Saber falar é bom; saber do que se fala é importante – Drible de Letra #11

“Quanto mais ignorantes forem os nossos jovens, menos capazes serão para descodificarem a linguagem de quem lhes papagueia números.” A frase é de João Duque, numa das suas crónicas no Expresso e fez eco nos stories de Instagram durante a semana. Gostei de ler. Não a sentença que a frase dita, mas que há a consciência deste facto. E eu, que já há tempos martelo nesta tecla em rodas de conversa, não posso deixar de ponderar: será esta lacuna na educação financeira da escola (pública?), digamos, intencional?

Alguns acusam-me de ver fantasmas onde não os há, mas persiste a dúvida: por que motivo nos ensinam a dança dos catetos com a hipotenusa e nos deixam às cegas sobre o preenchimento do IRS, os mistérios dos descontos salariais, ou o bailado dos recibos verdes? Onde estão as aulas sobre os rudimentos da economia, ou um debate sobre a aproximação entre o salário mínimo e o médio?

Claro que devemos ser cidadãos cultos e, como diria alguém, “o saber não ocupa lugar”, mas a verdade é que não me recordo de a hipotenusa me ter sido útil nalgum dia da minha vida e consigo, inclusive, indicar centenas de pessoas que vivem na mesmo dilema. E, por outro lado, milhares se beneficiariam de desvendar os segredos que realmente movem o mundo: as finanças, os impostos, a dança dos salários. Porque será que a escola (pública?) parece esquivar-se de tais ensinamentos?

Será que há vantagem em manter os jovens à margem do entendimento financeiro? Afinal, quando esses jovens assumem o papel de adultos, a ausência dessa literacia, por opção ou falta de oportunidade, poderá fazer com que promessas de aumentos simbólicos (30 Euros?!) no ordenado mínimo soem como música para seus ouvidos, ou que o eco de um discurso político se transforme no canto de sereia que os encanta. E, “vem aí o Chega”, torna-se um refrão popular, um mantra que se repete sem que se perceba a letra da canção.

O discernimento, esse farol na névoa, é vital. Não só na escolha da companhia com quem partilhamos a vida, mas também na seleção de quem confiamos o nosso capital. Emergem interrogações sobre o novo maior acionista do Grupo Global Media, envolto em mistério tal como o fundo por detrás dele. Um fundo que vem com um rastro de notas nos Paradise Papers e nos Bahama Leaks, o que não augura nada que se pareça com um conto de fadas. Pior ainda é o que transpira das entranhas do grupo: trabalhadores a enfrentarem a ameaça do vazio, a laborarem sem a contrapartida dos seus salários. Se o plano era resgatar o grupo da tormenta, o que transparece é um naufrágio anunciado.

Os jornalistas e profissionais, alguns dos quais meus antigos colegas, a quem o orgulho me ligou, não mereciam ser marionetes desta tragédia financeira. Que se escarafunche a verdade, que se arranquem respostas desta situação espectral, e que, com urgência, se encontre um desfecho justo. E que este caso sirva de lição: tanto no voto como nos negócios, a escolha deve ser precedida pelo estudo, pela análise, pelo conhecimento. Porque, no final, a informação é a única moeda que não desvaloriza na bolsa das decisões.

Também é importante saber falar. Mas saber do que se fala é ainda mais primordial.

Islam Slimani
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

Em debates sobre saúde (não sobre serviços de saúde), chama-se médicos; se o assunto é economia, convoca-se economistas; para dissecar estratégias militares, os generais tomam a palavra; mas quando o futebol entra em cena, para problematizar o sistema tático utilizado por Rúben Amorim, Roger Schmidt ou Sérgio Conceição, parece que o convite se estende a uma audiência mais eclética: juristas, cozinheiros, atores, e até o quem, por acaso, ia ali a passar na rua. Não estou a sugerir que um olhar multidisciplinar sobre os temas seja dispensável, ou que problemas transversais na saúde, educação, habitação ou desporto não possam ser ponderados por mentes de outros campos de saber.

A minha observação toca nos meandros específicos de cada disciplina. As complexidades de uma cirurgia, os labirintos da bolsa ou os intricados movimentos táticos das forças armadas são, com justiça, território dos especialistas. Mas a tática futebolística, o famoso 4-4-2, parece ser dominada por todos. Será mesmo assim? Ou será que aqui tropeçamos na pedra angular do discurso: a capacidade de discernir o trigo do joio, o sinal do ruído, a substância da fumaça? Ao fim e ao cabo, enfrentamos o dilema que inaugurou estas linhas: até que ponto estamos apetrechados para filtrar a essência daquilo que nos é servido como verdade?

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