O jogo das cadeiras dos treinadores mundiais

    Hoje escrevo sobre um tema que me é bastante querido e que está relacionado com a forma, na minha perspetiva muitas vezes absurda, como são tratados os treinadores de futebol um pouco por todo o mundo. Como em todas as áreas profissionais, há pessoas mais ou menos competentes, há pessoas que chegam a cargos de importância pelo mérito e pelo percurso consistente e outros que “dão o salto” sem grande currículo ou percurso que o justifique. Relativamente a este ponto não me vou pronunciar e até posso entender que exista alguma revolta, por vezes até dentro da própria classe profissional, porque como se costuma dizer “uns são filhos e outros enteados” e isto é algo que nunca cai bem.

    A perspetiva que venho abordar no presente texto, já é uma “fase dois” do processo de contratação dos treinadores, que tem que ver com o pavio curto e total falta de confiança e crença nos projetos, ou em alguns casos um “desgaste” injustificado.

    Não raras vezes, vemos treinadores titulados, com provas dadas nesse mesmo clube, a serem completamente secundarizados e arrasados por opções táticas ou por determinados resultados menos positivos, tanto do lado da comunicação social como do lado dos próprios adeptos e dirigentes. Um treinador pode ter ganho dois ou três campeonatos num clube, mas se tiver uma época menos positiva, fica imediatamente posicionado para a saída. Só raras vezes (normalmente em clubes com uma estrutura organizacional e liderança muito forte), se consegue resistir a esta “pressão social” que pretende ver sempre a mesma cabeça a rolar, mesmo que existam mil fatores externos a influenciar o rendimento da equipa, como falta de investimento, lesões, problemas de balneário ou erros de arbitragem. Diria até, que em alguns casos o fator sorte é absolutamente preponderante para a continuidade de um treinador.

    Falando no caso concreto de Portugal, temos números assustadores. A quantidade de técnicos que são despedidos no decorrer de cada época desportiva é aterrador e um sinal claro da falta de memória de adeptos e dirigentes. Analisando o momento atual, e tendo em conta a boa época do Sporting Clube de Portugal, temos treinadores titulados e conceituados, como Sérgio Conceição, Jorge Jesus ou Fernando Santos, constantemente debaixo de fogo. Quando não ganham, não servem. Quando ganham, também não servem porque as equipas alegadamente jogam mau futebol.  Mesmo quando ganham e as estatísticas comprovam que a equipa foi melhor em todas as vertentes do jogo, muito vezes vem o discurso do “não me identifico com as ideias” ou então “já é muito tempo com o mesmo treinador, precisamos de algo novo”. Os portugueses nunca estão bem com a vida que têm, e não há nada que os deixe mais entusiasmados do que apresentar um novo técnico ou novos jogadores. Antes de tudo começar, quando a única coisa que existe é expectativa, é talvez o único período do ano em que o grosso dos adeptos portugueses está feliz.


    Uma mentalidade que nunca vou conseguir entender. A falta de coerência de pensamento é uma coisa que me incomoda e que tenho dificuldade em aceitar. Eu assumo-me como um resultadista puro, alguém que olha para títulos, resultados e números. Por isso mesmo, nunca ninguém me viu defender que um treinador tem de ser substituído porque ganha, mas pratica mau futebol ou não me identifico com as ideias. Percebo que existam adeptos que não sejam tão centrados nos resultados e mais na parte estética do jogo, mas então que não venham mais tarde defender que o treinador da sua equipa deve abandonar o projeto porque tenta implementar uma ideia de jogo mais romântica, que permite boas exibições, mas que aqui ou ali acaba por claudicar nos resultados finais. Equipas perfeitas existiram muito poucas ao longo da história e é necessário entender que o futebol não é, nem nunca será, uma ciência exata, ainda que existam indícios que ajudam a explicar muita coisa.

    Depois ainda há outra questão: o acreditar num projeto e numa ideia. Quando um clube ou os próprios adeptos defendem a contratação de um técnico para orientar a sua equipa, têm de se lembrar que contratam alguém pelo seu todo, com determinadas ideias e conceções de jogo e com todos os defeitos e qualidades que estão inerentes. Esta cisma de contratar um treinador (e vamos criar uma situação hipotética) que joga em 3x5x2, normalmente mais numa toada de transições rápidas e depois ficarmos aborrecidos porque ele não joga em 4x3x3 procurando a posse de bola a toda a hora, simplesmente não faz sentido. Se contratamos alguém, temos de acreditar nas suas ideias, principalmente quando é alguém com provas dadas. Todos os treinadores têm as suas limitações: uns são bons no momento defensivo e têm dificuldade em assumir o controlo do jogo, uns assumem bem o jogo mas têm imensas dificuldades quando não estão com a posse de bola, uns não conseguem montar equipas que fazem a diferença nas bolas paradas enquanto outros são fortíssimos nesse momento do jogo. O futebol é rico em ideias, em sistemas, dinâmicas e variantes e é preciso deixar os treinadores brilharem naquilo em que são bons e podem fazer a diferença, ainda que aquela ideia não seja a minha conceção de futebol ideal. Inteligente é aquele que percebe as suas forças e as suas limitações.

    Terminado este meu desabado, trago para a discussão dois países – Turquia e Brasil – para dar dois exemplos práticos.

    No campeonato turco, com mais de trinta jornadas disputadas, já se registaram vinte e oito despedimentos ou demissões de treinadores, sendo que o campeonato é constituído por vinte e uma equipas.

    O Kayserispor, por exemplo, já vai no quarto treinador, sendo que, pelo meio, ainda teve mais dois interinos. Mas estes números surreais não ficam por aqui, o Gençlerbirliği e o Kasimpasa também já tiveram quatro técnicos (só nesta época) enquanto o Denizlispor e o Erzurumspor três. Nesta dança de treinadores, só cinco clubes não fizeram qualquer alteração no comando técnico desde o início da temporada.  Destaque para um facto que me parece de louvar – existem apenas dois treinadores estrangeiros nesta vasta lista, e um até é português – Ricardo Sá Pinto, que apesar de um começo difícil, parece ter encontrado alguma estabilidade. O treinador português está no comando do Gazinatep desde janeiro e, entretanto, até já foi um dos destaques apontados pelo jornal Fanatik.  O antigo treinador do Sporting Clube de Braga venceu três jogos, empatou quatro e perdeu outros quatro. Os números não são brilhantes, mas permitiram à equipa subir na tabela classificativa e começar a respirar com mais tranquilidade.


    No ponto absolutamente oposto, a Confederação Brasileira de Futebol decidiu limitar as trocas de técnicos, impondo restrições a clubes e treinadores nas Séries A e B do campeonato brasileiro. A partir de 2021, o Campeonato brasileiro tem uma nova regra, sendo que agora cada equipa só pode ter apenas dois técnicos ao longo da competição, assim como os treinadores só podem trabalhar em dois clubes ao longo da temporada. Esta limitação pode trazer mudanças importantes não só no planeamento como na administração dos clubes. Para os profissionais envolvidos no futebol, e na senda do que fui falando anteriormente, esta estabilidade será um fator positivo para a implementação dos projetos desportivos.

    ​Desde que a alteração foi divulgada, muitos especialistas têm questionado a legalidade desta norma, tendo em vista que, num primeiro momento, poderá existir uma violação do princípio da liberdade do trabalho. No entanto, a limitação do número de demissões de técnicos não foi imposta pela entidade máxima de administração do desporto, mas sim deliberada e votada pelos respetivos clubes, sendo que nada proíbe a contratação de mais do que dois técnicos, desde que não seja para serem treinadores principais das equipas seniores.

    ​Teremos aqui um primeiro sinal para o futuro?

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