Estabilidade: quando e para quem? – Drible de Letra #10

    José Mourinho, o estrategista de Setúbal, tem (ou tinha?) a fama de ser um visionário, sempre um movimento à frente no xadrez do futebol. Pensar, agir, planear – tudo diferente, tudo um passo adiante. Há quem diga que ele tinha o dom da premonição.

    Num documentário revelador, Paulo Ferreira partilha um desses momentos mágicos, daqueles que ficam na memória: uma instrução insólita do special one que o coloca num lugar inesperado, no momento exato para marcar.  “Paulo: hoje, nos cantos, quero que subas e vás para o segundo poste”, ter-lhe-á dito Mourinho. Paulo admirou-se: “Eu nunca subia nos cantos!”.  Mas o golo aconteceu, tão extraordinário que até a celebração se tornou um enigma para o lateral-direito: “eu nem sabia como festejar!”

    José Mourinho AS Roma drible de letra
    Fonte: AS Roma

    Na verdade, quem de nós não viveu já instantes assim, que mais parecem cortes de uma montagem cinematográfica, dirigidos por um Spielberg ou um Hitchcock? Foi assim, também, com João Félix no golo da vitória do Barça ao Atlético Madrid. Foi assim esta semana, com Arthur Cabral. O mal-amado, a quem os adeptos benfiquistas deram a alcunha de “picanhas”, e que no jogo anterior em casa os tinha brindado com um manguito, talvez por ironia do destino, tornou-se no protagonista inesperado da última cena dramática: o golo no tempo de desconto que mantém o Benfica na luta europeia. Uma narrativa de redenção, onde o vilão se transforma em herói, o mal-amado em salvador. Como nos melhores filmes, senhoras e senhores, Arthur Cabral no seu momento de redenção. Que não foi apenas pessoal, foi uma absolvição coletiva, um suspiro de alívio para toda a equipa do Benfica. Numa altura onde as expectativas já se vestiam de luto pela campanha internacional das águias, que começou aos tropeços e quase se desfez após um empate que soube a derrota, foi mesmo o “picanhas” que estendeu a passadeira vermelha para a extensão da aventura europeia.

    Naquele instante, o desalento que pairava sobre os adeptos, famintos por triunfos, transformou-se em júbilo. Roger Schmidt, o comandante cuja estratégia vinha sendo questionada como um mistério indesvendável, encontrou naquela bola na rede uma defesa inesperada para a sua tática.

    Eis o paradoxo do futebol: apesar dos murmúrios e das críticas, o Benfica continua a voar alto – firmes no campeonato, a um passo da liderança; presentes na Taça de Portugal; na Taça da Liga e, por entre descrenças, garantindo o seu lugar na Liga Europa.

    Rui Costa com a Taça Eusébio SL Benfica
    Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

    E Rui Costa parece estar firme em relação ao projeto que tem. Num panorama onde a instabilidade é quase um ingrediente expectável, o presidente do Benfica surge como um farol de determinação. No meio da tempestade de críticas, tomou a tribuna, defendendo a escolha de Roger Schmidt com a convicção de um capitão que não abandona o seu navio. Ainda sem conhecer o veredicto europeu, não vacilou; e é exatamente nessa firmeza que se desenha o perfil de um líder.

    O futebol, palco de paixões efervescentes, não deixa de ser um negócio, e em negócios, como se sabe, as emoções devem ser coadjuvantes da razão estratégica. Nas grandes corporações, a dança das cadeiras executivas não é espetáculo diário. A estabilidade reina soberana, com CEOs que se mantêm nos seus postos, confiantes no longo prazo. O futebol deveria aprender com tal prudência.

    O sucesso de Sérgio Conceição, por exemplo, não é fruto do acaso, mas de um projeto consolidado que Pinto da Costa defende com unhas e dentes – não ganha sempre, mas ganha muito e faz omeletas sem ovos. Frederico Varandas, que não tem qualquer projeto para o Sporting, navega à vista, seguindo a bússola de Rúben Amorim. Sabe, claro, de acordo com os factos históricos, que se não fosse o treinador leonino não estaria na presidência (como dizia o cântico – ainda se lembram?) e, como tal, aposta, e bem, na consistência. E agora, Rui Costa, à frente daquela que tem sido, até então, uma rápida máquina de triturar treinadores quando não vencem (excepto Jesus), aposta, também, na continuidade. Talvez seja esta a chave para um campeonato mais equilibrado, onde a paciência é uma virtude e a constância um diferencial. Será que esta fidelidade ao projeto é a receita para a tão ansiada tranquilidade no reino da Luz?

    Há mais exemplos. Do outro lado do oceano, no Brasil, Abel Ferreira não entrou a ganhar no Palmeiras. A vitória, essa senhora caprichosa, fez-se de rogada. No entanto, a fé no projeto e na visão do técnico português manteve-se inabalável. E que belo fruto deu essa paciência: o Palmeiras ostenta agora dois títulos brasileiros consecutivos (mais as duas Libertadores; a Recopa Sul-Americana; a Copa do Brasil; a Supercopa do Brasil; os dois Campeonatos Paulistas). Uma lição de casa que muitos, no mesmo campeonato, insistem em ignorar.

    Abel Ferreira com Leila Pereira
    Fonte: SE Palmeiras

    John Textor esteve a um passo de conseguir: abraçou um projeto com Luís Castro e, no primeiro ano, quando os adeptos pediam o campeonato do Mundo a uma equipa que acabara de subir de divisão, resistiu às vozes dissonantes. Não cedeu aos clamores por milagres imediatos de uma torcida que sonhava alto demais, demasiado cedo e não tivessem os seus ignorantes e energúmenos adeptos destratado o treinador que os colocou a passear na liderança do campeonato, quando há apenas duas épocas figuravam na Série B, provavelmente, poderiam estar a festejar.

    É claro que também existem erros de casting e o povo português ter uma predileção por acreditar em quem manuseia palavras-chave como “salário mínimo”, “contas certas” e “vem aí o Chega!” com a destreza de um malabarista. Basta saber conjugar estes chavões num discurso com um verniz de coerência para se conquistar uma maioria absoluta. O pior é que também garantiu a minoria de serviços essenciais como a saúde, a educação e habitação. Só.

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