Extinção do ’10’

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    Findo o Mundial, a atenção dos fãs do futebol passa para as fases de preparação dos clubes dos principais campeonatos europeus. A “troca” não é suficiente para nos alimentar o vício: é como se se trocasse um cigarro por pastilhas de nicotina. Não conseguimos viver sem a “droga” que nos aproxima do prazer de cada bafo – nem sem a antecipação de cenários para a nova época, nem sem as “novelas” do mercado de transferências –, mas fica sempre a faltar aquele momento em que fazemos pausa no mundo e nos abstraímos dele – a competição. Faltam os golos com significado histórico, o peso de uma substituição num encontro, a descoberta da identidade de jogo de uma equipa e as exibições de jogadores emergentes que confirmam ou superam as expectativas sobre eles criadas.

    Nós, viciados, procuramos aproximar-nos daquilo de que realmente gostamos. Tentamos imaginar a competição como se ela se estivesse a desenrolar, puxando temas que estão relacionados com a competição. Para além das discussões sobre o preço pago por aquele internacional holandês ou do quão se ressentirá aquela equipa da razia de que foi alvo, vêm à tona questões mais profundas e que atingem todo o mundo do futebol. Questões tácticas.

    Semi-final Portugal v France - World Cup 2006
    Zinedine Zidane foi um dos últimos desta espécie em vias de extinção
    Fonte: theepochtimes.com

    Dei por mim a tropeçar numa delas depois de ler Rui Pedro, recém-chegado à Académica, lamentar-se pelo facto de já não existir a posição na qual se sente mais cómodo – número 10. Das páginas do jornal para a mesa da esplanada foi um instantinho, e todos suspirámos com o jogador português pela extinção da posição do maestro que tantos nomes consagrou desde os anos 70 a esta parte. Johan Cruyff, Ronaldinho, Rui Costa, Pablo Aimar, Kaká, Gheorghe Hagi, Zinedine Zidane, Michell Platini, Rivaldo e Totti são alguns dos nomes que, pelo talento, tiveram o privilégio de ter, por debaixo dos seus nomes, o número que a maior parte dos miúdos ambiciona(va) vir a ter um dia, pelo simbolismo que carrega (Pelé, Eusébio, Maradona, Di Stéfano ou George Best, por exemplo, usaram-no) e pelo significado que representa para o jogo. Para além de o 10 ser o jogador a quem estão entregues as maiores responsabilidades, pois é ele quem carrega a manobra ofensiva da equipa (autêntico playmaker), definindo a forma como o conjunto vai visar as redes contrárias, é também dos pés dele que saem as jogadas vistosas – os passes majestosos, os pormenores técnicos deliciosos, e não raras vezes, golos estonteantes (quase sempre mais em jeito do que em força) de fazer abrir a boca a um estádio inteiro.

    Ainda há jogadores assim, com criatividade e talento para a usar de forma objectiva. Retirados do Mundial, saem-me da cabeça, de forma mais flagrante, os nomes de Pjanic (claramente talhado para essa posição), Ozil, Sneijder ou James Rodríguez. Mas nenhum deles ocupou, declaradamente, essa posição. Todos os treinadores estavam cientes do quão ineficaz poderia ser um número 10.

    É que para uma equipa jogar com um “maestro” os processos ofensivos de jogo têm, obrigatoriamente, de ser trabalhados à volta deste jogador de uma forma exaustiva, ficando quase hipotecadas alternativas como a maior incidência nos flancos ou o recuo do número 9 para “pegar” no jogo. No futebol actual, a dinâmica de um esquema táctico e o recurso a várias formas ditas funcionais de visar as redes contrárias (já não há só uma) é algo fundamental para se conseguir atacar com maiores probabilidades de sucesso, e a utilização de uma só estratégia seria algo facílimo de anular pela defesa contrária, com o recurso à “velhinha” marcação individual.

    É curioso verificar que algo tão feio possa estar a matar uma das coisas mais bonitas que o futebol conheceu.

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