«Portugal é um país fantástico, mas tive muitas dificuldades para reconhecerem o meu valor» – Entrevista Bola na Rede a Pedro Dias “Chiquinho”

Pedro Dias fez parte das camadas jovens do Sporting, onde partilhou balneário com jogadores como Luís Figo e Emílio Peixe. Conhecido por Chiquinho desde sempre, sofreu uma rotura do ligamento cruzado anterior, um momento que marcou o início do declínio da sua carreira enquanto jogador. No entanto, reencontrou o seu caminho no mundo do futebol, como treinador e mais tarde como diretor desportivo. Com experiências no Canadá e Nova Zelândia, Pedro Dias, de 51 anos, está atualmente no AmaZulu, da África do Sul.

Bola na Rede: Pedro Dias, antes de mais, gostava de lhe agradecer por ter aceite o nosso convite.

Pedro Dias: É um prazer estar aqui.

Bola na Rede: Estás no futebol há mais de 40 anos. Como é que surgiu essa paixão pelo desporto-rei?

Pedro Dias: Eu cresci na Bobadela, nos arredores de Lisboa, e desde cedo fui exposto pelo meu pai à paixão pelo futebol. Eu participava num jogo de solteiros e casados aos domingos de manhã e num certo dia, houve um senhor, o Francisco Amaro, que infelizmente já não está entre nós, que chegou a ser adjunto do Manuel Cajuda no Braga, levou-me ao clube Desportivo e Recreativo dos trabalhadores da Petrogal. Tinha dez anos e na semana a seguir, joguei e lembro-me perfeitamente que o meu primeiro jogo foi contra uma equipa de um bairro de Lisboa que era as Galinheiras. A partir daí, foram sempre todos os fins de semana ocupados, uma paixão imensa e onde fiz amigos para a vida.

Bola na Rede: Começaste no Petrogal, passaste pelo Sacavenense, mas chegas ao Sporting já como júnior. Que características tinhas e que qualidades identificavas no teu futebol já nessa idade?

Pedro Dias: Olhando para trás, eu convivi e treinei com jogadores absolutamente fantásticos. Quanto a mim, eu era um jogador rápido, um extremo-esquerdo à moda antiga, se assim se pode dizer. Eu cheguei a ter o Fernando Mendes como treinador no Sporting, que me colocou a jogar à direita e dizia-me: «Conheces o Chris Waddle?» O Chris Waddle era um jogador de pé esquerdo que jogava à direita, o que não era muito comum na altura. Hoje em dia, temos os jogadores de pé trocado e é uma coisa banalíssima. Naquela altura, confesso que me fazia um bocadinho de confusão porque eu nunca tinha visto isso. Eu era o extremo-esquerdo, sempre do lado esquerdo. Tinha também um conhecimento tático do jogo que me possibilitou aos treinadores colocarem-me a defesa-direito. Nunca mais me esqueço que joguei um jogo, a defesa-direito [risos]. Cheguei também a jogar a guarda-redes por duas vezes já como profissional, depois dos nossos guarda-redes terem sido expulsos.

Pedro Dias no Sporting
Fonte: Arquivo de Pedro Dias

Bola na Rede: Nessas duas temporadas como júnior no Sporting, acabas por partilhar balneário com jogadores como Luís Figo e Emílio Peixe. Recordas-te desses tempos? Que memórias guardas desses jogadores?

Pedro Dias: Eu tenho memórias fantásticas desses tempos. Referiste dois jogadores de categoria mundial. Infelizmente há um que já não está entre nós, que para mim era o melhor de todos, o João Oliveira Pinto. O João Oliveira Pinto era um jovem com imensa qualidade e tinha uma dimensão humana fantástica. Mais tarde, ele acabou por trabalhar no sindicato dos jogadores. Era alguém pelo qual nutria uma simpatia, uma amizade extrema, gostava muito dele e era alguém que me tocava profundamente pela sua humildade. O Figo, jogador do ano e jogador mundial do ano 2001, também era fantástico, penso que esteve no lugar certo e na hora certa e tornou-se um jogador de dimensão mundial. O Emílio Peixe era também um craque, não é por acaso que foi o melhor jogador do Mundial de 91 e fez uma carreira extraordinária.

Bola na Rede: Depois das épocas como júnior no Sporting, o clube renovou o teu contrato por mais quatro anos. Sentes que o Sporting acreditava muito em ti nesta altura?

Pedro Dias: Sinceramente, acho que não acreditavam muito. Eu não fiz uma grande carreira. Como digo muitas vezes, fiz uma carreira à medida do meu talento. Eu não era um predestinado, era um jogador regular onde os treinadores me viam como alguém em quem podiam confiar, mas limitado. Fui profissional durante 13 anos e o Sporting deu-me essa possibilidade, onde eu assinei um contrato primeiramente de dois anos, e mais tarde renovaram por mais dois anos. Tive o privilégio de ser treinado pelo Bobby Robson, pelo Carlos Queiroz a espaços, porque eu era visto no fim da época e depois era novamente emprestado. Fui emprestado ao Atlético CP, ao Lourinhanense, ao Torreense, Académica e Nacional da Madeira enquanto jogador do Sporting.

Bola na Rede: Chegaste a fazer um jogo pela equipa principal do Sporting. Recordas-te desse dia?

Pedro Dias: Claro que sim. Só fiz um, mas estou muito grato e feliz por tudo aquilo que fiz com o meu suor. Recordo com muita emoção, era um sonho. Lembro-me que, na altura, o Lima saiu e eu entrei. Hoje sou amigo do Lima e gosto muito dele. Atualmente, o meu trabalho é fazer com que os sonhos dos outros aconteçam.

Bola na Rede: Acabaste por te fixar no Nacional durante quatro temporadas. Foi o momento mais feliz e mais consistente da tua carreira ao nível profissional?

Pedro Dias: Eu diria que sim. O Nacional da Madeira surgiu porque o Professor Rui Mâncio era o treinador. Foram quatro épocas onde nem tudo correu bem, mas foi uma aprendizagem muito positiva e onde eu gostei muito de estar. Apesar disso, foi um momento onde, efetivamente, eu percebi que deveria ter feito mais e ter encarado a oportunidade de outra forma. O Nacional era um clube que estava em grande transição. Para tu perceberes, eu estive no estádio a pôr a primeira pedra do complexo da Choupana. Naquela altura, o Nacional era um clube muito diferente. Eu vi a diferença. Hoje o Nacional é um clube que tem uma dimensão fantástica.

Bola na Rede:  Acabas por experienciar uma descida de divisão na terceira temporada de Nacional que, na altura, relegou o clube para a segunda Divisão B. Enquanto elemento que faz parte de um plantel e que já tinha um carinho especial pelo clube, foi um dos momentos mais complicados da tua carreira? Como é que se vive uma descida de divisão?

Pedro Dias: Foi muito complicado. Custou muito ver um clube da dimensão do Nacional bater no fundo, digamos assim. Ver as pessoas e os adeptos bastante tristes, mas sempre pensei que no ano a seguir fossemos subir e subimos. Tivemos um ano onde o Professor José Moniz começou a temporada. Tínhamos jogadores fantásticos e aprendi muito naquele ano. O Jair Picerni veio do Brasil para nos subir e tínhamos um jogador connosco que era o Costinha que eu aprendi a admirar. Ele deu-me uma lição de vida muito grande que eu, hoje em dia, partilho com os nossos jogadores. O Costinha no fim dos treinos, ficava a correr e a fazer um trabalho individual sozinho. E nós, jogadores do plantel, na cabine do estádio dos Barreiros, começávamos a brincar com ele e a chamar-lhe isto e aquilo. A realidade é que o Costinha no fim da época foi para o Mónaco fruto do trabalho dele. E nós ficámos lá e o Costinha depois acaba por marcar golos ao Manchester United, joga na Seleção Nacional, conduz os carros que ele quer e a maioria de nós, teve muitas dificuldades. O Costinha é um senhor, um craque e fez a carreira dele a pulso.

Bola na Rede: Em relação ao Costinha que potencialidades é que já via no jogo dele?

Pedro Dias: O Costinha era um líder e um trabalhador incansável. Era um jogador que levava tudo a sério. Para ele, os jogos e os treinos eram autênticas finais e lembro-me de ele ser muito rígido com ele próprio e connosco, porque ele queria ganhar, ele queria subir e ele queria singrar. E nós, às vezes, estávamos noutra frequência e não percebíamos bem o porquê. Nós não tínhamos aquela mentalidade. Eu não a tinha. Para além da pessoa no campo, ele tinha um foco fantástico. Na altura eu tinha um Opel Kadett de 1981, amarelo, que só pegava a descer e ele, num certo dia, pediu-me o carro para ir buscar a esposa ao aeroporto e eu disse-lhe: «Costinha podes levar o meu carro, não há problema, mas deixa-o a descer» [risos]. Quase 10 anos depois, eu pedi-lhe ajuda para o Doutor Nélson Puga do Futebol Clube do Porto me ver. E, de facto, ele ajudou-me. Lembro-me que estava lá o Mourinho, o Pinto da Costa, o Jorge Costa, o Vítor Baía, todos. Eu estava lá devido à ajuda do Costinha, e agradeço-lhe muito por isso.

Pedro Dias e Costinha
Fonte: Arquivo de Pedro Dias

Bola na Rede: Depois do Nacional, acabas por rumar ao Portimonense, que é onde tens a tua primeira rutura do ligamento cruzado anterior e que te deixa de fora durante muito tempo. Foram tempos muito complicados?

Pedro Dias: Muito difíceis e é aí que eu vejo o lado mais negro da nossa profissão. Tu és um número, tu não contas, tu estás lá somente a gastar água e luz. E naquele tempo era diferente, a nossa mentalidade era diferente. Recordo-me que, naquela altura, o Facundo Quiroga do Sporting tinha tido a mesma lesão e foi operado na semana a seguir. Eu fui operado quase 2 meses depois. Nesses momentos de dificuldade, eu agarrei-me ao meu massagista, Senhor José Manuel Proença, que tenho uma dívida de gratidão muito grande. Foi ele que trabalhou comigo e era ele que puxava por mim. E comecei a perceber, que se calhar, a minha carreira não ia ser igual aquela que eu tinha idealizado. Ao fim de 4/5 meses joguei, mas não o deveria ter feito. Joguei porque tinha muita vontade e queria muito recuperar. Fomos a um torneio a Cabo Verde e eu não tinha contrato e pedi ao Senhor José Manuel para me deixar jogar porque queria renovar o contrato. Na altura, eu queria continuar no Portimonense e acabei por jogar no torneio, mas não estava bem. No final, não continuei no Portimonense e voltei para a Madeira, para o Ribeira Brava.

Bola na Rede: Que conselhos darias a um jogador de futebol que acaba por entrar nesse ciclo de lesões complicadas?

Pedro Dias: É um momento de grande introspeção. Se tu não és forte ou não tens apoio familiar, as coisas podem descambar. Como digo sempre, a escola é a número 1 e arrependo-me de não ter ido para a universidade. Eu concluí o 12.º ano e hoje em dia digo a todos os meus jogadores que a escola é obrigatório acabarem. Comecei a fazer cursos, inscrevi me no curso de treinador, no curso de diretor desportivo e comecei naquela altura a tentar estudar aquilo que eu podia. A vontade de ir para a universidade existia. Mas arranjava sempre desculpas para não continuar e por isso aconselho as pessoas a estudarem. O futebol não vai durar para sempre e mesmo sendo profissionais, tentem fazer paralelamente um curso de treinador ou mesmo outro que possam gostar.

Bola na Rede: A partir da lesão, a tua carreira acaba por sofrer uma curva descendente. Apesar de tudo, ainda sentias a alegria em jogar futebol?

Pedro Dias: No Ribeira Brava tive também muito tempo parado e apesar das pessoas me virem como um elemento positivo na equipa, sentia que não me queriam tanto no campo. E aí começa, efetivamente, o meu declínio enquanto jogador. No Câmara de Lobos, dada a pressão que tinha em jogar, o meu corpo era muito desequilibrado. Até porque nunca recuperei totalmente a minha musculatura devido à má recuperação da lesão no joelho direito. Daí que o declínio foi natural. Corri muitos clubes da Madeira. A minha alegria de jogar era muito grande, mas depois cheguei a um momento em que eu próprio me sentia a mais e sentia que o melhor era parar.

Bola na Rede: Olhando para trás, que retrospetiva fazes sobre a tua carreira no geral? Ficaste feliz ou sentias que podias ter dado algo mais, se não fossem as lesões?

Pedro Dias: Claramente. Eu poderia ter feito uma carreira totalmente diferente se não fossem as lesões, mas eu culpo-me a mim próprio. Eu culpo a minha mentalidade na altura. Eu não era suficientemente educado para levar a minha profissão a um patamar mais elevado. Eu era um jogador regular e estava feliz com isso. Era um erro da minha mentalidade. Hoje claramente todos os nossos jovens são muito melhores e mais preparados. Hoje temos o Geovany Quenda, o Lamine Yamal com 16/17 anos com um foco absolutamente fantástico.

Bola na Rede: Acabas a tua carreira no Estrela Calheta, como já tinhas referido, mas também é nesse clube que inicias uma nova jornada no futebol, mas desta vez fora do campo. Como é que foi a experiência de ser jogador e secretário técnico ao mesmo tempo?

Pedro Dias: Com 31 anos, aceitei a proposta do Presidente de então, para me tornar o Secretário Técnico do Estrela Calheta. A nossa equipa estava na terceira divisão. Eu ainda não estava preparado mentalmente para deixar de jogar e decidi continuar como jogador do clube, mas também ocupar a posição de secretário técnico. Na altura, o treinador era o professor David Gomes, com quem eu tive uma relação fantástica. Os meus colegas de equipa também eram extraordinários. Era eu que os contratava, fazia os pagamentos, arranjava os contratos e arranjava até mesmo casa para ficarem. Acabei por estar assim durante um ano e depois acabei em paz comigo mesmo.

Pedro Dias no Waterside Karori
Fonte: Arquivo de Pedro Dias

Bola na Rede: Mais tarde rumou ao Canadá. Como é que surgiu essa proposta como treinador e coordenador no Canadá?

Pedro Dias: Antes de ir para o Canadá fui delegado de informação médica ainda em Portugal. Num certo dia, recebi uma mensagem do Nuno Almeida, atual treinador do Damac da Arábia Saudita, e do Hugo Varela em que eles diziam «Toronto está à tua espera». Perante aquela mensagem, aceitei o convite e ainda hoje sou grato por terem mudado a minha vida. Eu nao conhecia ninguém em Toronto, e quando cheguei lá, tive um mês com o professor Fonte Santa no Benfica. Ir para Toronto em 2007 possibilitou-me conhecer, viajar, perceber outros contextos. Durante um ano liderei a equipa Benfica de Toronto e mais tarde fui para New Yorque, e trabalhei diretamente com o Nuno (Almeida) e com o Hugo (Varela) e fizemos um trabalho fantástico a todos os níveis. Eventualmente, o projeto do Benfica terminou e eu regressei novamente a Toronto. A partir daí, tornei-me diretor técnico desta vez no Sporting de Toronto e do Beira Mar que era uma equipa comunitária. Mais tarde, comecei a minha caminhada fora da comunidade portuguesa, como diretor técnico do York District, e como treinador provincial do Ontario. Tive o privilégio de treinar jogadores como o Jonathan David, que hoje joga no Lille, o Derek Cornelius, do Marselha, a Deanne Rose, do Leicester, o Lucas Dias, que ainda hoje é ligado ao Sporting e que foi o nosso primeiro jogador Sporting de Toronto a vir para Portugal. Posso dizer que o Sporting mudou a minha vida.

Bola na Rede: Apesar de todos esses anos, ainda chegou a ter uma experiência fora do Canadá, mas desta vez na Nova Zelândia, no Waterside Karori…

Pedro Dias: No Sporting eu cheguei a ser um dos sócios da academia e eu senti que, enquanto profissional, teria de ter outros desafios. Eu e a minha familía tomamos uma decisão e aceitei uma posição no Waterside Karori na Nova Zelândia. Eu ter ido para a Nova Zelândia abriu-me mais uma vez os horizontes da minha vida enquanto treinador, enquanto diretor técnico, mas principalmente enquanto homem, porque percebi que eles, ao fazerem as coisas à maneira deles, não estavam necessariamente errados. A forma como eles veem o futebol e tomam as decisões funciona muito bem para eles. Quando eu regresso ao Canadá, ao serviço do Vancouver Whitecaps por motivos familiares, eu já era um melhor profissional. O regresso para o Canadá e para o Vancouver Whitecaps foi algo muito desejado e foi algo que me possibilitou ver como é que um clube da MLS trabalhava. No clube, acabei por trabalhar com o treinador português Marc dos Santos e gostei muito.

Pedro Dias e Marc dos Santos
Fonte: Arquivo de Pedro Dias

Bola na Rede: Que diferença notou do futebol canadiano para o futebol português, em termos da qualidade de jovens, da competitividade das ligas, das infraestruturas e da projeção dos clubes?

Pedro Dias: Em termos de competição, o Canadá era muito fraco. Já está muito melhor. Em termos competitivos houve um salto fantástico e que possibilitou o crescimento dos jogadores canadianos. A realidade é que o jogador canadiano era muito bom até aos 13/14 anos, mas depois vinha a Portugal e a diferença de intensidade entre eles era enorme aos 16/17 anos. Depois tínhamos a questão do Inverno onde havia meses em que treinávamos em condições indoor como ginásios e campos de futsal. Isto para mim castrava muito a evolução do jogador. Com o aparecimento da Liga One e de projetos como o Valour e York, trouxeram outra dimensão e credibilização ao futebol do Canadá.

Bola na Rede: Fizeste parte do Sporting como jogador e treinador das camadas jovens. Que diferenças notas nos escalões de formação do Sporting de antigamente para o panorama atual?

Pedro Dias: Uma evolução brutal, a todos os níveis. Para teres ideia, o nosso treino era num pelado, num antigo pavilhão do Sporting. E quando nós treinávamos no relvado, era um acontecimento quase memorável. Hoje, os profissionais que estão no Sporting e que dirigem os jogadores nos diferentes departamentos são todos licenciados ou com mestrado. É uma diferença abismal e seguem conceitos metodológicos muito diferentes do que havia na minha altura. Hoje as coisas são feitas de maneira completamente diferente ao respeito pelo atleta, não quer dizer que na altura não houvesse, mas eram conceitos de treino completamente diferentes, pois as condições de trabalho também eram diferentes. Hoje o jogador no Sporting tem ginásio, tem um nutricionista, tem um fisiologista, tem um treinador-adjunto para trabalhar com ele individualmente. Há um compromisso totalmente diferente. Atualmente, os jogadores do Sporting, são profissionais aos 15 anos, o que é bom, mas é importante também não esquecer o processo da escola.

Bola na Rede: Em 2022 voltaste para Portugal depois de 15 anos no estrangeiro para ser treinador e coordenador dos sub-19 do Lourinhanense, onde já tinhas jogado. Surgiu uma oportunidade boa ou sentiste as saudades de Portugal?

Pedro Dias: A vontade de voltar a Portugal partiu da minha esposa, que é natural de Peniche, mas emigrou para o Canadá com nove anos. Na altura, eu trabalhava no Vancouver Whitecaps e negociei a minha rescisão com o clube em fevereiro de 2022 e no mês seguinte, regressei a Portugal. Quando cheguei a Portugal tinha um trabalho já alinhado, mas que não se proporcionou por várias razões. Confesso que ao fim de 15 anos fora de Portugal, esperava ter outro tipo de oportunidades dada a minha experiência e tudo aquilo que tinha feito no nosso país e no estrangeiro. Não tive. Uns meses mais tarde, surgiu um convite do Presidente do Sporting Lourinhanense, e humildemente aceitei o convite para ser treinador dos sub-19, diretor técnico e o vice-presidente do clube. Estou muito grato pela oportunidade que me deu.

Bola na Rede: Uns tempos depois voltas a sair de Portugal, mas desta vez em direção à Africa do Sul para ser diretor desportivo do AmaZulu…

Pedro Dias: Sim. Em dezembro de 2022, pedi a demissão do Lourinhanense por questões familiares. Fiz um curso de Marketing que me deu a possibilidade de trabalhar com ferramentas como o Canva e que, hoje em dia, uso para apresentações no clube.  Em maio de 2023, fui aceite para ser o diretor técnico da Federação do Quirguistão, mas por razões da federação, não se efetuou. Mais tarde, candidatei-me então para o AmaZulu. Fui convocado para duas entrevistas, fiz testes psicotécnicos que nunca tinha feito na minha vida e fui aceite no clube. A decisão de sair de Portugal foi por necessidade de ter um salário para fazer face às minhas necessidades e às da minha família. Portugal é um país fantástico, mas eu tive muitas dificuldades em reconhecerem o meu valor e aqui estou eu, na África do Sul, onde com um e-mail, fui aceite e me deram um contrato de cinco épocas desportivas.

Apresentação de Pedro Dias no AmaZulu
Fonte: AmaZulu

Bola na Rede: Que funções exerce enquanto diretor desportivo do AmaZulu?

Pedro Dias: Eu sou o seu diretor de futebol de todos os escalões do clube. Sou eu que tomo conta do futebol de formação dos sub 13 aos sub19, da equipa de reservas e da primeira equipa. No mercado de janeiro estivemos bastante ativos a planificar os próximos cinco meses, os dossiês dos jogadores emprestados, possíveis contratações e também já a planificar a próxima temporada. O meu trabalho passa também pela gestão do plantel, a gestão dos jogadores e treinadores e de pensar a filosofia e metodologia da equipa de reservas e do futebol de formação. Temos cerca de 200 jogadores, dos sub 13 aos sub 19 e uma equipa de reservas, que é o ano zero para a equipa principal, onde temos cerca de 30 jovens a jogar. A todos esses jogadores abordamos questões ligadas à alimentação, educação e posso-te confessar que, por exemplo, há pouco tempo tivemos um workshop sobre o dopping para a equipa principal. A minha função acaba por ser muito vasta. Gosto muito do meu trabalho porque permite-me tocar vidas, permite-me ir a escolas, permite me oferecer oportunidades às pessoas e sinto que aqui, ainda podemos fazer a diferença.

Bola na Rede: Trouxe os dirigentes do AmaZulu para encontros com as com as academias do Benfica, Sporting e SC Braga. O objetivo foi beber um pouco do que se tem feito de tão bom no futebol português?

Pedro Dias: Claramente. Para além desses clubes, tivemos no Alverca, no Torreense, no Racing Power e Villarreal, de Espanha. Nós temos um défice de infraestruturas aqui no AmaZulu e a minha tentativa foi de influenciá-los e de mostrar que este é o caminho que nós temos de seguir. Felizmente, estou a conseguir e temos já terrenos identificados para fazermos a nossa futura academia. Ao levar essas pessoas que tomam as decisões no clube a Portugal e a Espanha, deu-me a mim a possibilidade de tentar inspirar a nossa comunidade.

Bola na Rede: Consideras que a falta de infraestruturas é o principal entrave ao crescimento do futebol africano e um dos motivos pelos quais ainda não conseguiu afirmar-se como uma verdadeira potência no futebol mundial? Ou achas que ainda há outros aspetos a evoluir para dar esse passo em frente?

Pedro Dias: Há muito talento, mas também há muita evolução pela frente. Os nossos jovens são autênticos diamantes por lapidar. Há muitos desafios, tais como as infraestruturas, as condições onde as crianças vivem, a própria alimentação. Felizmente, há clubes que têm os chamados «clubhouses», onde albergam os jogadores que possam estar em situações de grande dificuldade social.  No geral, a competição não é a melhor em termos nacionais, há um campeonato de reservas que é uma boa tentativa, mas sofre de alguns desafios como o facto de nenhum clube poder subir ou descer. Quanto à Primeira Liga da África do Sul, na minha opinião, há um grande conflito de interesses. A Liga não é transparente porque os donos dos clubes fazem parte do Comité da Liga. Os clubes vivem muito da capacidade de um dono e para mim não é sustentável a longo prazo. O modelo de negócio terá de evoluir e sofrer profundas alterações.

Bola na Rede: Sentes que os problemas que a Liga da África do Sul sofre são semelhantes aos da Arábia Saudita em relação aos investimentos em determinadas equipas?

Pedro Dias: De maneira nenhuma. Era um sonho ter oportunidade de ter esse tipo de moldura para trabalharmos. A Arábia Saudita é um mundo totalmente à parte, onde o tal fundo apoia determinados clubes. O Governo na África do Sul não, não temos se quer qualquer tipo de apoio da Câmara Municipal de Durban, por exemplo. A Arábia Saudita é um fenómeno onde eles têm muito dinheiro e onde estão a contratar profissionais de topo para criar as condições necessárias para que, no futuro, o jogador da Arábia Saudita seja um jogador talentoso. Nós aqui temos jogadores talentosos, mas não temos capacidades financeiras para os manter aqui. Atualmente, jogamos num estádio municipal de Durban, mas que não é nosso. Nós pagamos renda para jogar neste estádio que foi feito para o Mundial de 2010, mas que não é do AmaZulu. Os clubes pagam para jogar nestes estádios. Há uma falta de apoio muito grande.

Bola na rede: O futuro passa por continuar a ser dirigente ou gostaria de um dia voltar a ser treinador?

Pedro Dias: Não. Claramente eu quero continuar a ser o diretor desportivo ou diretor técnico. Quero continuar a ser o pensador do clube. É esta a minha paixão e é onde eu me identifico. O facto de ter sido treinador foi muito bom para ganhar valências e perceber o contexto de uma equipa e de um clube de futebol, mas hoje em dia, gosto muito de pensar na estratégia e na gestão que um clube faz.

Pedro Dias no AmaZulu
Fonte: Arquivo de Pedro Dias

Bola na Rede: Para terminar, depois de tantos anos no mundo do futebol, como é que descreve o impacto que o futebol teve e tem atualmente na sua vida?

Pedro Dias: O futebol deu-me tudo, o futebol deu-me os meus filhos, o futebol deu-me amigos, o futebol deu-me a oportunidade de conhecer pessoas e de ver outras formas de trabalhar. Hoje, com 51 anos, sinto-me perfeitamente preparado para trabalhar, seja na Namíbia, seja na África do Sul, seja, em Portugal. E porquê? Porque o futebol deu-me essa capacidade de ver os desafios, perceber as oportunidades e trabalhar à volta disso. Ainda tenho muito para conhecer e para aprender, e por isso, vou continuar a trabalhar onde me sinta bem e onde me queiram. Para além disso, tenho de sentir que o meu trabalho está a ter impacto, porque na realidade, não é o dinheiro que motiva, mas sim, a minha satisfação profissional.

Bola na Rede: Gostaria de lhe agradecer por ter dado esta entrevista e por nos dar a conhecer o seu trajeto no mundo do futebol.

Pedro Dias: Eu é que agradeço. Foi um prazer.

Sabe Mais!

Sabe mais sobre o nosso projeto e segue-nos no Whatsapp!

O Bola na Rede é um órgão de comunicação social de Desporto, vencedor do prémio CNID de 2023 para melhor jornal online do ano. Nasceu há mais de uma década, na Escola Superior de Comunicação Social. Desde então, procura ser uma referência na área do jornalismo desportivo e de dar a melhor informação e opinião sobre desporto nacional e internacional. Queremos também fazer cobertura de jogos e eventos desportivos em Portugal continental, Açores e Madeira.

Podes saber tudo sobre a atualidade desportiva com os nossos artigos de Atualidade e não te esqueças de subscrever as notificações! Além destes conteúdos, avançámos também com introdução da área multimídia BOLA NA REDE TV, no Youtube, e de podcasts. Além destes diretos, temos também muita informação através das nossas redes sociais e outros tipos de conteúdo:

  • Entrevistas BnR - Entrevistas às mais variadas personalidades do Desporto.
  • Futebol - Artigos de opinião sobre Futebol.
  • Modalidades - Artigos de opinião sobre Modalidades.
  • Tribuna VIP - Artigos de opinião especializados escritos por treinadores de futebol e comentadores de desporto.

Se quiseres saber mais sobre o projeto, dar uma sugestão ou até enviar a tua candidatura, envia-nos um e-mail para [email protected]. Desta forma, a bola está do teu lado e nós contamos contigo!

Rodrigo Lima
Rodrigo Limahttp://www.bolanarede.pt
Rodrigo é licenciado em Ciências da Comunicação e trabalha atualmente na área do jornalismo desportivo. Apaixonado pelo mundo do desporto, tem no futebol a sua principal área de interesse e análise.

Subscreve!

Artigos Populares

Luis Enrique guiou PSG à 1ª Champions League na história: «Havia demasiada pressão em torno de uma cidade que ainda não tinha ganho a...

Luis Enrique analisou a vitória do PSG na final da Champions League, conta o Inter Milão, num encontro que se realizou este sábado.

Benfica vence Braga no primeiro jogo da meia final da Liga de Futsal

O Benfica foi ao Minho vencer o Braga por cinco bolas a zero, no primeiro jogo da meia final da Liga de Futsal.

Simone Inzaghi e descalabro na final da Champions League: «Não apaga o que fizemos»

Simone Inzaghi analisou a vitória do PSG na final da Champions League, conta o Inter Milão, num encontro que se realizou este sábado.

Gonçalo Ramos: «Estamos a tentar perceber como se festeja um momento destes»

Jogador já reagiu à conquista do PSG na final da Champions League, depois de ter batido o Inter Milão na noite deste sábado.

PUB

Mais Artigos Populares

1ª edição da “nova” Champions League terminou com vitória do 15º classificado, o PSG, na fase de Liga

O PSG terminou a fase de liga no 15.º lugar, ainda em janeiro. Quatro meses depois, os parisienses são campeões.

Do FC Porto para Vitinha e do Spoting para Nuno Mendes: as mensagens aos vencedores da Champions League pelo PSG.

O FC Porto e o Sporting já reagiram à conquista do PSG na final da Champions League, depois de ter batido o Inter Milão na noite deste sábado.

O momento histórico em que os jogadores do PSG ergueram o troféu da Champions League

O PSG é campeão da Champions League pela primeira vez na história. Jogadores ergueram o troféu.