Aos 62 anos, no futebol, e em situações normais, um treinador não está ‘velho’. Teria ainda umas boas épocas para enfrentar, mas cada caso é um caso e Samuel Allardyce, da ‘old school’ dos ‘coaches’ ingleses, decidiu abandonar o futebol.
Esta decisão, após, ao serviço do Crystal Palace ter assegurado o seu registo de carreira imaculado em contas de salvação- nunca saboreou o amargo de uma despromoção- explica-se de uma forma, e perdoem-se se a expressão for leviana, uma estratégia emocional.
Quando assumiu o comando técnico dos ‘Eagles’, a equipa estava, depois da 17ª jornada, no 17º lugar, com 15 pontos, um acima da linha de água. A formação que joga no Selhurst Park viria a terminar a Premier League no 14º lugar, com 41 pontos, 7 acima da linha de água.
Mais uma vez, Allardyce mostrou competência, mas o que tê-lo-á levado a tomar esta decisão? Bem, nunca deixando de ser a minha opinião creio que a chave para entender a despedida do treinador inglês está na maior mancha que ficará sobre o tecido da sua carreira: o escândalo que deu origem ao seu despedimento do comando técnico da seleção inglesa.
A 27 de setembro de 2016, Sam Allardyce foi despedido pela FA após ter sido apanhado por jornalistas do Daily Telegraph a revelar formas de contornar as regras de transferências da FA, nomeadamente a propriedade de passes de jogadores por parte de terceiros.
‘Big Sam’ assumiu o erro publicamente- ‘coisa estúpida de se fazer’, disse- e com toda a certeza que, após a reputação robusta que conquistou após toda uma vida dedicado ao futebol britânico, este caso lhe acertou profundamente no orgulho e prestígio.
Magoado e arrependido, Allardyce aceitou o convite do Crystal Palace, a meio da época, para os salvar da descida ao Championship. E conseguiu. Provou a si mesmo e, a quem ainda duvidasse, que o seu historial pesa em competência e respeito.
Contudo, o técnico sabe que, nesta altura, será impossível de algum dia voltar a treinar a seleção inglesa, um sonho que viveu durante 67 dias, mas que, em minutos, virou pesadelo e apenas passado. Sabe também que é praticamente impossível vir a treinar alguém do ‘top four’ de Inglaterra.
O seu trajeto cimenta-se em subidas e manutenções, bem como campanhas meritórias na Premier League, como um 5º e um 6º lugar com as cores do Bolton, mas não passou daí. Disse, há uns meses, com uma certa mágoa: “Nunca vou treinar uma equipa do top-4 porque não me chamo Allardici”.
Sam Allardyce não conseguiu dar o passo seguinte. Sem embargo, fica, deste 2016/17 duas facetas do mesmo homem. Uma que Allardyce não reconhece e a outra a do ‘Big Sam’ que todos reconhecem.
Sam, o patriarca de família, é a faceta que o inglês quer agora privilegiar ao longo dos seus dias. E, como não podia deixar de ser, agradeceu ao Crystal Palace a “oportunidade de sair de cabeça levantada”. Agora, quer encontrar nos seus entes queridos e nas viagens um reduto terapêutico bem distante do stress tremendo do constante ‘Big Brother’ futebolístico.
Bom, a crónica de toda esta história bem pode resumir-se da seguinte forma: recuperado do choque, ‘Big Sam’ quer descansar.
Foto de Capa: Unilad