O super-odiado histórico checo

    Todos nós conhecemos a história do RasenBallsport Leipzig e o modo como este clube é generalizadamente odiado por toda a Alemanha. É uma história já plenamente difundida por todos os media ao longo do mundo.

    A história que eu vós trago hoje é semelhante, mas diferente. Confuso? Eu explico. Tal como acontece na Alemanha, existe um clube na República Checa que é generalizadamente odiado por toda a República Checa. A diferença prende-se no facto de falarmos de um clube, ao contrário do Leipzig, com bastante história, e de este ódio ter origem em fatores políticos.

    Falo-vos do FK Dukla Praha. Antes de irmos ao presente deste clube, vale muito a pena recordar e resumir a história deste clube checo.

    O Dukla de Praga foi fundado em 1948 sob o nome de Armádní tělovýchovný klub (ATK) Praha, o que significa em português, qualquer coisa como Clube Desportivo Militar. Pelo nome rapidamente percebemos que o Dukla era um clube formado com base do exército da Checoslováquia.

    O clube a partir da sua fundação começou logo a disputar a primeira divisão e conquistou o primeiro titulo nacional da Checoslováquia em 1953. Este seria apenas a ponta do iceberg para todo o ódio que o Dukla “conquistaria” ao longo dos anos.

    Por ser um clube militar, o governo comunista da Checoslováquia privilegiava este clube em termos desportivos. De modo a reunir os melhores jogadores checos, o governo decidia que como parte do serviço militar obrigatório os melhores jogadores checos teriam que jogar no Dukla de Praga. O Slavia de Praga, que era o clube dominante na Checoslováquia, no periodo anterior ao Dukla de Praga, perdeu mais de metade da sua equipa para o Dukla de Praga devido a esta “regra” que facilitava e muito o trabalho ao Dukla.

    Fonte: Trivela

    Depois da conquista do primeiro titulo em 1953, o clube mudou o seu nome para Ústřední dům armády (ÚDA) Praha, significa qualquer coisa como Casa do Exército.

    O nome ‘Dukla’ vem passados três anos, em 1956, e seria esse o nome que assentaria para sempre.  No entanto, enganem-se os que pensavam que seria este nome a apagar as referência militares ao clube. Na verdade, ‘Dukla’ é uma referência a uma batalha da Segunda Guerra Mundial, A Batalha da Passagem de Dukla, em que o exército vermelho “libertou” definitivamente dos Nazis a Checoslováquia.

    O clube era definitivamente o clube do regime comunista na Checoslováquia, não havia volta a dar quanto a isso. Era a bandeira em termos desportivos que o regime queria dar à Europa.

    Josef Masopust e Eusébio antes do encontro entre Dukla Praga e Benfica
    Fonte: FK Dukla Praga

    Dominou praticamente  todo o futebol checoslovaco nos anos 60, e assumiu-se, durante este período, como uma das mais entusiasmantes equipas do Leste Europeu.

    O seu percurso europeu durante esta década fica marcada pela brilhante campanha na Taça dos Campeões Europeus, em 1966/1967, quando atingiu as meias finais e perdeu para aquele que acabaria por ser coroado o vencedor da competição, numa final disputada em Lisboa, o Celtic Football Club.

    O Dukla pode-se também orgulhar de ter sido o clube que mais jogadores deu à seleção nacional da Checoslováquia, no Campeonato do Mundo de 1962, em que acabaram brilhantemente num segundo lugar, tendo perdido para o Brasil por 3-1. A estrela dessa equipa, e considerado por muitos como o melhor jogador checo de todos os tempos, era Josef Masopust. Masopust fez de resto praticamente toda a sua carreira no Dukla de Praga, sendo por isso considerado como o ícone do Dukla de Praga. A ex-glória tem uma estátua à entrada do estádio do Dukla de Praga, o Juliska.

    A estátua de Josef Masopust no Juliska                                                                                            Fonte: Rui Cipriano/Bola na Rede

    A próxima grande campanha europeia do Dukla seria na Taça das Taças em 1985/1986. E desta vez com equipas portuguesas à mistura.

    Já depois de ter encontrado o Benfica de Eusébio, nos quartos de final da Taça dos Campeões Europeus, em 1963, voltou a encontrar o conjunto encarnado nos quartos de final da Taça das Taças, em 1985/1986. O Dukla venceu por 1-0 o Benfica, no Juliska, e na segunda mão, no imponente Estádio da Luz, não se amedrontou e perdeu por 2-1, vencendo a eliminatória por golos fora.

    1º Mão:

    2º Mão:

    Voltou assim, a atingir as meias-finais de uma competição europeia, e perdeu novamente para a equipa que seria coroada vencedora da competição, outro grande clube de Leste, o Football Club Dynamo Kyiv.

    Esta campanha europeia foi já nos limites da resistência comunista, acontecendo a sua queda definitiva em 1989. Como seria de esperar de um clube cujo o grande suporte, ao longo da sua história, foi o exército e o apoio governamental comunista, a queda do comunismo na Checoslováquia marcou o fim de uma era do Dukla de Praga.

    Tirou-se a ligação do exército ao Dukla e o apoio governamental e tirou-se tudo. O Dukla não estava preparado para um futuro “sozinho”, nunca haveria estado sozinho ao longo da sua história. E a forte ligação entre o clube e o comunismo fez com que um ódio generalizado à sua volta fosse criado, dificultando ainda mais a sua adaptação à nova realidade.

    O clube caiu numa grave crise financeira, sem conseguir encontrar patrocinadores, quem queria estar ligado ao clube do comunismo? A primeira edição da Liga da Republica Checa, após a separação da Checoslováquia, marca a descida do Dukla. Durante toda a época o Dukla de Praga conseguiu apenas dez pontos(!). Ainda assim, o Dukla deu ao futebol um último presente seu, podemos dizer que um presente de despedida do velho Dukla, Pavel Nedvěd.

    Pavel Nedvěd com a camisola do Dukla                                                                                           Fonte: iDNES.cz

    Nedvěd teve a sua primeira época como sénior na fatídica época em que o Dukla apenas amealhou dez pontos. Após o desaparecimento do Dukla, Pavel Nedvěd transfere-se para o AC Sparta Praha onde concluiria a sua evolução até atingir o topo.

    O que aconteceu em seguida ao Dukla Praga? Bem, o velhinho clube morreu definitivamente com o comunismo, mas há uma “disputa” sobre o seu legado.

    Bohumir Duricko, o último dono do Dukla, decidiu fundir o clube com um outro clube da Segunda Liga Checa, a 40 km da cidade de Praga, o FK Přibram. As cores deste clube são preto e verde, mas, ainda assim, as cores das bancadas do seu estádio, Na Litavce, possuem o vermelho e dourado do Dukla, fazendo uma clara menção ao legado do Dukla Praga. Este clube disputa a Primeira Liga Checa desde 2008.

    Quem conhece a Liga Checa estará nesta altura, certamente confuso… Se o FK Přibram é o sucessor do Dukla Praga, de onde vem o atual FK Dukla Praga, que também disputa a Primeira Liga Checa?

    Bem, vem de um clube chamado FK Dukla Dejvice, que ocupava o mesmo distrito de Praga, Praga 6, do icónico estádio do antigo Dukla, o Juliska. Este clube decidiu voltar a dar vida ao estádio Juliska, disputando os seus jogos ali, trazendo consigo as cores do antigo Dukla Praga e o seu logo.

    O clube aproveitou a falência de um clube da Segunda Liga Checa, o Jakubčovice, e ocupou a sua vaga nessa mesma liga. Em 2011 o novo FK Dukla Praga completou o seu projeto, subindo de divisão para a Primeira Liga Checa. Desde então FK Dukla Praga e FK Přibram disputam a mesma divisão, sendo a eterna discussão, quem é o legitimo sucessor do velhinho Dukla?

    Bem, eu diria que o FK Dukla Praga, por ter optado por se manter fiel às cores, ao logo e ao estádio, será o mais fiel sucessor, no entanto legalmente será o FK Přibram o sucessor do Dukla.

    Apesar de toda esta história, o confronto entre ambos os clubes é pacifico, não existindo qualquer rivalidade agressiva. Os dois clubes nunca conseguiram afirmar-se mais do que clubes de média dimensão e disputam todos os anos o meio da tabela. O atual FK Dukla Praga é, sem dúvida, o clube com menor expressão em toda a cidade de Praga.

    O estádio Juliska foi renovado em 2011
    Fonte: FK Dukla Praha

    Apesar de ali se ter assistido a muita glória no passado, e de estar situado na capital da República Checa, o estádio Juliska atualmente nunca ocupa os seus 19.000 lugares de ocupação, nem perto disso.

    A fan base atual do FK Dukla Praga é maioritariamente “velha”, sendo que os poucos jovens que se acabam por converter ao clube será por passagem geracional. O clube enfrentará eternamente as suas ligações ao regime comunista que dificultam e muito o “recrutamento” de novos adeptos.

    Parece incrível que estejamos a falar de um clube que deu à República Checa dois Bolas de Ouro, Josef Masopust e Pavel Nedvěd. Na República Checa não têm dúvidas em apelidar o Dukla Praga como o “super-campeão odiado”.

    A atual época pode muito bem marcar a nova descida do FK Dukla Praga, que se encontra, neste momento, em último lugar da Liga Checa, com apenas 16 pontos.

    Foto de capa: FK Dukla Praha

    Artigo revisto por: Jorge Neves

     

     

     

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    Rui Pedro Cipriano
    Rui Pedro Ciprianohttp://www.bolanarede.pt
    Nascido e criado no interior, na Covilhã, é estudante de Ciências da Comunicação, na Universidade da Beira Interior. É apaixonado pelo futebol, principalmente pelas ligas mais desconhecidas, onde ainda perdura a sua essência e paixão.                                                                                                                                                 O Rui escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.