Umas «meias» natalícias com Messi, Modrić e um duelo da «Françafrique»

    A campeã defronta a grande surpresa da competição 

    O primeiro presidente da Costa do Marfim independente, Félix Houphouët-Boigny, advogou em 1955 a existência de uma “Françafrique”, o que significava que os países africanos que tinham adquirido a independência dos gauleses deviam manter uma relação institucional forte com França. Isso foi algo que se verificou com Marrocos, que nunca chegou a pertencer propriamente a território francês, mas que foi um protetorado e mantém essa conexão forte até aos dias de hoje. A relação franco-marroquina é também evidenciada pela forte presença de emigrantes daquele país norte-africano em França, numa junção de culturas e amizades que vai ter o auge desportivo na meia-final desta quarta-feira no estádio Al Bayt.

    A campeã mundial vai apadrinhar a primeira presença africana numa meia-final de um Campeonato do Mundo, o que não deixa de ter um significado muito especial. Os comandados de Didier Deschamps são vistos como favoritos, mas devem ter bem presente a forma como Espanha e Portugal caíram ante os magrebinos (não esquecendo que já a Bélgica havia sido derrubada com estrondo na fase de grupos).

    O apuramento da equipa de Walid Regragui para esta fase da competição foi épico e mostrou fidelidade a um 4-1-4-1 muito coordenado e bem estruturado em termos defensivos, com as coberturas entre a zona central e lateral definidas nos “timings” certos, com uma linha defensiva não afundada (exceto em momentos circunstanciais) e com grande proximidade entre os diferentes setores. Portugal não teve a paciência necessária para derrubar o bloco de granito marroquino, enveredou por um caminho de exploração de passes longos e de bolas em profundidade que foi contrário à ideia que parecia trazer do jogo frente à Suíça (com mais associação entre o talento).

    O golo de En-Nesyri chegou na sequência de um cruzamento do lado esquerdo (com responsabilidades defensivas lusas) e de uma troca de bola notável a partir da zona mais recuada – uma prova que esta seleção de Marrocos não vive só do conforto nas transições mais aceleradas e que tem técnica para elaborar desde trás. No segundo tempo, e perante a “avalanche” de opções ofensivas exploradas por Portugal, os africanos não perderam o critério no momento do jogo mais relevante para Regragui – organização defensiva – e apesar de alguns lances perigosos da Seleção Nacional, Bono e companhia aguentaram de forma imaculada a melhor defesa da competição.

    Não se perspetiva um jogo muito distinto dos últimos face à poderosa França. Amrabat vai continuar a ser o elemento fundamental a fazer com que a equipa não se parta entre a linha defensiva (com a companhia inestimável de Ounahi, médio-revelação do certame e que assinou mais uma exibição de luxo nos “quartos”) e os cinco elementos que surgem mais adiante. Há mais dúvidas quanto à condição física de alguns dos defesas (Aguerd e Mazraoui, por exemplo, falharam o duelo com Portugal e Saïss saiu por lesão no segundo tempo). Marrocos compete muito bem na dimensão defensiva do jogo, mas como vimos também exibe uma competência impressionante em transição ofensiva, bola parada e até em ataque organizado – de forma mais esporádica.

    Já a equipa gaulesa chega motivada a este confronto, depois da vitória na “final antecipada” ante a Inglaterra. A perspetiva de poder tornar-se na segunda equipa da história a somar dois Mundiais consecutivos anima os rapazes de Didier Deschamps, que sabem competir muito bem em cenários de vantagem e também perante a adversidade. Querem uma prova? Olhem para a segunda metade do duelo com os ingleses e percebam como a França soube resistir, perante o crescimento dos médios do outro lado, hábeis na criação de jogo e as constantes aproximações, tanto mais por dentro, como a partir das alas.

    O penálti falhado por Harry Kane foi festejado como um golo por Mbappé e certamente por todos os adeptos dos Bleus. Foi um momento de felicidade que se seguiu a outros que acabam por dar colorido ao apuramento dos vencedores de 2018 para nova semifinal: o golaço de Tchouaméni, num irrepreensível pontapé de meia-distância, as assistências mágicas de Griezmann, o instinto matador na área de Giroud ou as intervenções importantes de Lloris. Tudo isto num jogo que até contou com algumas imprecisões de elementos que têm sido determinantes nesta prova – Upamecano ou Theo Hernández, por exemplo.

    E o que vai ter de fazer a França para não se deixar surpreender por Marrocos? Acima de tudo, partindo do princípio (certo) de que vai ter mais bola, deve ter a capacidade de criar o máximo desconforto ao trinco Amrabat (com Griezmann) e abrindo brechas entre os restantes médios e os alas. Ao mesmo tempo, Deschamps deve ter a intuição de explorar as costas dos laterais com as ruturas dos velocíssimos Dembélé e Mbappé. O desafio aqui é distinto do que vimos nas últimas eliminatórias: ao contrário de espanhóis e portugueses, os extremos gauleses são temíveis no um para um e podem gerar uma vantagem significativa para ganhar superioridade por fora (à esquerda, também com as subidas de Theo). Curiosamente, Luis Enrique lançou Nico Williams e Fernando Santos apostou em Rafael Leão para dar esse abanão em zonas exteriores, mas foram setas tardias lançadas na direção dos norte-africanos.

    Esperam-se duas noites de bom futebol e emoções fortes. O mundo parece esperar um duelo de titãs entre Argentina e França, mas Croácia e Marrocos querem dar um golpe nas duas bicampeãs mundiais. E, quem sabe, repetir aquele que foi o primeiro encontro para ambas neste Mundial – num tímido empate a zero. Será que este campeonato ainda tem mais surpresas preparadas para nós? A resposta será dada nas próximas horas.

     

    Artigo de opinião de Francisco Pinho Sousa,
    analista e comentador ELEVEN

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    Francisco Sousa
    Francisco Sousahttp://www.bolanarede.pt
    Licenciado em jornalismo, o Francisco esteve no Maisfutebol entre 2014 e 2017, ano em que passou para a A BOLA TV. Atualmente, é um dos comentadores da Eleven.