Quando se ama demais

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    Já dizia Oscar Wilde que convém ser moderado em tudo, incluindo na própria moderação.

    Imagine-se o quão trágico seria viver delimitado, para sempre, dentro da zona de conforto, sem prespectivas de a transpôr rumo ao risco. O fim seria desastroso não por si, mas pela folha branco que aquela vida tinha sido, condicionada pelo medo se dar o primeiro passo em direcção a algo que se pudesse amar, com medo que a paixão tomasse conta de uma vida que estava bem assim, com tudo devidamente arrumado nos respectivos cantos da mente, incluindo as ilusões, trancadas a sete chaves para que não se imaginasse uma vida melhor, em que se lutaria por uma causa, apoiaria um clube e se amaria alguém. Felizmente, só há pessoas que se aproximam disso. Não existe alguém assim porque nós, humanos, acabamos sempre por deixar fugir o controlo, muitos de nós de forma pontual, em direcção a qualquer coisa. Em pelo menos uma das muitas fracções de segundo da nossa vida, sentimo-nos dispostos a morrer por uma causa e, mais frequentemente, por uma pessoa.

    Mas também aí devemos ser regrados. Amar sem racionalidade nunca pode ser uma opção, por mais que estejamos apaixonados. É difícil suportar uma pessoa extremamente apaixonada por nós. Torna-se mesmo sufocante e, em vez de um benefício, passamos a ter uma responsabilidade com a qual não queríamos lidar. Nós podemos ser a pessoa que é amada obsessivamente, ou aquela que ama de forma desmedida. Não escapamos a esse risco, mas temos a noção de que acções têm consequências, e por mais que, naquele minuto, sintamos necessidade de estar com alguém, esse pode não querer estar connosco. Alguns de nós somos egoístas e vamos ter com essa pessoa que não nos quer ver, para nos aliviar a ansiedade. Mas isso tem consequências. Graves.

    O caso da selecção sérvia de futebol, no apuramento para o Campeonato da Europa, é ilustrativo disso mesmo. Muito talento, paixão imensa pelo jogo… mas não passou daí. Quando se divulgou o grupo de Portugal, só se olhou para dois adversários que pudessem fazer frente à nossa selecção – Dinamarca e a própria Sérvia -, seríssimos candidatos à qualificação directa para o Euro 2016. No fim, em 8 jogos, a Dinamarca vai ao playoff, a Sérvia somou míseros 4 pontos. Pela paixão sufocante que emprestou ao jogo e pela falta de planeamento “amoroso”.

    Último encontro de uma campanha sem "cabeça"; Fonte: Facebook da Federação Sérvia de Futebol
    Último encontro de uma campanha sem “cabeça”;
    Fonte: Facebook da Federação Sérvia de Futebol

    O plantel era excelente com uma defesa de fazer inveja a meia europa, com dois defesas experientes e eficientes em ambos os processos de transição – Kolarov e Ivanovic-, um meio-campo devidamente orquestrado por um dos melhores médios defensivos do mundo, Matic, e um ataque repleto de nomes talentosos como os de Mitrovic, Markovic. Ljajic, Tadic ou Tosic. Faltou, porém, organizar este talento todo e racionalizar a vontade de orgulhar o país. A derrota imposta pela FIFA no jogo contra a Albânia, em casa, pesou imenso, e a partir daí ficou evidenciada a falta de organização desta selecção. Com talento avulso, mas que não formava uma equipa.

    Stefan Mitrovic a tirar, de raiva, a bandeira da Albânia que invadiu, via drone, o jogo de Belgrado é uma das imagens que ilustram a desastrosa campanha de qualificação sérvia, resumida em 4 derrotas, 2 empates e 2 vitórias, lembrando-nos do quão sufocante pode ser o amor (à pátria, ao futebol) sem regras.

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