«Se fosse hoje, não ia para o SL Benfica» – Entrevista BnR com Fernando Mendes

Nascido e criado no Montijo, Fernando Manuel Antunes Mendes mudou-se para Alvalade ainda menino e moço, onde se fez jogador. De discurso franco e contagiante, revisitou com o Bola na Rede uma carreira longa e recheada de peripécias dignas da Divina Comédia: no Benfica viveu o Inferno, no Belenenses passou pelo Purgatório e acabou no Paraíso das Antas, sem esquecer a raça boavisteira. Na Amadora não teve a Estrela que viria a encontrar num Setúbal liderado por Jesus, a quem tece rasgados elogios.    

– A bênção do king, a infância sacrificada e uma controversa ascensão –

“No futebol, a sorte de uns é o azar de outros”

BnR: Antes de iniciarmos a entrevista, quero agradecer-te por teres aceitado o nosso convite, Fernandes Mendes.

Fernando Mendes: [risos] Quando assinei pelo Benfica, o grande King, o grande Eusébio, não sabia bem o meu nome e chamava-me Fernandes Mendes. Era uma forma carinhosa de me tratar da parte dele.

BnR: “Até que enfim que o Benfica tem um grande extremo-esquerdo!”, disse-te Eusébio quando te viu jogar pela primeira vez. Se é verdade que te afirmaste como lateral, não é menos verdade que, naquele campo ao pé de casa da tua mãe e nos jogos pelo Cancela, jogavas a extremo, até o pai do Futre te atirar para a defesa.

Fernando Mendes: Exatamente! Quando era miúdo, havia aqui aqueles pequenos torneios entre o meu bairro – onde eu cresci e no qual a minha mãe continua a morar – e os outros à volta e fazíamos uma série de jogos naqueles “campitos” de areia com balizas feitas de calhaus grandes no chão, que era o que havia… E que faz falta hoje em dia, sabes? Perdeu-se aquele típico jogador de rua; havia muitos jogadores aqui [no Montijo], sobretudo nos anos 80… A Margem Sul era um alimentador de jogadores para as camadas jovens do Benfica, do Sporting, do Belenenses… E eu jogava a extremo-esquerdo, até que com dez ou onze anos comecei a jogar nessa equipa do Cancela e o pai do Futre pôs-me para trás. Eu era rápido, mas como extremo tinha mais dificuldade. Normalmente, nessa posição está-se mais marcado do que os laterais, levas com um jogador praticamente em cima, e ele pôs-me para trás e a partir daí fiz a minha carreira toda como lateral-esquerdo.

BnR: Naquelas coincidências que os deuses do futebol gostam de idealizar, nasces poucos meses depois do Mundial de 1966, competição na qual Eusébio se destacou com 9 golos. Natural do Montijo, mudas-te para o lar do jogador do antigo Estádio de Alvalade ainda adolescente. Para além do sonho, o que levaste contigo?

Fernando Mendes: Repara: na altura, não era uma situação fácil. Tive de abdicar de muitas coisas, porque antigamente havia uma dificuldade que atualmente não existe. Fui obrigado a deixar de estudar muito cedo [até surgir a opção de ir viver para o centro de estágio do Sporting]. Posso dizer-te que apanhava o barco das quatro horas no Montijo e acabava as aulas às três e meia; ia a correr da escola até ao terminal, porque a distância entre eles são para aí uns quatro quilómetros, e só havia barco de hora a hora ou de hora e meia em hora e meia. A viagem demorava uma hora e vinte – e eu miúdo, com 13 anos -, mas não acabava aí: o barco atracava no Terreiro do Paço e tinha de ir a correr até ao Rossio, para apanhar o metro até Entrecampos e de lá ia a correr até ao Estádio de Alvalade. Recordo-me que na primeira experiência que tive como miúdo nessa rotina fui logo assaltado. 

BnR: Deixa-me adivinhar: roubaram-te um fio de ouro com um dentinho?

Fernando Mendes: Com o meu primeiro dente! Antigamente fazia-se muito isso: punha-se o primeiro dente a cair num fiozinho. Aconteceu-me isto na primeira vez que fui sozinho. Depois andei uma série de três ou quatro anos até haver a opção de ficar a viver no lar do jogador. Mas também estive lá pouco tempo, porque passados uns meses, quando comecei a treinar com os seniores, fui viver para a Quinta do Lambert com o Litos.

BnR: Antes da mudança para Lisboa, chegaste a dormir no cais quando perdias o último barco.

Fernando Mendes: Acontecia muitas vezes! O último barco era às dez horas – a alternativa era ir pelo Barreiro, mas ainda era mais longe! – e aconteceu umas quinze ou vinte vezes. E quando conseguia apanhar, chegava a casa tardíssimo. Havia outra dificuldade: muitas vezes também fiquei em Lisboa por causa do nevoeiro; o barco não arrancava enquanto não houvesse visibilidade suficiente e o meu pai também não conseguia atravessar a ponte para vir buscar-me.

BnR: Voltando ao velhinho Alvalade, pode dizer-se que estavas no lugar certo na hora certa quando o Romeu se lesionou?

Fernando Mendes: Antes de responder, deixa-me dizer que tenho uma relação fantástica com o Romeu, um ser humano fantástico! Não o desejo a ninguém, mas no futebol o azar de uns é a sorte de outros. Tive a felicidade de, quando subi a sénior, – o Romeu [que era o dono do lugar de lateral-esquerdo] teve uma lombalgia – o Manuel José me ter dado uma oportunidade, que agarrei.

BnR: Mas lembras-te do porquê de estares na bancada a assistir ao treino dos seniores quando isso aconteceu…

Fernando Mendes: Lembro-me. Fui suspenso dos juniores por um desaguisado com uma pessoa por quem também tenho um carinho enorme, o mister Fernando Tomé… Eu tinha o meu feitio… Foram duas situações seguidas: numa tive culpa e fiquei mesmo chateado – foi num jogo de juniores frente ao Vitória FC e quando fui substituído, pouco depois do intervalo, despi a camisola e mandei-a para o chão -, mas na outra não tive intenção, porque o que aconteceu, e foi aqui que começaram a surgir alguns problemas, foi que quando fui substituído – estávamos empatados ou a perder 1-0 -, para sair rápido de campo peguei na braçadeira e, para dá-la mais depressa ao meu colega, mandei-a e caiu no chão. Aquilo foi uma confusão tremenda, porque as pessoas pensavam que ainda tinha a ver com que se passara no jogo anterior. Acabou por ser a minha sorte, ter sido suspenso, porque foram tantas seguidas: foram essas duas, mais alguns problemas devido ao meu feitio – muitas delas com o diretor do departamento de futebol, o senhor Petronilho, e com o senhor Ferrão. Acabei por ter sorte, como estás a dizer, por estar a ver um treino da equipa A e faltar um jogador. A partir daí, comecei a treinar com a equipa principal e estreei-me, curiosamente, contra o Setúbal, frente ao qual tinha tido aquele problema nos juniores. Vencemos e o treinador já era o Pedro Gomes, que substituiu o Toshack.

Fonte: Facebook Fernando Mendes

Sabe Mais!

Sabe mais sobre o nosso projeto e segue-nos no Whatsapp!

O Bola na Rede é um órgão de comunicação social de Desporto, vencedor do prémio CNID de 2023 para melhor jornal online do ano. Nasceu há mais de uma década, na Escola Superior de Comunicação Social. Desde então, procura ser uma referência na área do jornalismo desportivo e de dar a melhor informação e opinião sobre desporto nacional e internacional. Queremos também fazer cobertura de jogos e eventos desportivos em Portugal continental, Açores e Madeira.

Podes saber tudo sobre a atualidade desportiva com os nossos artigos de Atualidade e não te esqueças de subscrever as notificações! Além destes conteúdos, avançámos também com introdução da área multimídia BOLA NA REDE TV, no Youtube, e de podcasts. Além destes diretos, temos também muita informação através das nossas redes sociais e outros tipos de conteúdo:

  • Entrevistas BnR - Entrevistas às mais variadas personalidades do Desporto.
  • Futebol - Artigos de opinião sobre Futebol.
  • Modalidades - Artigos de opinião sobre Modalidades.
  • Tribuna VIP - Artigos de opinião especializados escritos por treinadores de futebol e comentadores de desporto.

Se quiseres saber mais sobre o projeto, dar uma sugestão ou até enviar a tua candidatura, envia-nos um e-mail para [email protected]. Desta forma, a bola está do teu lado e nós contamos contigo!

Miguel Ferreira de Araújo
Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

Subscreve!

Artigos Populares

Já há data para as eleições do Benfica

Já está definida a data das próximas eleições do Benfica. Os encarnados vão a votos no dia 25 de outubro de 2025.

Fenerbahçe de José Mourinho oferece cerca de 15 milhões de euros anuais a estrela do Bayern Munique

O Fenerbahçe ofereceu quase 15 milhões de euros anuais para garantir a contratação sonantes de Leroy Sané, que está em final de contrato com o Bayern Munique.

Nélson Semedo mais longe de voltar ao Benfica

O futuro de Nélson Semedo está mais distante do Benfica. O lateral português deve rumar a outras paragens neste verão.

Colômbia empata com Peru e Venezuela ganha ímpeto na qualificação da América do Sul para o Mundial 2026

Colômbia e Peru empataram a zero, na 15.ª jornada da fase de qualificação para o Mundial 2026. Já a Venezuela ganhou 2-0 à Bolívia.

PUB

Mais Artigos Populares

Presidente do Estrela da Amadora apresenta modelo inovador para a Supertaça de Portugal

O presidente do Estrela da Amadora acredita que a Supertaça de Portugal deveria mudar de formato em breve.

Assembleia Geral do Benfica já começou

Está a realizar-se durante este sábado uma Assembleia Geral do Benfica, que tem apenas um ponto na ordem de trabalhos.

Benfica disposto a chegar aos 25 milhões de euros por João Félix

O Benfica está interessado em garantir a contratação de João Félix durante o verão. O jogador pertence aos quadros do Chelsea.