No dia seguinte voltaríamos para as nossas dores, mas naquele momento Portugal estava prestes a passar às meias-finais de um campeonato do mundo. Uma alegria para voltarmos a sofrer num futuro próximo. O futebol está sempre a fazer-nos destas, a dar-nos sofrimentos mesquinhos antes de podermos ser convictamente felizes por umas horas, só por umas horas. Na verdade, o Cristiano Ronaldo poderia falhar aquela bola,
Portugal derrotaria Inglaterra por 2-1 se o atual capitão falhasse aquele penálti, porém, naquela hora, ainda nos beliscávamos, ainda não percebíamos bem o que estava a acontecer. Esperávamos a confirmação do antigo nº 17. O que acabou por acontecer. A bola batia na rede, Portugal ganhava o jogo e nós festejávamos como podíamos. Nesse preciso momento uma mulher abriu bruscamente a porta da carruagem, e, enquanto agarrava nas saias que faziam lembrar um traje típico, exclamava:
– Olha, mulher… até fiz chichi pela saia abaixo!
Este foi um dos momentos mais intensos que me lembro de ter vivido com a seleção apesar de não ter visto o jogo. Lembro-me mais daquelas pessoas, daquela carruagem do que dos jogadores. A história poderia acabar aqui. Não está longe de terminar, mas gostava que aguentassem comigo mais uma estação.
Lembro-me de mais algumas situações em que sofri pelo jogo sem o conseguir ver. Uma vez na faculdade estava a fazer exame num auditório cheio enquanto Portugal tinha um jogo decisivo. Não me lembro sequer do jogo em questão. Recordo-me bem da tensão daquela sala. Com os olhos de todos a esbarrem constantemente no relógio. Se alguém pegasse num telemóvel não era em busca de copianço, era de resultados. Eu queria passar à disciplina, mas sempre que puxava pela cabeça os meus olhos desviam-se para o relógio e do relógio para os pés do Ronaldo era um instante.