A glamorosa vitória de Portugal por 9-1 frente à Arménia fez esquecer os erros cometidos diante da Hungria, em solo português, bem como o jogo enfadonho em Dublin, que terminou com a vitória da Irlanda por 2-0. O encontro frente à seleção irlandesa foi, porventura, o pior desde o início da era Roberto Martínez, que tem sido marcada por decisões estratégicas questionáveis, por convocatórias controversas e por planos de jogo que, não raras vezes, saíram completamente furados e desenquadrados, camuflados pela conquista de uma Liga das Nações conseguida pelo talento individual dos jogadores portugueses.
O treinador de 52 anos rendeu Fernando Santos no comando técnico da seleção nacional logo após o Mundial 2022. Olhando para os resultados de uma forma geral, o trabalho do ex-técnico da Bélgica ilude, uma vez que parece evidenciar uma identidade ganhadora e competitiva, graças às 24 vitórias (incluindo duas em grandes penalidades) em 31 partidas oficiais. Embora não goste de reduzir o futebol a números, quero, desde já, justificar esta alta percentagem de vitórias – cerca de 77% – desde a chegada de Roberto Martínez ao cargo de selecionador de Portugal.
Na qualificação para o Euro 2024, por exemplo, Portugal conseguiu apurar-se com dez vitórias em igual número de jogos. Porém, vale a pena salientar que as equipas contra as quais a seleção nacional disputou a entrada nesse Europeu foram a Islândia, a Bósnia e Herzegovina, a Eslováquia, o Luxemburgo e o Liechtenstein. Dessas cinco seleções, à data desses confrontos, a nação com um lugar mais acima no ranking FIFA era a Eslováquia, que ocupava a 45.ª posição, atrás de países como o Panamá, a Roménia ou a Austrália. Portugal, por outro lado, encontrava-se no sétimo posto.


Na fase final desse mesmo Campeonato da Europa, a taxa de vitórias da seleção portuguesa já foi bem menor. Em cinco jogos, Portugal venceu apenas duas partidas no tempo regulamentar. Para além das vitórias frente a Chéquia (no último minuto, com golo de Francisco Conceição) e Turquia, perdeu por 2-0 com a Geórgia na fase de grupos e só conseguiu eliminar a Eslovénia nas grandes penalidades. Acabou derrotado pela França, nos quartos de final, no desempate da marca dos 11 metros, não tendo marcado qualquer golo nos últimos três jogos nesse Europeu.
Mesmo na edição mais recente da Liga das Nações, que, como referido, foi conquistada já com o treinador de nacionalidade espanhola no comando técnico de Portugal, a vitória final é enganadora e pouco representativa da qualidade exibicional apresentada. Apesar de uma fase-de-grupos em que os resultados acabaram por sorrir à seleção nacional, e na qual a equipa conseguiu uma média superior a dois golos marcados – o que, mais uma vez, é redutor e explica-se, desde logo, pela qualidade inferior dos jogadores de Croácia, Polónia e Escócia face aos atletas portugueses -, houve exibições paupérrimas. A visita à Escócia refletiu isso mesmo.
Mesmo assim, nos oitavos de final, o deserto de ideias do selecionador nacional foi ainda mais exposto. A eliminatória com a Dinamarca sorriu a Portugal porque Diogo Costa impediu os nórdicos de trazerem uma vantagem superior para a segunda-mão e Francisco Trincão foi estrelinha portuguesa no confronto em Alvalade. Sobretudo o primeiro encontro frente aos nórdicos foi paradigmático daquilo que é o “normal” do Portugal de Roberto Martínez: apesar de ter tido mais posse de bola, a equipa lusa mostrou muito pouca criatividade ofensiva, conseguindo um total de oito remates, dos quais dois à baliza de Schmeichel.


No lado oposto, a Dinamarca fez 23 remates, com nove deles a serem defendidos pelo guarda-redes português. Estes dados refletem bem a pobreza do jogo posicional de Portugal, sobretudo quando Cristiano Ronaldo está em campo, já que a equipa é instruída a jogar pelos corredores laterais para procurar o jogo aéreo do avançado. Como tal, nessa partida, Portugal efetuou um total de 22 cruzamentos…sendo que apenas sete deles tiveram correspondência. O cenário é ainda mais negro quando se verifica que em todo o torneio apenas 20% dos cruzamentos foram eficazes.
É, portanto, notório que, mesmo nos melhores momentos da seleção, há claras lacunas no jogo de Portugal. O problema estrutural da seleção portuguesa continua muito evidenciado. A ideia de gratidão, tal como já tinha acontecido com Fernando Santos, justifica a titularidade absoluta de Cristiano Ronaldo, que acaba por ter impacto no modo de jogar da seleção portuguesa. A personalidade de CR7 não lhe permite ser uma mais-valia para Portugal enquanto pedagogo, motivador de balneário e suplente de luxo.
Ao dia de hoje, Cristiano não ajuda nem no momento com bola, nem na reação à perda. Gonçalo Ramos, por outro lado, não só permite criar maior imprevisibilidade no ataque português, abrindo espaço aos movimentos de rotura dos médios e arrastando marcação, como é o primeiro a saltar na pressão. Esse compromisso defensivo e reação à perda é algo fundamental no futebol moderno e na subida de Portugal para um outro patamar competitivo, que lhe permitirá lutar, de forma mais realista e recorrente, pela conquista de uma grande prova.


Mesmo para aqueles que teimam em reduzir o papel de um avançado a golos, importa estar atento ao seguinte dado estatístico: desde a época 2022/2023, altura em que Gonçalo Ramos se estreou pela seleção nacional, o avançado do PSG conta com uma média de golos marcado por 90 minutos superior à de Cristiano Ronaldo, apenas em jogos oficiais por Portugal. Quando se somam assistências, a diferença acentua-se ainda mais.
A incapacidade de Martínez em lidar com os jogadores mais influentes e mediáticos pode muito bem vir a ser um problema nas aspirações de Portugal para o próximo Campeonato do Mundo. O técnico que sucedeu a Fernando Santos parece continuar com dificuldade em lidar com os jogadores mais experientes, comprometendo o próprio plano de jogo. A falta de coerência do selecionador é recorrente. Do ponto de vista comunicacional, adotando uma postura politicamente correta, não é direto, frontal e sincero, pelo que elogia e promete mundos e fundos a jogadores que, quando chega o momento de decidir, caem da convocatória ou do 11 titular. Roberto Martínez, variando mais o leque de convocados ou, pelo menos, de titulares, poderia promover maior competitividade, experiência e motivação no grupo de trabalho. Numa perspetiva mais técnico-tática, não se percebem algumas escolhas, como a utilização de jogadores de determinados perfis para ocuparem terrenos e cumprirem funções que não potenciam as suas maiores qualidades. A juntar a tudo isto, depois de quase três anos de trabalho, continua a ser difícil definir a filosofia e método de jogo/treino do líder da Seleção das Quinas.


Nunca tendo visto um conjunto de jogadores portugueses tão forte quanto este, ao que se lhe junta a vontade de honrar e relembrar Diogo Jota, acredito realmente no potencial da nossa seleção. É justamente por isso que sou tão critico e exigente para com o selecionador nacional. A qualidade e profundidade do plantel são inegáveis. Porém, os detalhes em competições desta magnitude fazem toda a diferença. Portanto, Roberto Martínez terá de retificar os erros que tem vindo a cometer.
É essencial que se olhe para a conquista do Mundial como o objetivo principal. É fundamental que ninguém se sinta na legitimidade de se sobrepor ao grupo e, acima de tudo, que o selecionador e a Federação Portuguesa de Futebol não sejam coniventes com isso. É ainda de imperial importância que ganhar o Mundial seja um sonho partilhado por todos. Se o coletivo absorver o melhor de cada um e se todos trabalharem para o coletivo, Portugal tem todas as condições para lutar pelo título de Campeão do Mundo.

