Quando os ricos decidem empobrecer o futebol | Superliga Europeia

    O mundo do futebol acordou, esta quinta-feira, em sobressalto. O motivo foi a mais recente decisão do Tribunal Europeu de Justiça (TJUE), que deliberou a favor da tão badalada Superliga Europeia. De acordo com este organismo, a FIFA e a UEFA detêm o monopólio das provas da modalidade, falando mesmo em «abuso de poder dominante», e afirma que não há qualquer ilegalidade na criação de uma competição paralela organizada por outra entidade ou mesmo por parte dos clubes nela inseridos. Além disso, o Tribunal Europeu de Justiça garantiu que a UEFA não pode sancionar os clubes participantes e/ou apoiantes da Superliga. Na sequência desta decisão, as reações multiplicaram-se por todo o velho continente, com clubes, dirigentes e adeptos a expressarem as suas opiniões.

    É importante recordar que o projeto da Superliga iniciou-se em 2021 e contou com o apoio inicial de 12 clubes: Arsenal FC, Liverpool FC, Chelsea FC, Manchester City FC, Manchester United FC, Tottenham Hotspur FC, Real Madrid CF, FC Barcelona, Club Atlético de Madrid, AC Milan, FC Inter de Milão e Juventus FC. Deste lote de clubes, pelo menos seis – Manchester United, Inter, Atlético de Madrid, Manchester City, Tottenham e Chelsea – já decidiram que não irão apoiar a continuidade do projeto. Além dos clubes acima referidos, destacam-se ainda as recusas de emblemas como FC Bayern de Munique, Borussia Dortmund e Paris Saint-Germain FC. Por outro lado, os dois gigantes espanhóis, Barcelona e Real Madrid, saudaram a decisão do TJUE e mostraram-se claramente a favor. Aliás, Joan Laporta e Florentino Pérez falam mesmo num «grande dia para a história do futebol».

    Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, não demorou a reagir ao assunto do momento no futebol europeu. Garantiu que não vai impedir a criação da prova, avisou que «o futebol não está à venda» e mostrou-se confiante no insucesso da Superliga, ironizando a decisão favorável de catalães e merengues: «Podem criar o que quiserem. Espero que comecem essa grande competição o mais cedo possível e com apenas dois clubes.»

    Por cá, a primeira reação veio de Pedro Proença, presidente da Liga de Clubes e da European Leagues. Como seria de esperar, o dirigente mostrou-se contra a criação da prova, afirmando que «há princípios fundamentais que não devem ser colocados em causa: as competições nacionais são a base da paixão dos adeptos, e devem, por isso, ser protegidas.» Nesse sentido, SC Braga, SL Benfica, FC Porto, Sporting CP e Vitória SC já vieram a público, através de comunicados oficiais, mostrar o seu compromisso e cooperação para com a UEFA e a Associação de Clubes Europeus (ECA), opondo-se à Superliga.

    MAS, AFINAL, QUAL É O MODELO PROPOSTO?

    Depois do alarido provocado pela deliberação a favor da «liga zombie», como lhe chama Ceferin, a A22 Sports Management, empresa responsável pela Superliga, mostrou ao mundo o modelo da competição. De acordo com a informação partilhada pela empresa europeia, a Superliga terá sempre duas fases – campeonato e eliminatórias – e será dividida em três escalões diferentes, com subidas e descidas: a Star League (16 equipas), a Gold League (16 equipas) e a Blue League (32 equipas). O acesso a esta última divisão é feito de acordo com o desempenho dos clubes nos seus respectivos campeonatos. No primeiro ano, a seleção é feita tendo por base um índice que mede o sucesso desportivo. Cada clube fará, no mínimo, 14 jogos por época na competição.

    Bernard Reichart, CEO da A22, garante que não haverá membros permanentes e que a competição é baseada no mérito desportivo. Embora na teoria o alemão não esteja a mentir, este não deixa de ser um modelo injusto para muitos clubes, mas principalmente para os adeptos do futebol (são eles que alimentam o desporto ao qual chamamos ‘the beautiful game’). Por exemplo, o Newcastle United FC garantiu, fruto da ótima prestação interna na época passada, o regresso à Liga dos Campeões 20 anos depois, possibilitando a milhares de adeptos a alegria imensa de verem o seu clube competir no maior palco do futebol europeu (alguns pela primeira vez). No entanto, de acordo com o modelo competitivo da Superliga, os Magpies não seriam merecedores de disputar a maior prova de clubes do mundo. Para isso, teriam que ultrapassar outros emblemas, durante uma época inteira, numa divisão inferior, ou talvez até duas.

    Aliás, de acordo com as previsões, sete dos 16 clubes apurados para os oitavos-de-final da atual Liga dos Campeões, não estariam sequer no escalão máximo da Superliga Europeia. São os casos de: Arsenal, SSC Napoli, Real Sociedad de Fútbol, PSV Eindhoven, SS Lazio, FC Copenhaga e RB Leipzig.

    Como se isto não bastasse, Bernard Reichart anunciou também o desejo de fazer o mesmo com o futebol feminino, que, independentemente de tudo aquilo que se possa dizer acerca da espetacularidade do mesmo, é a personificação perfeita, ou pelo menos mais próxima, do futebol pelo qual milhões e milhões de pessoas se apaixonaram por todo o mundo. Longe da sujidade provocada pelo dinheiro e ganância. O desporto é o mesmo, as regras são as mesmas, mas os valores são outros.

    NO DUELO ENTRE SUPERLIGA E UEFA, EU ESCOLHO O FUTEBOL 

    Lucas Moura Onana Ajax Tottenham Superliga Europeia
    Fonte: Tottenham Hotspur FC

    Embora concorde com o jornalista português João Moleira, que nos diz, através de um livro da sua autoria, que O Que Nasce Torto Também se Endireita, o ditado popular, por outro lado, é perentório ao afirmar que “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”. Talvez seja este o caso da Superliga, pelo menos assim espero.

    Não estou com isto a querer enaltecer o trabalho que tem sido desenvolvido pela UEFA, até porque aquilo que não falta ao organismo regulador do futebol europeu são telhados de vidro – a questão do fairplay financeiro tem sido, por exemplo, uma ‘piada’, com os clubes mais ricos a esbanjarem dinheiro atrás de dinheiro sem grandes consequências; há cada vez mais jogos por ano, entre clubes e seleções, colocando em risco a condição física dos jogadores e, por consequência, a qualidade do jogo, entre outras polémicas.

    Apesar disso, compactuar com a criação de uma Superliga é ir contra aquilo que nos resta dos valores tradicionais do futebol, que infelizmente já é muito pouco. É quase como uma “americanização do futebol europeu”. Tudo é um show e a finalidade principal é sempre o lucro. Para Florentino Pérez, que há uns tempos referiu que «os jovens já não se interessam por futebol porque há muitos jogos de má qualidade» (esqueceu-se do Real Madrid CF 1-4 Ajax AFC), o importante é haver um Real Madrid x Manchester City, um Barcelona x Bayern de Munique ou um Liverpool x PSG todas as semanas. Para o dirigente espanhol, só assim o futebol se salvará da sua morte.

    No entanto, receio que a normalização dos jogos de elite a toda a hora venha a produzir exatamente o efeito oposto. O mais especial desses jogos é precisamente o facto de não acontecerem frequentemente. O mundo para p’ra ver um Bayern x Real Madrid porque não acontece todos os anos e tem sempre a si associado uma essência de jogo a eliminar típico de Champions League. É um grande duelo, entre duas grandes equipas, com um elevado valor histórico e que não tem uma data predefinida para um eventual próximo jogo. Tornando-se habitual, deixará de ser especial (e único).

    Além disso, tal situação só irá contribuir para o aumento do fosso económico entre os ‘grandes’ e os ‘pequenos’. E os auto-denominados ‘grandes’ sabem perfeitamente disso. Os mais fortes ficarão ainda mais fortes, e os mais fracos, no qual incluo os clubes portugueses por razões financeiras, terão ainda mais dificuldades para rivalizar com os ‘tubarões’. Em boa verdade, o modelo da Superliga só vai fazer com que sejam cada vez mais raros os episódios de caminhadas heroicas na mais importante prova de clubes da Europa. Deixaremos de ter campanhas como as de Tottenham e Ajax, em 2019, bem como de Atalanta BC e Olympique Lyonnais, em 2020. Já para não falar de 2004, quando o FC Porto bateu o AS Monaco na final, depois de eliminar o RC Deportivo na eliminatória anterior.

    O futebol parece estar entregue a quem muito pouco gosta dele.

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