«Tive a sorte ou o azar de ser apaixonado por uma profissão que é de loucos» – Entrevista BnR com João Mota

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    No Brasil assentou praça, na Jordânia deixou saudades e no Kuwait vai em busca de novas conquistas – não apenas as umbilicalmente ligadas ao levantar de troféus. A dispersão geográfica contrapõe a centralidade da bola: “a bola é o centro de tudo”. O Al Tadhamon, recém-promovido à Primeira Divisão, é o novo degrau na carreira de João Mota, feita de subidas a pulso e de futebol de alta pulsação. Aos 57 anos, vontade de ganhar permanece intacta, ainda que defenda – fiel seguidor dos ideais bielsanos – que se aprende mais quando se perde. A não perder é a entrevista que se segue, na qual vem à flor das palavras a filosofia que João Mota coloca à flor da relva.

    “OS JOVENS PORTUGUESES JÁ SABEM TUDO DE TÁTICA, O PROBLEMA CONTINUA NA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS».

    João Mota, treinador de Futebol

    Bola na Rede: Olá, mister João Mota! Depois de Miguel Leal, o Al Tadhamon optou pela sua contratação. Sente que o treinador português neste momento está muito bem cotado?

    João Mota: O treinador português está cotado em qualquer parte do mundo. Nós somos muito fortes, especialmente na vertente técnico-tática, no entendimento do jogo. Temos uma forma de ver e estudar o futebol muito interessante. Para mim, o Mourinho deu uma alavanca muito grande, hoje os jovens portugueses já sabem tudo de tática. O problema continua realmente é na gestão de recursos humanos, na parte de gerir conflitos, no gerenciar, delegar competências. Mas a nossa escola está muito bem visível e conceituada.

    Bola na Rede: Depois de ter trabalhado na Jordânia, este convite para trabalhar no Kuwait é prova de que deixou o seu cunho no futebol dessa região?

    João Mota: Eu acredito que sim. Nós costumamos dizer que vivemos de títulos e de conquistas, mas por onde tenho passado tenho deixado um bom futebol e acredito que isso tenha pesado na balança. Espero que consiga chegar a níveis de maior dimensão, mas nesta região tenho um certo nome, as pessoas têm respeito pelo meu trabalho e isso é sempre fruto daquilo que fizemos no passado. Tenho de continuar a acreditar na minha forma de jogar e de ver o jogo, com um futebol atrativo e intenso. As pessoas vão reconhecendo e o boca a boca também é importante. Graças a Deus tenho sido sempre uma porta aberta.

    Bola na Rede: Acredita que neste desafio lhe vão dar condições necessárias para fazer um bom trabalho, num clube que subiu agora para a Primeira Divisão? O clube vai ter a paciência necessária para que implemente o seu futebol?

    João Mota: Será sempre difícil. Na Arábia Saudita aconteceu-me isso também e na Jordânia, as pessoas diziam-me: “Ah, isso é muito bonito, mas aqui os jogadores…“, mas depois a coisa deu certo. Depois já me chamavam o Mota Guardiola. Vai acontecer-me o mesmo aqui no Kuwait. Vão dizer-me que temos de jogar em contra-ataque e defender bem, mas essa não é a minha forma de estar no futebol. É óbvio que eu vou dizer que sim, mas vou fazer aquilo em que acredito, que é jogar olho no olho. É óbvio que não somos malucos ao ponto de não conhecermos o adversário e sabermos que têm qualidades individuais muito superiores, mas isso não impede que sejamos atrevidos e tenhamos a bola. Para mim, a bola é o centro de tudo e a minha equipa pode não lutar pelo título, mas a bola tem de ser nossa e temos de tentar ter bola de uma forma ou de outra. Se não for em construção, que seja lá na frente, ganhar uma segunda bola muito agressivamente e tentar ter bola sempre lá na frente. Sempre sendo 100% agressivos e a lutar para ganhar, não sei jogar de outra forma. Até porque se me pedirem para lutar para não descer de divisão nem me cai no goto, isso não vai ser possível para mim. Eu sei que não vou ter uma estrutura para ser campeão, mas vou lutar para andar ali nos cinco primeiros lugares.

    João Mota Al Tadhamon
    Fonte: Al Tadhamon

    Bola na Rede: E, do que conhece do Kuwait, há capacidade de interpretação dessa forma de estar no futebol?

    João Mota: Eu conheço os kuwaitianos e são jogadores bons tecnicamente. Vou ter o mesmo problema que tenho em todo o lado, que é a compreensão do jogo. O facto de ter uma pré-temporada pode ajudar-me a fazê-los entender, com muito vídeo, muita explicação e depois aplicação no campo da parte tática, do entendimento do que nós queremos, porque fazemos, como e quando fazemos. Isso tem de ser muito trabalhado e a pré-temporada vai ser muito importante para isso. Depois é o tempo e eles acreditarem que aquilo dá resultado. De uma coisa eu tenho a certeza: da forma como eu trabalho, como eu jogo e como eu treino todo o jogador profissional gosta. Isso dá-me alguma vantagem.

    Bola na Rede: E o mister tem garantia de que o plantel vai ter jogadores dessa craveira intelectual, digamos? Lembro que era um plantel de Segunda Divisão…

    João Mota: O plantel vai ser renovado. Alguns jogadores têm qualidade, mas ainda só pelo vídeo. Dos cinco estrangeiros só tive conhecimento de um, que foi o ponta-de-lança, um jogador africano, do Chad, muito rápido, bom jogador. Dos outros não tenho conhecimento ainda. Vi alguns jogos do ano passado, em que a defesa ficava toda. Pelo menos deu para ver como a defesa estava organizada e tem uma boa organização. Estava lá um treinador português, isso também conta. Agora é do meio para trás continuarmos organizados e do meio para a frente criar dinâmicas e criar uma mentalidade que seja para ganhar. É trabalho, já sei que vou ter muito trabalho. Não vou encontrar grandes craques da bola, mas o importante, acima de tudo, será a coesão do grupo. Temos o estágio no Egito e temos de criar uma união forte. Mesmo que não sejamos muito bons tecnicamente, se tivermos um grupo unido pode ser uma mais valia.

    Bola na Rede: O clube ter tido um treinador português na temporada anterior pode ajudar, de parte a parte?

    João Mota: Eu acredito que sim. Não sei se a forma de trabalhar do Miguel Leal é a mesma, mas sei que pelo menos era uma equipa organizada e a organização vai continuar. Depois é colocar o meu cunho pessoal. Ele fez um excelente trabalho, sem dúvida. Agora é continuar esse trabalho, agora num nível mais alto, e temos de ser mais fortes. Vamos ver.

    Bola na Rede: A capacidade de união de que falava pode ser importante num campeonato que, em princípio, é equilibrado?

    João Mota: Eu conheço algumas equipas do Kuwait e há quatro que fazem a diferença. Se conseguirmos andar ali no quinto, sexto lugar. Se eu não conseguir… Primeiro, quero ganhar alguns jogos aos grandes. São os jogos piores, é lógico, mas é possível conseguirmos um ou dois jogos com um resultado fora do normal. Depois, é olho no olho com toda a gente. Eu acredito que sim. Eu não consigo andar cá em baixo, a minha equipa tem de ter uma ambição das grandes, mesmo que me digam que não é uma equipa muito boa. Só se fosse mesmo muito, muito fraquinha e eu sei que não é, porque já vi a equipa jogar e sei que não é. Por isso, acredito que vamos andar lá em cima, não em primeiro ou segundo, mas ali nos cinco primeiros eu quero andar.

    Bola na Rede: E do que tem falado com a estrutura do clube o objetivo interno é esse?

    João Mota: O presidente quer investir este ano e parece-me que vou apanhar uma equipa com uma média de idades alta. Isso para mim é positivo, porque dá-me alguma experiência. Mas ver se depois consigo ter ali alguns jovens. Eu costumo dizer que a experiência ganha campeonatos e os jovens ganham jogos. Qualquer equipa que seja forte tem sempre jogadores experientes. Acho que a experiência pode ser importante para nós, na forma de encararmos os jogos, não tremer, ter a capacidade de guardar a bola, controlar os ritmos do jogo. Ali nos 30 anos é o auge da carreira de um jogador e isso é importante para nós.

    Bola na Rede: Olhando para as outras condicionantes, as extra-futebol, digamos, acredita que há condições para desenvolver um bom trabalho?

    João Mota: Eu falei com o Miguel Leal e ele disse-me que é um clube que tem condições normais de trabalho. Não é nada de extraordinário, mas são condições normais. O país é muito bom, eu nunca trabalhei no Kuwait, mas o Marco Delgado, meu adjunto, já trabalhou cá e é um país muito bom para se viver. Muito quente, mas… As condições de trabalho são as normais, pagam o que devem e é um clube não muito grande, mas com condições para fazer algumas coisas engraçadas, vamos ver.

    Bola na Rede: E se essas coisas engraçadas acabarem por ser mesmo muito engraçadas?

    João Mota: Pois, o objetivo é que as coisas sejam mesmo muito engraçadas para depois, no mesmo país ou noutro, ter voos maiores.

    Bola na Rede: E se lá para meio da época estiver a correr mesmo bem e estiverem nos primeiros dois classificados, por exemplo, o objetivo de época vai manter-se?

    João Mota: Conhecendo a mentalidade árabe como eu conheço, se andarem ali em cima nos primeiros dois lugares já querem ser campeões. Mesmo estando no início do campeonato. Depois cabe-nos baixar a bola, porque é complicado. Mesmo em termos de arbitragem. O presidente do Kuwait Club é o presidente da Federação, é uma coisa assim…

    «NÓS DEVEMOS MUITO AO MOURINHO, ABRIU PORTAS AOS PORTUGUESES. E EU TAMBÉM ABRIR PORTAS PARA COLEGAS NOSSOS ENTRAREM»

    João Mota, treinador de Futebol

    Bola na Rede: Ainda assim, sente que o cunho que deixou na Jordânia pode deixar também no Kuwait?

    João Mota: Acredito. No outro dia estava a falar disso com a minha esposa. Nós devemos muito ao Mourinho, abriu portas aos portugueses. E clubes da Jordânia estarem a contactar treinadores portugueses depois do trabalho que deixei lá pode significar que eu também abri portas a treinadores portugueses na Jordânia. Assim como o Miguel Leal pode ter aberto no Kuwait. O trabalho positivo que fazemos pode abrir portas para colegas nossos poderem entrar. Acredito que deixei na Jordânia um legado e acredito que também posso deixar aqui no Kuwait.

    Bola na Rede: E a verdade é que temos cada vez mais treinadores portugueses a sair da Europa para zonas mais periféricas do mundo do futebol. Começa a existir uma maior democratização do futebol?

    João Mota: Eu vejo isso como uma coisa positiva, está a haver uma globalização muito grande. Há países que não entendem bem. No Brasil, por exemplo, o Jorge Jesus abriu portas, depois o Abel Ferreira foi também para lá com sucesso, mas houve outros que não tiveram sucesso lá. Quando a pessoa tem valor, se vem acrescentar valor, que venha. Mas, sim, os treinadores portugueses começam a sair mais, também pela parte financeira. Em Portugal, temos os grandes, que ainda pagam bem, mas depois temos equipas da Primeira Liga a pagar cinco mil euros. Um treinador na segunda divisão da Arábia Saudita ganha 15 ou 20 ou 30 mil. Por mais que a gente queira visibilidade, por estar na Europa, há coisas que também são importantes, porque a visibilidade não põe o melão nem o pão na mesa.

    Bola na Rede: E essa visibilidade também começa a mudar, não é? Na Arábia Saudita, que não me parece que seja algo tão fugaz como se diz e que vai acabar em pouco tempo, já começa a haver projetos bem elaborados e a pensar pelo menos nos próximos dez anos. A Europa continua a ser a Europa, mas já se nota alguma mudança.

    João Mota: Um clube da segunda divisão da Arabia Saudita, que se falava que queria o Mourinho, pagava 20 mil dólares de prémio de jogo. Por cada jogador. É assim, eu gostava muito de voltar a Portugal, mas não vou sair deste mundo árabe para ir para uma terceira divisão de Portugal. Não é que seja melhor que ninguém, mas sempre subi a pulso na minha vida, nunca tive um empresário que me disse “vais começar por aqui”. Tive de andar a treinar infantis, meninos de 17/18 anos e aquilo que consegui foi com o meu esforço. E não volto agora depois do que consegui. O dinheiro não é tudo, mas é alguma coisa.

    João Mota Al Jabalain
    Fonte: Al Jabalain

    Bola na Rede: Mas esse subir a pulso também dá estaleca. Nós vemos treinadores jovens que podem ter muita qualidade, mas quando as coisas correm mal não têm um background que lhes permita dizer “calma, isto é só uma fase, vejam o trabalho que eu já desenvolvi anteriormente”.

    João Mota: Sim. Nós temos um problema. Esta nova onda de treinadores portugueses dá sinais de pouca humildade. Toda a gente quer ser o Mourinho, toda a gente quer ser o Guardiola. Hoje eu olho para o meu passado e também reconheço que tive ali alguma falta de humildade. Nós temos de saber que o futebol não é só ganhar e eu tenho aprendido isso. E aprende-se tanto quando não se ganha. Temos é de saber perder. Temos de ter humildade para mudar quando está errado, ter humildade para perceber que estamos errados. É isso que nos leva a crescer. E há pessoal na bola que nunca perde. Nunca! Há treinadores que, quando perdem, “o árbitro foi um bandido” ou acontece sempre qualquer coisa. Mas às vezes o adversário é melhor que nós. E perceber isso ajuda-nos. E eu não sou a favor da experiência por si só, sou a favor da experiência com competência. Nós conseguirmos ser pessoas com alguns anos de bola, mas crescermos com o que vamos aprendendo é o que nos leva por caminhos maiores.

    Bola na Rede: E isso é reconhecido por quem está de fora?

    João Mota: Quem passa na nossa vida fica com esse sinal. As pessoas percebem e dizem “pensava que você era outra pessoa”. Às vezes temos uma ideia da pessoa e quando conversamos com ela ficamos com outra ideia. Posso contar uma história: o Sá Pinto veio para o Brasil, para o Vasco da Gama, e perguntaram-me no Brasil o que eu achava do Sá Pinto. E eu disse que não conhecia o Sá Pinto como treinador – como jogador, sim, foi um excelente jogador. E disse que, se comparássemos com o Jorge Jesus, com o Jesualdo Ferreira, acho que não tem nada a ver. O Hugo Cajuda ouviu a entrevista e disse “mas quem é esse Mota para falar mal do Sá Pinto?”. Eu não falei mal do Sá Pinto, só disse que não o conhecia. Pronto, fiquei marcado por um dos melhores agentes da atualidade por uma razão: ele não me conhece pessoalmente. Se ele me conhecesse pessoalmente, percebia que não sou assim. Por isso é que eu digo que sigo o meu caminho com tranquilidade.

    Bola na Rede: Pegando por esse ponto do falar bem ou mal dos colegas de profissão, existe camaradagem entre treinadores? Por vezes parece que anda tudo em conflito…

    João Mota: Isso é algo que me deixa muito triste. Houve uma altura em que eu era um revoltado. Pensava: “eu trabalho tanto, subi ali, ganhei acolá, e não subo e este tipo que ainda não fez nada chega aqui e tem a oportunidade”. Mas aprendi com o tempo que cada um tem o seu caminho. Já passei essa fase, estou na fase de saber reconhecer o valor dos outros. E há outro aspeto: eu, por exemplo, gosto da posse da bola. Há malta que diz que quer é ganhar. E eu antes dizia que ganhar só por ganhar a mim não me diz nada. Hoje digo: “certo, segue o teu caminho, ótimo”. Eu prefiro pensar “como é que eu ganhei?”, mas há pessoal que não dá valor a isso e está certo. Uns gostam mais do jogo direto? Está certo. E o Guardiola também perde. Nós temos de aprender a respeitar os nossos colegas e eu tinha essa dificuldade, eu assumo que há uns oito anos atrás era assim, mas mudei. Eu tive de fazer uma autorreflexão e dizer a mim mesmo: “Mota, deixa as pessoas serem como são e segue o teu caminho”. E é respeitar o trabalho dos outros treinadores, muito mais o dos portugueses. Eu tenho uma relação com uma pessoa que eu nunca conheci pessoalmente, nós seguimo-nos no Instagram, que é o Fernando Valente. Acho que é uma pessoa espetacular e revejo-me nas ideias dele. Às vezes conversamos e nunca tivemos nenhum encontro. E eu torço por ele e fico contente quando a equipa dele ganha. Acho que deve ser assim. No campo, claro que não é assim, mas fora deve ser assim.

    Bola na Rede: E há paciência, da parte de quem manda, para compreender e aceitar e dar tempo a essas diferentes filosofias?

    João Mota: Nem sempre há paciência. Houve um treinador a quem deram tempo, que foi o Klopp, que esteve dois anos sem ganhar nada e quando começou a ganhar venceu vários títulos e esteve oito anos no Liverpool. Outra coisa que me deixa confuso é o critério dos presidentes. “Vamos mudar este treinador, que não está a resultar”. Tudo bem, mas depois vão buscar um treinador que joga de forma completamente diferentes, com personalidades completamente diferentes.

    Bola na Rede: E, entretanto, foram buscar jogadores para uma filosofia de jogo que não servem para o novo treinador…

    João Mota: Exatamente, não seguem um perfil. E as equipas menos conceituadas mudam de treinador com uma frequência…

    Bola na Rede: Na época passada, se não me falham as contas, dez das 18 equipas da Primeira Liga mudaram de treinador. O próprio Vitória SC, que podia ser um clube mais estruturado, teve cinco treinadores durante a temporada.

    João Mota: E é uma pena, sempre olhei para o Vitória SC como o quarto grande. E ainda é grande, mas essa instabilidade…

    «HÁ EMPRESÁRIOS E EMPRESÁRIOS, ALGUNS QUEREM AJUDAR O TREINADOR, MAS HÁ OUTROS QUE OLHAM PARA NÓS COMO CIFRÕES».

    João Mota, treinador de futebol

    Bola na Rede: Muitas vezes, a decisão nem é do presidente, mas de homens intermédios…

    João Mota: Há empresários e empresários. Há alguns que querem ajudar o jogador ou o treinador, mas há outros que olham para nós como cifrões. Sempre tive cuidado com isso, nunca tive um empresário que me colocasse num clube. Recebi sempre os convites diretamente dos clubes. Eu vivi dez anos no Brasil, trabalhei lá e tive bons resultados. Mas o que é certo é que eu nunca consigo entrar no Brasil. Ou melhor, consigo entrar, em equipas de Estaduais. Mas, no mínimo, na Série C, já não consigo entrar. Eu considero-me treinador para treinar numa Série A ou Série B, mas não consigo entrar. Eles mudam de treinador a toda a hora, o meu nome é posto em cima da mesa, mas nunca apostam em mim. E nunca tive problemas no Brasil. E vejo treinadores portugueses que nunca estiveram no Brasil a ir para lá. Ótimo, fico contente por isso e até têm vindo bons treinadores. Mas têm bons agentes, que têm boas ligações e no futebol, realmente, é muito importante o QI, o Quem Indica. E eu não tenho QI, mas sou feliz e é tranquilo.

    Bola na Rede: Nota, então, também no Brasil a máquina rotativa que vemos em Portugal, em que um treinador sai de um clube e já sabemos quem vai ser o seguinte, porque são sempre os mesmos.

    João Mota: Eu vejo programas na televisão brasileira em que discutem quem vai substituir um treinador, porque perdeu um jogo. Depois ganha e já é bom. É uma coisa… Eu começo-me a rir. Eles nos programas colocam votações e vão ouvir os adeptos. O adepto quer é ganhar e vota por aí. Depois dizem na televisão que o povo quer o treinador fora e vão os adeptos para o Centro de Treinos dizer que querem o treinador fora e o presidente, cheio de medo, manda o treinador embora. E eu digo assim: “onde é que nós estamos?”. É muito complicado ser treinador. Eu tive a sorte ou o azar de ser apaixonado por uma profissão que é de loucos.

    Bola na Rede: E, atualmente, é cada vez mais difícil lidar com as opiniões externas, porque o presidente tem uma opinião, os adeptos nas redes sociais têm outra. O treinador é criticado, é insultado, leva com objetos vindos da bancada e, de repente, pede-se a cabeça de toda a gente se o treinador não for embora e o presidente reage como? É que se despede o treinador sempre que os adeptos assim o exigem vai ter um treinador novo todas as jornadas.

    João Mota: O futebol é o espelho da sociedade e a sociedade está assim. Queremos comer rápido, trabalhar à pressa, é tudo à pressa. E os resultados têm de aparecer rápido, os meus filhos têm de ser os primeiros, ficar em segundo não presta e isso não existe. O Bielsa, nesse aspeto, é espetacular. É um excelente treinador e com sucessos também. Esteve muitos anos sem ganhar títulos – e já era o Bielsa. E ele diz que é a derrota que nos faz crescer. As vitórias tornam-nos arrogantes e vaidosos. Mas as pessoas não aceitam a derrota. Ainda há algumas equipas em Inglaterra em que a equipa perde e vemos o estádio inteiro a aplaudir. Ainda se vê, mas já é muito pouco. Ser treinador é muito mais que o técnico-tático, é saber lidar com tudo, conseguir fazer com que todos os jogadores estejam bem. É preciso entender o ser humano, entender as personalidades.

    João Mota
    Fonte: Al Jabalain

    Bola na Rede: Sente, a esse nível, que é um treinador em constante evolução?

    João Mota: Sim, não sou este ano como era no ano passado nem há dez anos. Não quer dizer que já esteja no ponto, nunca vou estar, mas tenho sentido que quando olho para há dois ou três anos atrás noto que sou melhor treinador.

    Bola na Rede: E no Médio Oriente há essa compreensão de que por vezes é preciso tempo ou já há a mentalidade de ter de ganhar no imediato?

    João Mota: Tens de ganhar. Tens de ganhar, não dão hipótese. Por vezes, dá a sensação que ainda é pior. Por exemplo, o Jorge Jesus é um grande treinador, é alguém que admiro muito, e no Al-Hilal tem uma grande equipa. Não é só ter grandes jogadores que chega para ganhar, mas isso ajuda. Por vezes, um treinador é bom, mas a qualidade do plantel também conta.

    Bola na Rede: E a verdade é que na Arábia Saudita, por exemplo, quando investem 100 ou 200 milhões de euros e o treinador não ganha…

    João Mota: Pois, e os jogadores também sabem que os treinadores e os jogadores estrangeiros vão para lá ganhar muito bem e se não dão o litro também os encostam logo.

    Bola na Rede: Mister, para terminar: qual é o maior reconhecimento para um treinador?

    João Mota: A nossa vida é feita de vitórias e de conquistas e títulos. Mas, para mim, o que mais me motiva é um jogador dizer, como já me aconteceu no Brasil, com jogadores de 32 anos: “Mota, só agora aprendi a jogar futebol, andei uma vida inteira a jogar à bola”. O reconhecimento dos verdadeiros protagonistas, que são os jogadores, para mim é mais importante para mim que qualquer outra coisa. E outra coisa: por onde passei nunca deixei uma má imagem. Isso para mim é o mais importante.

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    Márcio Francisco Paiva
    Márcio Francisco Paivahttp://www.bolanarede.pt
    O desporto bem praticado fascina-o, o jornalismo bem feito extasia-o. É apaixonado (ou doente, se quiserem, é quase igual – um apaixonado apenas comete mais loucuras) pelo SL Benfica e por tudo o que envolve o clube: modalidades, futebol de formação, futebol sénior. Por ser fascinado por desporto bem praticado, segue com especial atenção a NBA, a Premier League, os majors de Snooker, os Grand Slams de ténis, o campeonato espanhol de futsal e diversas competições europeias e mundiais de futebol e futsal. Quando está aborrecido, vê qualquer desporto. Quando está mesmo, mesmo aborrecido, pratica desporto. Sozinho. E perde.