Pela primeira vez na história, Holanda e Costa Rica defrontavam-se num jogo oficial. Não havia portanto melhor palco que o Arena Fonte Nova, em Salvador da Bahia, para assistir a um encontro histórico que valia o último passaporte para as meias-finais do Campeonato do Mundo. De um lado, uma das equipas mais dominadoras da competição: depois da goleada aplicada naquele mesmo estádio frente à campeã do mundo Espanha, a Holanda chegava a esta partida decisiva vinda de um suado apuramento conquistado nos últimos minutos frente ao México. Do outro, tínhamos aquela que é considerada a grande revelação da prova: a Costa Rica. Treinada por Jorge Luís Pinto e comandada dentro de campo pelo gigante Keylor Navas e pela temível dupla Joel Campbell-Bryan Ruiz, os costa-riquenhos entravam em campo com o sonho de continuar a construir o castelo de sonho que começou a ser projetado no chamado “grupo da morte”, um grupo com três ex-campeões mundiais, em que a Costa Rica levou a melhor.
Holanda e Costa Rica começaram esta partida de forma desfalcada: na equipa de Louis Van Gaal, destaque para as ausências do lesionado De Jong e de Paul Verhaegh, que foram rendidos por Bruno Martins Indi e Memphis Depay. Com estas alterações, Van Gaal continuou com a opção de colocar o “camaleão tático” Kuyt na lateral direita, deixando Blind como defesa-esquerdo e optando por uma defesa com 3 centrais. No meio-campo, Wijnaldum atuou como médio mais recuado, dando apoio ao médio criativo Wesley Sneijder, que tinha como principal função alimentar os três avançados da equipa: Depay na ala esquerda, Arjen Robben no flanco direito e Robin Van Persie no centro do ataque. Em contrapartida, a Costa Rica apenas fez uma alteração no onze, com Jorge Luís Pinto a lançar Johnny Acosta para o lugar do castigado Óscar Duarte. Ao olhar para o esquema tático das equipas percebia-se que, apesar da diferença natural entre os protagonistas da partida, Van Gaal e Pinto tinham projetado o mesmo sistema tático, com 3 jogadores no eixo da defesa, 2 médios-centro, 2 alas com projeção ofensiva e 3 jogadores libertos na frente de ataque.
Como seria de esperar, os primeiros minutos da partida mostraram uma equipa holandesa a querer tomar conta da partida. Com um ritmo de jogo pouco intenso, muito em virtude das dificuldades que foi encontrando na primeira fase de construção, a seleção de Van Gaal nunca conseguiu imprimir muito dinamismo ao seu jogo ofensivo e apenas a criatividade de Sneijder ao serviço do jogo pelas faixas de Depay e Robben ia criando perigo à baliza de Navas. Do lado costa-riquenho, José Luís Pinto optou por não se esconder da partida e não teve receio do ponto forte da “laranja mecânica”: o jogo pelas alas. Por isso, não raras vezes os laterais Gamboa e Diaz incorporaram-se no jogo ofensivo da Costa Rica, que deixou na primeira parte Bryan Ruiz como homem mais avançado da equipa, com Tejeda e Bolaños como apoios no meio-campo e Joel Campbell a surgir como falso extremo direito para aproveitar o contra-ataque. Ainda assim, não se pode dizer que qualquer das estratégias tenha tido resultados práticos na primeira parte, pois a Costa Rica apenas aos 34 minutos, na sequência de um livre direto, assustou Cillessen; enquanto a Holanda, apesar de ter criado três boas ocasiões de golo (Van Persie aos 21 minutos, Memphis Depay aos 28 e Sneijder aos 36 minutos) nunca conseguiu justificar uma possível vantagem no marcador. Com efeito, o nulo nos primeiros quarenta e cinco minutos aceitava-se, não obstante as três belas intervenções feitas no primeiro tempo por Keylor Navas.
No segundo tempo, pouco se alterou. Do lado holandês, continuavam as dificuldades na construção do jogo ofensivo, com Van Persie preso à marcação dos três centrais da Costa Rica e Memphis Depay muito longe do nível a que já habituou os adeptos holandeses na competição. Por isso, durante os primeiros 20-25 minutos da segunda parte, apenas as arrancadas pela direita de Arjen Robben e a inteligência técnico-tática de Wesley Sneijder iam colocando em perigo o jogo da seleção da Costa Rica, que apesar de continuar a não criar perigo junto à defensiva holandesa ia nos primeiros minutos do segundo tempo controlando os vários momentos do jogo. A apatia tática da Holanda levou Louis Van Gaal a mexer (e bem) na equipa: retirou o apagado Depay das quatro linhas para colocar no seu lugar Jeremain Lens. Com esta alteração, para além do sangue novo que trouxe à seleção holandesa, Van Gaal deu à equipa um ritmo mais intenso e dinâmico, que permitiu à “laranja mecânica” encostar a seleção da Costa Rica às cordas pela primeira vez na partida no último quarto de hora da partida. A mudança no xadrez laranja teve resultados imediatos e nos últimos quinze minutos os holandeses poderiam mesmo ter alcançado uma vantagem decisiva para o apuramento para meias-finais. Sneijder, com um remate ao poste aos 82 minutos, e Van Persie em três ocasiões (83, 88 e bola ao poste aos 92 minutos) estiveram bem perto do golo da vitória. Por mérito de Navas e com a “bênção” dos postes da sua baliza, os costa-riquenhos conseguiram superar o momento mais complicado que tiveram durante o período regulamentar e, contrariando aquilo que se poderia esperar, acabaram por conseguir levar o jogo até ao prolongamento.
A forte investida da seleção de Louis Van Gaal acabou por ter continuidade no tempo-extra. Na primeira parte do prolongamento continuou o domínio holandês: fruto do desgaste físico da seleção da Costa Rica, a Holanda foi conseguindo aproximar-se da baliza adversária com maior perigo à medida que os minutos iam passando. Com Robben cada vez mais presente na dinâmica ofensiva da equipa e Robin Van Persie a conseguir progressivamente libertar-se da pressão defensiva adversária, os holandeses foram ameaçando o golo. Nesse período, destaque para um cabeceamento de Vlaar aos 93 minutos que apenas não deu em festejos holandeses devido a nova enorme defesa da muralha em forma de guarda-redes Keylor Navas. Ao fazer entrar Jan Huntelaar para o lugar de Bruno Martins Indi no início da segunda parte do prolongamento, Van Gaal procurou dar mais poder de fogo ofensivo aos holandeses. Ainda assim, a Costa Rica soltou-se das amarras táticas a que esteve agarrada durante 105 minutos e aos 116 podia mesmo ter chegado ao golo, permitindo uma bela defesa a Cillessen após remate de Ureña, que havia entrado no decorrer do segundo tempo para o lugar do apagado Joel Campbell. Logo na resposta, nova bola ao ferro para a equipa holandesa, num remate fortíssimo de Sneijder aos 118 minutos que Keylor Navas apenas conseguiu desviar com o olhar para a barra da baliza da Costa Rica. A garra tática e emocional da Costa Rica acabou por dar os seus frutos e, tal como havia acontecido frente à Grécia, a equipa de Jorge Luís Pinto conseguiu, mesmo contra todas as probabilidades, levar a decisão para as grandes penalidades. Para a luta decisiva na marca dos 11 metros, Louis Van Gaal decidiu arriscar e gastar a terceira e última substituição colocando o guarda-redes Tim Krul no lugar de Cillessen.
Na lotaria dos penáltis, a Holanda acabou por ser mais forte: em quatro remates, a seleção laranja não falhou uma única oportunidade; ao invés, a Costa Rica permitiu duas defesas ao herói Tim Krul, com os falhanços de Bryan Ruiz e Umaña. A Holanda atinge assim novamente as meias-finais de um Campeonato do Mundo e, depois do segundo lugar alcançado em 2010, a seleção de Van Gaal começa a ameaçar nova presença no jogo decisivo. Quanto à Costa Rica, restam apenas elogios para uma seleção desconhecida à partida e engrandecida na saída da competição, com Keylor Navas como figura central. Agora é esperar por quarta-feira, pelo Argentina–Holanda, mais um clássico do futebol mundial. A sabedoria de Van Gaal revelou-se fundamental para este apuramento. Num golpe de génio, o futuro técnico do Manchester United foi buscar uma carta escondida ao banco que se revelou decisiva nos penáltis: Tim Krul, pois claro. O único capaz de derrubar o sonho da Costa Rica.
A Figura
Keylor Navas – Seriam poucos, ou mesmo nenhuns, aqueles que apostariam na presença da Costa Rica nas meias-finais do Campeonato do Mundo. Na batalha contra os holandeses, a Costa Rica raramente criou perigo e teve no momento defensivo o seu ponto mais forte. Por isso, ao longo dos 120 minutos Keylor Navas foi o homem mais em jogo do lado dos costa-riquenhos: sempre seguro entre os postes, não raras vezes evitou o golo anunciado dos holandeses.
O Fora-de-Jogo
Joel Campbell – Completamente fora do jogo, o avançado da Costa Rica nunca conseguiu ser perigoso enquanto esteve em campo. Sai do Mundial sem brilho e sem conseguir levar a sua seleção mais longe na competição.