devoção que me levou a ficar cá, ter possibilidade de trabalhar e projetar muitos jogadores, ganhar muitas competências naquilo que é o desenvolvimento do jogador. Subimos de divisão, projetámos jogadores, fomos a um play-off de 2.ª liga ainda nesse ano e depois permitiu-me passar para o projeto do Vilaverdense. Foi um ano de muito conhecimento e acima de tudo que me permitiu ganhar muitas competências no aspeto do relacionamento jogador-treinador.
«É de realçar que nós não éramos o maior orçamento nem pouco mais ou menos»
António Barbosa, treinador de futebol
Bola na Rede: Depois surge, então, o regresso ao Vilaverdense e talvez duas das melhores épocas da carreira do António até agora. Por duas vezes muito perto da subida de divisão num campeonato tão difícil como já referiu. Principalmente em 2017/2018 onde caem apenas para o Mafra que acabaria por vir a tornar-se campeão. Como foi regressar a casa e a experiência dessas duas temporadas no Vilaverdense?
António Barbosa: Foi fantástico! Será sempre um clube que tenho uma ligação forte porque joguei lá, treinei a formação. Depois porque é a terra de nascimento do meu pai e fui lá muitas vezes e do ponto de vista pessoal tenho muitas ligações. Do ponto de vista do jogo foi a oportunidade. Caraterísticas únicas, uma liderança muito diferente que dava espaço total para o treinador trabalhar, um conjunto de jogadores jovens que foram selecionados em equipas que não eram tão conhecidas na altura, e conseguimos competir com muita astúcia e engenho porque não era a situação económica que nos punha a ser a equipa mais forte. Tivemos uma liderança fortíssima do nosso presidente, no sentido de estar presente quando nós sentíamos que era necessário e dar muita estabilidade para trabalharmos. Uma ligação muito forte entre equipa técnica e plantel, e uma grande ambição por parte de todos os jogadores. Eu não sei se foi a melhor época, porque daí para a frente vieram épocas muito mais engenhosas naquilo que é a tarefa de ser treinador. Aí eu tinha a certeza de que conseguiria ser um bom treinador de campo, porque tudo à volta estava a ser salvaguardado pela direção. Tinha a proteção necessária para poder treinar e pôr uma equipa a jogar. Fomos uma vez o melhor ataque do país e outra o segundo melhor. Fomos a segunda melhor defesa, projetámos 11 jogadores para os campeonatos profissionais, houveram equipas que subiram de divisão e que não projetaram tantos jogadores. Acima de tudo tivemos uma dinâmica de vitória no Vilaverdense, eliminámos uma equipa da Primeira Liga como foi o caso do Boavista, depois o Vizela a jogar fora, fomos jogar a Alvalade contra o Sporting de Jorge Jesus. Foi realmente uma época muito boa com a estabilidade e tranquilidade que me foi dada para fazer o meu trabalho. Fruto da qualidade e da ambição dos jogadores jovens que tínhamos. Nesse ano caímos aos pés do Mafra no ano anterior ficámos em terceiro lugar com os mesmos pontos do segundo. E de realçar que nós não éramos o maior orçamento nem pouco mais ou menos. Éramos o underdog mas tínhamos muito orgulho e muita dedicação. Num dos anos ganhámos os jogos todos em casa e fomos a única equipa em Portugal que o fez. Foi uma grande equipa e que tive um prazer enorme em treinar.
Bola na Rede: Nessa mesma época de 2017/2018 tiveram um grande percurso na Taça de Portugal. Começam por eliminar o Bragança e o Esmoriz e depois Boavista, Vizela e chegam aos oitavos de final. Como foi a experiência de viajar até Alvalade para enfrentar o Sporting de Jorge Jesus, uma equipa que na altura tinha: Gelson, Bryan Ruiz, Doumbia e Acuña entre outros que ainda ficaram no banco.
António Barbosa: Nós começámos a sentir que todo aquele sonho, todo aquele investimento, todo aquele tempo a ver jogos, a viajar a abdicar de coisas para poder ser treinador, recusar salários, oportunidades de uma vida, se calhar valeu a pena só por aqueles 90 minutos. Às vezes na vida as coisas são colocadas para nós continuarmos a andar. Na altura houve um canal de televisão que quis fazer uma reportagem com a equipa e eu recusei porque sentia que podíamos ganhar o jogo. Sentia também por experiências passadas que tínhamos, como era uma equipa muito jovem, um contexto tão isolado, tão pouco conhecido e quando começou a haver muita influência externa a equipa desorientou-se. Então sentimos que era melhor não meter ninguém de fora no seio do grupo para nos orientarmos e vamos genuinamente tentar ganhar o jogo. Na altura foi uma decisão que não foi muito bem interpretada mas eu tinha de fazer aquilo que acreditava ser melhor para a minha equipa mais do que aquilo seria melhor a nível promocional, obviamente. O Bruno Fernandes e o Bas Dost ficaram no banco mas era uma equipa de grandíssimos jogadores. No jogo em si ao fim de 15 minutos as coisas equilibram-se e nós sentimos que temos uma oportunidade. Ainda com 0-0 há uma grande penalidade que fica claramente por assinalar, o árbitro ao intervalo disse-me. E desse lance surge um 1-0 para o Sporting. Depois quando nós quisemos subir 5 metros a velocidade a qualidade e a organização do Sporting criou um fosso e muitas dificuldades. Mas foi com grande orgulho que combatemos de forma organizada e valorizamos os nossos jogadores. Recordo-me perfeitamente que foram 1500 pessoas de Vila Verde a Alvalade para ver o jogo. Uma coisa fantástica. E acima de tudo criámos essa marca de união entre a equipa o clube e os adeptos. Quando uma equipa com menos faz mais, isso é ser português. E foi o que fomos.

Bola na Rede: Depois segue-se o período entre Trofense, Varzim, Sanjoanense, dá-se a estreia também do António na segunda liga e como já referiu foi um período se calhar mais atribulado. Ora os objetivos passavam por manutenção na segunda liga e depois na divisão inferior lutar pela subida. Dada a sua experiência em lutar tantas vezes nas duas pontas opostas da tabela, queria perguntar-lhe o que é que para o António como treinador é mais difícil: manter uma equipa na segunda liga ou alcançar a promoção na Liga 3?
António Barbosa: Para além disto tudo que agora é público, são clubes com salários em atraso, com muitos problemas internos. Se me perguntarem qual é que é o meu melhor trabalho, de longe que são as manutenções. Estar abaixo da linha de água sete pontos é muito difícil. Implica ganhar, ganhar e ganhar e não sair da linha de água porque os outros também jogam. E uma equipa que está sete pontos abaixo da linha de água é uma equipa que não vai ganhar muitas vezes três jogos seguidos. Nas duas ocasiões em que aconteceu éramos a quarta equipa técnica e isso diz muito daquilo que nós fizemos. Do ponto de vista do trabalho, do engenho, da necessidade de refletirmos, obviamente que quando estamos num momento de maior insucesso e o ambiente geral e a dinâmica são de insegurança e intranquilidade, nós temos de estar muito mais frescos e muito mais capazes de afastar aquilo que é irrelevante para atacar o fundamental. Temos de ter muito mais lucidez. Quando estamos a ganhar estamos mais convencidos de que é fácil quando na verdade também não é. Estamos a ganhar porque temos melhor condições, melhores plantéis, melhores jogadores. Obviamente que temos de estar organizados, se não a equipa não ganha. Quanto à Sanjoanense, não era inicialmente um projeto de subida mas conseguimos colocar-nos nesse patamar e ficamos a três pontos. Novamente um conjunto de jovens valorizados. Dos clubes mencionados nós temos o recorde de vendas ou de transferências de jogadores em cinco deles, em contextos extremamente difíceis. Isso só valoriza aquilo que fazemos mas valoriza também o contexto dos jovens que com grande humildade e boa capacidade de aprendizagem acabam por ter as grandes oportunidades e nós estamos cá para os lançar. Resumindo e respondendo à questão, penso que é muito mais difícil jogar para manter do que para subir de divisão, contudo, também sinto que do ponto de vista profissional somos muito menos valorizados. Se temos pior orçamento ou estrutura ou dificuldades na direção e em contratar e ficamos em 13.º não é valorizado mas se tivermos bom orçamento estabilidade e condições perfeitas para trabalhar e acabarmos em 3.º já é. São opções e são projetos. A nós cabe-nos trabalhar e dar o nosso melhor.
Bola na Rede: Na terceira divisão, o António já trabalhou no Trofense na Sanjoanense e na Vilaverdense já com o formato de Liga 3. Pergunto-lhe, como vê a evolução da competição, numa altura em que vemos cada vez mais jogadores a irem diretamente da Liga 3 para a Primeira Liga e jogos na fase final cada vez com mais competitividade e qualidade.
António Barbosa: É clara e significativa a evolução da Liga. Do ponto de vista promocional, todo o trabalho que a federação tem feito, meios de comunicação cada vez mais a perguntar e interessar-se pela prova. É uma liga extremamente promocional. Do ponto de vista desportivo noto uma grande diferença. Quando começámos há seis anos atrás era uma liga que era muito marcada por equipas mais velhas a média de idades era mais velha. Havia orçamentos muito dispares. Do ponto de vista do jogo em si, o facto de termos mais relvados, e jogadores mais jovens com a melhor qualidade da formação em Portugal, promove o jogo em ataque posicional, promove que as equipas joguem, que se exponham mais ao risco, que estejam mais abertas, e torna o jogo realmente mais agradável de ser visto do ponto de vista externo. E daí talvez tantos jogadores transitem da terceira liga para as competições profissionais. O jogo em si da terceira divisão é mais parecido com o da primeira do que com o da segunda. Na segunda liga é um jogo muito mais agressivo, muito mais faltas, muito mais contacto físico, muito mais intenso. Muito mais a jogar em busca do erro do adversário do que pela qualidade do jogo. Do ponto de vista da organização, das arbitragens, da introdução do VAR, que já houve na fase final e daquilo que são as condições dadas às equipas, elevou claramente de nível. Elevou o nível do jogo e o nível do espetáculo.

Bola na rede: Esta temporada o António teve oportunidade de regressar ao Vilaverdense, desta vez já sobre a tutela do grupo Lank. Em nove jogos conseguiram apenas uma vitória numa época que como referiu acabou bem mais cedo do que estava à espera. Pergunto-lhe se depois de uma análise e introspeção que certamente já terá feito, é possível chegar a uma conclusão acerca daquilo que correu menos bem e acabou por ditar a saída da equipa técnica?
António Barbosa: As dificuldades são públicas, há muita gente a falar delas. Eu não me vejo nesse papel. Nunca me vou queixar daquilo que os outros fizeram. E nunca vou expor aquilo que não tinha. Do ponto de vista pessoal e talvez por ser um clube ao qual estou tão emocionalmente ligado, a perspectiva de ir com tudo para ajudar e salvaguardar que conseguíssemos as promoções não foi uma perspectiva adequada para um treinador de futebol. E eu já sabia mais e melhor que isso e foi o grande erro que cometi. Às vezes queremos ajudar tudo aquilo que nos aparece pela frente e somos limitados pelas dificuldades. Espero que eles se consigam agora organizar e se consigam manter na terceira divisão. Percebermos que até à sexta jornada éramos a equipa com mais golos esperados e a quarta que menos consentia. O jogo e aquilo que são os indicadores do jogo não correspondiam com aquilo que era o lugar na tabela classificativa. Faz parte do jogo, queríamos fazer mais e melhor, mas fizemos o melhor que conseguíamos e podíamos. O erro teve mais a haver, do ponto de vista pessoal, com a questão de querer demasiadamente ajudar.
Bola na rede: Sei que os treinadores nunca gostam muito de individualizar, mas tendo em conta o plantel que teve à sua disposição este ano no Lank, se tivesse de escolher um jogador que acha que tem potencial para se afirmar como jogador de primeira liga, quem seria?
António Barbosa: Há bem pouco tempo em convite para um jornal eu realcei um jogador que era o capitão, André Soares, provavelmente o jogador mais virtuoso com quem já trabalhei. O crescimento que ele teve num contexto muito difícil, a capacidade que ele teve de crescer como capitão e líder. É um jogador de eleição para qualquer nível. Dos jovens, há jogadores com caraterísticas que podem realmente aparecer. O Gonçalo tem sido bastante falado, o Lénio pelas caraterísticas que tem e que são difíceis de encontrar num médio. O próprio Nor Maviram também tem caraterísticas bastante interessantes. Há um conjunto de jogadores que tiveram um grande choque, que é fazer aquilo que mais gostam num contexto de dificuldade, e quando ultrapassam isso com capacidade de ir sistematicamente à luta vão sempre ser valorizados. Qualquer jovem que vença estas dificuldades deve ser tido em conta e não só os mais jovens, os mais velhos também. O futebol não é idade nem é números.
«Se as oportunidades se vão alinhar ou não, pode demorar mais ou menos tempo, mas eu acredito muito que vão»
António Barbosa, treinador de futebol
Bola na Rede: A nível pessoal. o António enquanto treinador também de certeza que ambiciona chegar à Primeira Liga, é um passo que sente que está próximo?
António Barbosa: Sinto que é um passo que é muito possível. Também sei que se não tiver uma continuidade de oportunidades em contextos de estabilidade, seguramente que não vou lá chegar. Sinto que é um passo que estou preparado para dar. Independentemente do contexto onde estou tenho forçosamente de ser melhor treinador de campo e melhor gestor com a direção, com o corpo técnico, com os auxiliares, perceber cada vez mais de diferentes áreas. Se as oportunidades se vão alinhar ou não, pode demorar mais ou menos tempo, mas eu acredito muito que vão.
Bola na Rede: Apenas para terminar, tem se estado a jogar o Campeonato da Europa, pergunto como é que tem estado a acompanhar e qual é a avaliação que faz daquilo que tem sido a prestação da nossa seleção até agora?
António Barbosa: Felizmente, consegui acompanhar a nossa seleção, acho que a nossa seleção consegue reunir um conjunto de particularidades muito interessantes. O selecionador teve tido a arte e o engenho de pegar nos aspetos técnicos, criar uma dinâmica tática que valoriza a nossa equipa de acordo com o adversário. Temos a caraterística muito interessante de conseguir colocar até seis jogadores dentro da área adversária dependendo do resultado e das necessidades. Uma equipa que pode jogar por dentro, pode jogar por fora, pode jogar nos meio espaços, pode jogar dentro de área ou com remates de fora do Bruno Fernandes por exemplo. É uma seleção que se baseia num ataque posicional altamente organizado e com muita qualidade. E são jogadores fortíssimos naquilo que fazem.