Uma sexta-feira de «Last Dances» no calor do Catar

    Messi contra a máquina pragmática de van Gaal 

    A alegria e descontração da Laranja Mecânica num duelo de estilos emocionante com a paixão exacerbada e os gritos da tribo alviceleste. Ouvir van Gaal nas conferências de imprensa é perceber o amor ao futebol e à vida de um ser humano que meses antes deste Mundial escutou dos médicos a triste e revoltante notícia que padecia de um cancro na próstata. Aos 71 anos, e depois de tratamentos bem sucedidos, espalha charme e um humor tipicamente neerlandês nas conferências e em conversas descontraídas (já falou em relações sexuais com a mulher e num metafórico “beijo na boca” de Memphis Depay, só para percebermos o nível de relaxamento e entusiasmo de van Gaal). Dentro de campo, a equipa parece preparada para vingar a derrota nos penáltis de 2014 face à Argentina, em São Paulo.

    Apresentando-se como a única equipa destes “quartos” que joga sistematicamente com uma defesa a 3, a seleção dos Países Baixos não tem sido brilhante em termos exibicionais, mas tem mostrado evolução desde a estreia sensaborona (embora com triunfo) frente ao Senegal. A colocação de De Roon no meio-campo deu estabilidade defensiva na zona intermediária e permite que Frenkie de Jong (um dos melhores médios em prova) se solte mais no terreno. O desafio com os Estados Unidos nos oitavos de final foi complexo – a pressão dos norte-americanos gerou dificuldades – mas a turma neerlandesa soube encontrar vias para sair por cima. A saída em apoio, perante o aperto dos estadounidenses, no lance do 1-0 (com um mérito tremendo para Frenkie) foi notável e os dois laterais, Dumfries e Blind, tiveram um papel determinante para construir o resultado, com uma capacidade de ataque ao espaço, de passe e remate verdadeiramente notável. Outros jogadores em evidência têm sido Memphis Depay (técnica ao serviço do coletivo) e Cody Gakpo (rasgo de fora para dentro e risco no remate), no setor ofensivo e a “novidade” Andries Noppert na baliza (seguro por alto e capaz de efetuar defesas determinantes) e o sóbrio Nathan Aké (notável a ler o jogo, a antecipar e a apoiar na construção).

    Do outro lado, vai estar uma Argentina que tem tido um rendimento intermitente neste Mundial. Defrontar uma seleção organizada e com capacidade para sair do aperto como a dos Países Baixos vai supor o desafio tático mais difícil de superar, até ver. O melhor futebol dos campeões sul-americanos coincidiu com a aposta em jogadores como Enzo Fernández (soberbo a distribuir e a pautar o jogo no meio terreno) e Alexis Mac Allister. Estes são dois dos sócios que mais beneficiam um Leo Messi brutalmente empenhado em fechar com chave de ouro a participação em Campeonatos do Mundo na carreira.

    O jogo com a Austrália mostrou uma equipa previsível e com pouca fluidez no processo ofensivo durante os primeiros 45 minutos. Curiosamente, Lionel Scaloni avançou, já na segunda parte, para um esquema com três centrais, que até pode ser replicado de início perante a adversária destes “quartos”, que atua dessa forma. Essa adequação tática pode ser executada de forma a que a marcação a elementos como Memphis ou Gakpo seja mais eficaz e que se gere um equilíbrio nas marcações por fora aos laterais ofensivos neerlandeses. A forma de pressionar dos campeões mundiais de 1978 e 1986 pode sair beneficiada, embora a probabilidade maior continue a ser a aposta num 4-3-1-2 (com Messi nas costas do irrequieto Julián Álvarez e do sábio Di María). A maneira como os médios argentinos – aqui pensamos, em particular, em De Paul – vão condicionar a ação de Frenkie de Jong é outra das “chaves táticas” para o duelo no Lusail. E claro que fica outra questão maior no ar: o que fará van Gaal para parar Messi? Sabendo que essa pode ser uma das tarefas mais ingratas em qualquer retângulo verde, será transcendental reduzir as receções entrelinhas do astro argentino, que certamente vai tentar fugir à marcação, participando em recuos para pegar no jogo e tentar ganhar margem para arrancar com a “redondinha” e distribuir.

    Não sei se podemos falar em “finais antecipadas” a propósito destes dois jogos, mas esperamos que possam vir a ser dois monumentos ao futebol. E aproveitemos o que vai acontecer, porque pode mesmo ser a última vez que vamos ver Messi, Di María, Modrić, Thiago Silva ou Perišić no palco maior do desporto-rei.

     

    Artigo de opinião de Francisco Pinho Sousa,
    analista e comentador ELEVEN

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    Francisco Sousa
    Francisco Sousahttp://www.bolanarede.pt
    Licenciado em jornalismo, o Francisco esteve no Maisfutebol entre 2014 e 2017, ano em que passou para a A BOLA TV. Atualmente, é um dos comentadores da Eleven.