Os 3 pecados de Ruben Amorim

Praticamente um ano além de Mancha deram a Ruben Amorim tudo menos satisfação e realização profissional. Cabelos brancos, rugas, olheiras, certamente que as ganhou, como também terá ganho mais capacidade de resiliência e noção da complexidade das relações humanas e dos aspectos vitais para o bom funcionamento de um clube e de uma equipa de futebol.

Se os muitos problemas e derrotas nesta estadia em Old Trafford serão exclusivamente culpa sua? Não, não certamente. Se Amorim chegou demasiado cedo a um contexto competitivo desta envergadura? Também não é certo nem óbvio. Se os problemas do United já existiam antes de Amorim chegar? Sim, seguramente, alguns mais e outros menos, mas o panorama já não era animador.

Posto isto, não há de ter sido perfeito o trabalho do treinador português – afinal, mesmo com a final da Liga Europa, a equipa terminou muito pouco além da linha de água e este ano as coisas continuam a ir aos trambolhões, mesmo com o calendário vazio, só com competições internas e tempo para trabalhar.

Decidimos tentar apontar os três principais erros de Amorim, erros na medida que tornaram o seu trabalho muito mais difícil a curto prazo. A longo prazo logo se vê, muito pode acontecer, até tendo em conta o resultado dumas certas eleições.

Teimosia de Ruben Amorim

Debate-se insistentemente sobre a eficácia do seu 3-4-3 ou se as condições técnicas e humanas disponíveis suportam completamente as suas exigências; Amorim já disse que não será a formação o problema, antes os índices físicos ou o encaixe dos perfis disponíveis, tarefa aparentemente muito mais complicada que em Lisboa.

Se em Alvalade foi quase processo quase instantâneo, com título na primeira época a full-time, supor-se-ia que um contexto financeiramente mais disponível alavancaria ainda mais as hipóteses de sucesso. Sucede que, nunca divergindo muito do desenho, Ruben Amorim já tentou várias alternativas: iniciou, como cá, por utilizar laterais puros como alas, numa fase supostamente de estabilização de conceitos – não resultou; Como cá, o plano seria passar progressivamente a uma parelha de alas mais de último terço, até com adaptações de extremos à posição – Amad seria um nome óbvio, ainda não resultou; Até Mbeumo e Mount foram lá utilizados, circunstancialmente, mas sem efeitos práticos.

As dificuldades em assumir a intermédia linha de quatro, com a equipa a apresentar-se na maioria do tempo num conservador 5-2-3, impossibilita qualquer foco num jogo ofensivo mais lúcido ou com registo de controlo da posse, dada a natureza dos perfis dos jogadores mais avançados ou a pouca fluidez das movimentações dos homens mais largos.

Apesar de serem a equipa com maior número de xG (11,8, Manchester City surge com 11,3), acções criadoras de golo (169, Liverpool 161), com maior média de remates (15,8) por jogo, de serem a sexta equipa com maior número de passes para o último terço ou de terem melhorado exponencialmente a quantidade de toques na área face a 2024-25, há métricas que continuam sem melhorias significativas – a conversão percentual de remates ou a disparidade entre os xG e a realidade – que denunciam uma tendência, também ela provada pela estatística: Amorim preferiu evoluir para um estilo muito mais directo, preterindo a demorada construção no primeiro terço que o Sporting muita vezes priorizava.

Em 2024/25, o United registava 226 toques no primeiro terço mas só Tottenham e Southampton perderam mais vezes a posse nessa zona. Esse percentil melhorou, que o United agora só regista 11 perdas de bola mais atrás, já que se define hoje como a segunda equipa da Premier que mais recorre à bola longa. Não perdes a bola aí se ela aí não estiver.

Isto cria desequilíbrios notórios dada a pouca fisicalidade dos intérpretes. Um meio-campo a dois composto por Bruno Fernandes e Casemiro nunca terá o raio de acção suficiente nem a disponibilidade e concentração para assegurar bons índices de recuperação nas segundas bolas, muito menos assegura que se consigam associar com os três homens da frente. Na maioria das vezes que Cunha, Mbeumo ou Sesko recebem a bola, veêm-se sem apoio, seja em zona central seja em largura. Muitas das vezes o remate é a única solução viável de terminar a jogada, muitas vezes em zona com menor probabilidade de sucesso – 25% dos remates registados pelo United são fora-de-área.

Imprudência de Ruben Amorim

A opção de gastar 225 milhões na tripla ofensiva, qualidade dos intervenientes à parte, possibilitou a constatação de duas negligências que o tempo revelará serem catastróficas ou não: obrigar Bruno Fernandes a papel mais recuado, amarrado a um duplo-pivot de enormes responsabilidades defensivas e de equilíbrio, onde se exigem inesgotáveis índices físicos, retirando-lhe a liberdade de aparecer onde é mais decisivo – no último terço.

O que acontecia circunstancialmente com Pote e as soluções daí criadas não se traduz com a mesma eficiência para um contexto como a Premier, acentuando as eventuais deficiências do sistema e frustrando o jogador; A segunda, não menos importante, foi a percepção de que o onze, talvez, teria outras e mais profundas necessidades de reforço, como a baliza ou a zona central da defesa. Sobretudo com o estilo mais directo que presumivelmente estará a ser consolidado, o desconforto de alguns intervenientes em serem últimos homens numa linha mais subida e num jogo de transição impede que a equipa de funcionar como um bloco, movimentando-se de forma mais compacta.

Dos muitos problemas que Amorim encontrou em Old Trafford, talvez o ataque não fosse das áreas mais urgentes – como mostra, por exemplo, o rendimento de Marcus Rashford, o último homem a marcar mais de 30 golos numa época em Old Trafford, mesmo que os supostos problemas de conduta impedissem uma total harmonia do balneário.

Franqueza de Ruben Amorim

A 19 de Janeiro, o Brighton vencia em Old Trafford por esclarecedores 1-3. Amorim exasperava no rescaldo. «Somos capazes de ser a pior equipa na história do United» dizia, suportado pela estatística: desde que substituíra Ten Haag, o português tinha média de um ponto por jogo, só tinha ganho dois dos últimos dez jogos  e era a sexta derrota caseira em 12 jornadas, um recorde desde 1893-94, 131 anos antes. «Imagino o que é isto para um fã do United, imaginem o que será isto para mim».

Uns dias depois, a 23, reconhecia o erro. «Estava mais a falar para mim que para os jogadores, porque é difícil encontrar que começa um trabalho e perde sete dos primeiros dez jogos (…) E se repararem bem, todas as vezes que eu falo, e eu falo muito, cada vez que vocês insistem que a culpa é dos meus jogadores, eu tento sempre retirar o foco deles. Mas eu percebo, eu ofereci-vos a manchete.»

Avancemos uns meses, sem grande diferença em termos competitivos ou registo pontual, e lembremos a explosão de Ruben Amorim no pós-Grimsby. São declarações fortíssimas que insinuam momento de ruptura. A equipa, supostamente, «falara muito alto» o que pretendia com aquela hecatombe. Porém, dias depois, Amorim explicaria que a flutuação das suas emoções, para alguns sinais duma incontrolável espiral negativa que resultaria sim ou sim numa demissão, não passava dum método de adaptação à realidade, de lidar com as difíceis circunstâncias.

«Às vezes quero desistir, noutras quero ficar aqui 20 anos. Às vezes odeio os meus jogadores, noutras amo-os. Há muita gente experiente e competente a comentar a forma como lido com a imprensa, que devia ser mais equilibrado, mais constante, mais calmo. Não vou ser assim, porque eu não sou assim. Serei quem eu sou. E é por ser assim que tenho tanta paixão. Naquele momento, estava realmente chateado e desiludido»

Habituado a um ambiente mais confortável em termos mediáticos, mais não fosse pelo contexto linguístico, Amorim tem sistematicamente gasto energia a justificar-se de declarações com um peso que nem mesmo o seu carisma consegue suportar. Inteligente e pragmático como é, que lhe permitiu sair, até agora, incólume das saídas do já referido Rashford ou de Garnacho, e mesmo da falta de minutos de Kobie Mainoo, perceberá que ser tão apto a estar nos holofotes não significará a obrigação de estar sempre presente e a ser protagonista, em detrimento da sua própria energia e imagem – mesmo numa perspectiva da imperial necessidade de proteger o seu plantel.

Os tablóides alimentam-se, a uma escala incomparável à portuguesa, da sua sinceridade e não lhe perdoarão muito mais inconsistência de resultados.

Pedro Cantoneiro
Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, de opinião que o futebol é a arte suprema.

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