A terceira de Scott Parker

Quem olhar para a tabela do Championship depois de se aperceber que Burnley e Leeds conseguiram a promoção a duas jornadas do fim, não imagina sequer o nível da estatística superlativa com a qual um deles justificou o seu sucesso.

Sabemos de antemão da catrefada de jogos que se disputam no segundo escalão inglês (46, e por isso muitos treinadores gostam de ostentar uma passagem pela Liga para justificar a gestão física das suas equipas); sabemos do nível competitivo aterrador, onde os favoritos nem sempre são assim tão suficientes de si para confirmar as previsões; e sabemos da qualidade técnica de muitos dos executantes, a maioria prestes a saltar para ligas de topo na Europa.

Quando nos apercebemos que o responsável pela subida do Burnley é Scott Parker, é provável que a memória nos remeta ao despedimento do Bournemouth há um par de épocas, depois de sucumbir perante um distópico 9-0 em Anfield, ou para a demonstração de fragilidade na Luz perante o Benfica de Schmidt, onde o 5-1 foi pejorativo para a superioridade das águias.

Scott Parker no jogo entre o Benfica e o Club Brugge
Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

Agora, sejamos justos: a marca de golos sofridos conseguida por Parker com o Burnley, de 15 golos sofridos em 45 jornadas, é um recorde de bradar aos céus. O anterior registo máximo do Championship eram… 30 golos sofridos, ambos conseguidos pelo Preston North End (2005-06) e pelo Watford (2020-21). Scott Parker cortou-o pela metade, numa competição com 133 anos. Há uma lindíssima palavra portuguesa que encaixava aqui bem, como reacção.

E não foi um projecto de início fácil. O Burnley tinha subido com Kompany apresentando futebol de ataque, ofensivo, de legado guardiolesco. Obviamente, sem verdadeiros craques, a Premier League castigou-lhes a audácia: no ano de subida, cinco meras vitórias e bilhete de volta.

Kompany caiu, mas para cima, conseguindo o cargo do Bayern e deixou os responsáveis do Turf Moor em estado catatónico – o que fazer? Bem, mandaria a lógica que se apostasse no regresso imediato e para isso nada melhor que apostar em alguém que já tivesse experiência em subir equipas. Scott Parker, apesar de fracassar sempre que chega a divisões superiores, já subira o Fulham e o Bournemouth.

Só que Parker chegou e deparou-se com um circo. Foram 27 as saídas no mercado de verão porque, claro, a folha salarial era a contar com as receitas de primeira, e quase não houve tempo para pensar sequer em entradas. A debandada foi imensa, mas havia um lado positivo da coisa – permitia ao novo treinador arrumar o plantel mais a seu gosto, com gente que percebesse a mudança de abordagem e com mais disponibilidade para compreender as ideias.

Do futebol de Kompany passou-se para o pragmatismo de Scott Parker, que não teve nada de revolucionário no sistema (4-2-3-1) mas no perfil das peças – a dupla de centrais seria constituída por Egan-Riley, que aprendera uma época com… as reservas do PSV, e Maxim Estève, um rapazito de 22 anos que já se estava a ambientar ao clube por empréstimo do… Montpellier.

À frente deles, a dupla britânica de combate – Cullen na recuperação e Brownhill, capitão transformado em Lampard por Parker, compondo a sua importância defensiva com a produção na outra área (com 16 golos e seis assistências) assumindo-se como grande figura.

Os quatro foram os baluartes que suportaram o sucesso de James Trafford na baliza, produto cityzen que chega a Premier com a folha de ponto inacreditavelmente composta: 29 clean sheets em 45 jogos, nunca sofreu dois golos ou mais num jogo, e esteve com a baliza inviolada entre a jornada 22 e a… 35.ª, de 21 de Dezembro a 4 de Março.

Lendária ficou a exibição no 0-0 em casa do Sheffield: salva a derrota aos 86’, ao defender um penalty. Quando já nem os da casa sentiam poder ganhar, outro penalty – aos 97’. E lá estava Trafford novamente. 

Mas, claro, não foi a estacionar o autocarro que Scott Parker alcançou a subida. Houve clarividência na argúcia atacante, encabeçada sobretudo por dois talentos que não sendo geracionais são protótipos quase perfeitos da moderna flecha inglesa: extremos sempre mais preocupados com a diagonal de ataque à baliza, esquecendo a linha de fundo para o lateral; a potência física ao dispor da técnica, ainda que nunca exagerada e sempre prática, sempre objectiva. Não há rodriguinhos de maior, há eficácia e metas a cumprir.

Ainda antes de Marcus Edwards chegar em Janeiro e tornar-se no grande impulsionador da segunda volta Claret (o Burnley não perde há… 32 jornadas, desde 3 de Novembro em Milwall), já Jaidon Anthony servia de farol criativo do conjunto. A sua preponderância é poética, e reúne-o com o treinador – Jaidon fez parte daqueles 9-0 sofridos diante do Liverpool. Foi titular na fatídica tarde.

Agora, noutro clube, perguntou ao mesmo homem a direcção do sucesso: e Parker fez as coisas de maneira a proporcionar ao talento de Jaidon a produção de sete golos e sete assistências, não revelando os números a totalidade do impacto – são 74 as oportunidades criadas, e 171 os duelos ganhos. Um todo-o-terreno.

Há outros nomes. Há Mejbri, emprestado pelo Manchester United, que foi o encaixe perfeito como número dez, ou Nathan Redmond, um ícone com 275 jogos no primeiro escalão. Uma combinação harmoniosa entre irreverência e maturidade que se alastrou a todo o conjunto, criando as mais saudáveis dinâmicas no balneário. Scott Parker apontou-o como um dos grandes segredos, depois do 2-1 ao Sheffield.

«Com trabalho árduo, foi assim que construí a minha vida e todos os jogadores interiorizaram isso. O grupo está unido e isso trouxe-nos até aqui. Esta subida sabe melhor assim. Tive alguns percalços pelo caminho, como a perda do meu emprego em Brugge, e sabia que aqui me esperava um grande desafio. Estou aliviado e feliz – pela minha família e outras pessoas não tão óbvias, mas que estão sempre a apoiar-me.»[1]

Agora, outro grande desafio: nas últimas duas épocas, nenhum dos seis promovidos sobreviveu à selva da Premier. Parker, muito mais que Farke, se continuar em Leeds, tem algo a provar ao mundo.


[1] Tradução livre de: https://www.theguardian.com/football/2025/apr/21/back-where-we-belong-leeds-and-burnley-savour-promotion-heroics?utm_source=chatgpt.com

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