O Botafogo é o novo vencedor da Taça Libertadores, ao derrotar na final o Atlético Mineiro por 3-1, num jogo disputado no Estádio Monumental, em Buenos Aires.
A história de amor dos treinadores portugueses com o Brasil conhece assim um novo capítulo. Depois das conquistas de Jorge Jesus pelo Flamengo em 2019 e de Abel Ferreira ao serviço do Palmeiras nos anos de 2020 e 2021, desta vez este novo êxito foi alcançado por Artur Jorge, ex-treinador do Braga.
No que diz respeito a esta final da Libertadores, não é possível analisarmos a mesma sem abordar um momento que poderia ter tido o condão de desenterrar fantasmas do passado da equipa do Botafogo, uma vez que a equipa carioca vinha de uma época traumática, na qual desperdiçou uma vantagem de 13 (!) pontos na liderança do Brasileirão. Na história dos pontos corridos, nunca uma equipa havia perdido um título do Brasileirão depois de abrir uma diferença pontual tão grande.
E esse momento foi a expulsão precoce de Gregore, aos 30 (!) segundos de jogo. Uma entrada muito violenta sobre o médio Fausto Vera, que fez com que o Botafogo tivesse que jogar grande parte do jogo reduzido a 10 unidades.
Os adeptos do Botafogo nem queriam acreditar, assistiam perplexos a um momento que poderia representar um desfecho ainda mais cruel do que os momentos tão dolorosos vividos na época passada. Temiam o pior. O normal seria que o Botafogo recuasse demasiado no terreno, não conseguisse aguentar as investidas da equipa mineira e que acabasse por ceder física e psicologicamente.
A lógica imperava que, uma vez perdendo um dos seus médios de contenção, que Artur Jorge retirasse do campo um dos seus jogadores de características mais ofensivas para poder reajustar o posicionamento da sua equipa dentro do terreno de jogo.
Mas o técnico português foi audaz e não abdicou da sua identidade de jogo. A equipa do Botafogo foi evidentemente bastante pressionada pela equipa do Atlético Mineiro, mas concedeu pouquíssimas oportunidades de golo, sendo que na primeira meia-hora de jogo a mais clara foi um remate de fora da área do incansável Hulk (ex-jogador do FC Porto), que continua a ter um pé esquerdo delicioso e a fazer uso do seu potente remate de longa distância.
Apesar de monopolizar a posse de bola, o Atlético Mineiro não teve arte nem engenho para criar grandes problemas a uma equipa do Botafogo muito solidária e extremamente compacta, sendo que os seus criativos Luiz Henrique, Thiago Almada e Savarino conseguiam ser muito disciplinados taticamente e oferecer à equipa aquilo de que ela necessitava nesse momento.
Contra a corrente do jogo e na sua primeira incursão à área adversária, a equipa do Botafogo conseguiu adiantar-se no marcador aos 35 minutos, por intermédio do craque da moda no Brasil: o extremo endiabrado Luiz Henrique. Remate de fora da área de Marlon Freitas, a defesa do Atlético Mineiro a não saber resolver o lance devidamente, e a bola a sobrar para Luiz Henrique, que de pé direito desfeitearia o desamparado Everson.
Sentindo o impacto do golo sofrido, o Atlético Mineiro concedeu uma grande penalidade absurda já perto do intervalo, (inteligentemente ganha fruto da astúcia de Luiz Henrique), que lançado em profundidade, não deu o lance por perdido, beneficiou do excesso de confiança de Arana e da má abordagem ao lance do guarda-redes Everson, que acabou por cometer uma grande penalidade tão evidente como desnecessária.
O ex-lateral portista Alex Telles foi chamado à cobrança e fazendo uso da sua classe e experiência, não acusou a pressão do momento e conseguiu aumentar a vantagem no marcador.
Chegamos ao intervalo com 2-0 no marcador, mas o Botafogo sabia que nada estava ganho e que lhe esperaria uma segunda parte de imenso sofrimento, na qual iria ser pedido um esforço hercúleo de todos os seus jogadores para poderem conquistar a tão ansiada e sonhada Libertadores.
Logo no início da segunda parte, o Atlético Mineiro conseguiu reduzir o marcador. Canto da direita, superiormente cobrado por Hulk e cabeçada certeira do chileno Eduardo Vargas, batendo o guarda-redes John Victor. O guião do jogo seria ainda de maior pressão por parte do Atlético Mineiro sobre a equipa do Botafogo, que teve que recuar cada vez mais no terreno e fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para evitar que a equipa mineira conseguisse chegar ao golo do empate.
Fazendo uma leitura perfeita do jogo e com o intuito de dar mais músculo ao seu meio-campo, Artur Jorge decidiu retirar do campo Savarino e Alex Telles e colocar o lateral Marçal e o médio Danilo Barbosa, que também já passaram pelo nosso campeonato.
O inevitável Hulk bem tentou carregar a sua equipa às costas, todos os lances de perigo passaram pelos seus pés, e era literalmente o único que tentava fazer acontecer alguma coisa e desequilibrar a equipa adversária. Um desinspirado Paulinho (soube-se mais tarde que jogou mais de 6 meses lesionado), um desaparecido Scarpa e uns perdulários e inofensivos Deyverson e Vargas, revelaram-se presas fáceis para a defesa da equipa carioca.
À exceção de um remate bem colocado do internacional brasileiro para grande defesa do guarda-redes do Botafogo e de uma perdida escandalosa de Eduardo Vargas na pequena área, poucas foram as oportunidades de golo da equipa do Atlético Mineiro, que a partir de um determinado momento parecia perdida em campo e a jogar sem nenhum tipo de clarividência.
Eram necessárias pernas frescas, e o técnico português percebeu isso muito bem. Foi extremamente corajoso e retirou do campo os criativos Luiz Henrique e Thiago Almada e também o seu avançado Igor Jesus (que fez um trabalho absolutamente incansável). Todos estes jogadores já acusavam muita fadiga e já não estavam a conseguir ter o compromisso defensivo que o jogo iria exigir à sua equipa à entrada dos últimos 10 minutos de jogo.
Um dos jogadores que entrou em campo foi o avançado Júnior Santos, um jogador que tem um percurso muito curioso (nunca jogou nos escalões de formação e só começou a jogar futebol profissional aos 22 anos de idade) e que tinha sido o marcador do primeiro golo desta campanha histórica do Botafogo nesta edição da Libertadores.
O Botafogo ia aguentando sem sofrer demasiado, pois o Atlético Mineiro nunca conseguiu ter um domínio avassalador, porque apesar de ter mais a bola, foi exagerando nas tentativas de cruzamentos para a área, quase sempre bem resolvidos pela defesa botafoguense.
No último lance do jogo, conseguiu desferir a estocada final. Lançamento em profundidade para a velocidade de Júnior Santos (no fim do jogo, Júnior disse que se inspirou muito a ver vídeos de Neymar), e este com um movimento técnico genial a libertar-se de dois jogadores, a cruzar para a área e numa tentativa desesperada de evitar que a bola chegasse a Matheus Martins, o defesa Alonso interceptou a mesma, mas o seu desarme foi parar aos pés de Júnior Santos, que só teve que encostar para o fundo da baliza.
O Botafogo conquistava assim a sua primeira Taça Libertadores numa final de contornos épicos e imprópria para cardíacos. Um momento que desatou a loucura de mais de 45 mil adeptos do Botafogo presentes no Estádio Monumental de Nuñez e de uma multidão enorme que se deslocou ao estádio Nilton Santos no Rio de Janeiro para assistir ao seu clube escrever a página mais linda da sua história. E bem que estes adeptos mereciam tamanha alegria, depois de tantas derrotas dolorosas e de virem o seu clube ter estado na iminência de acabar.
Um clube que ficou 17 (!) anos sem competir na Taça Libertadores, que em 2021 estava no 12.º lugar da Série B (2ª divisão brasileira), e que em menos de três anos, conseguiu conquistar a Taça Libertadores e que está perto de se sagrar campeão brasileiro.
Esta tremenda evolução não poderá deixar de ser explicada sem a compra do clube por parte do milionário americano John Textor (também dono dos franceses do Lyon e dos ingleses do Crystal Palace), e que se tornou dono do clube em Março de 2022. A partir desse momento, o Botafogo tornou-se uma SAF (Sociedade Anónima de Futebol), e os resultados foram surgindo de forma vertiginosa.
Um crescimento sustentado e um investimento bastante criterioso, que teve os seus frutos num período de tempo bem mais curto do que Textor poderia prever. As incorporações de Luiz Henrique e do campeão do mundo Thiago Almada, assim como a erupção de Igor Jesus, foram fundamentais para a conquista deste troféu.
Este percurso na Taça Libertadores começou em meados de Fevereiro para a equipa carioca. Dos jogadores que defrontaram o Aurora na 2ª pré-eliminatória da competição, apenas dois jogadores (o defesa-central Barboza e o capitão Marlon Freitas), foram titulares nesta final.
Um trabalho de reconstrução impressionante, quase silencioso e que culminou na conquista deste título absolutamente merecido. Uma equipa que teve que ultrapassar uma 3ª Pré-Eliminatória bastante difícil contra o Red Bull Bragantino, uma fase de grupos em que começou com duas derrotas, duas eliminatórias complicadíssimas contra Palmeiras e São Paulo nos oitavos e quartos-de-final respetivamente e uma final em que a jogaram com 10 jogadores.
Mas para que esse trabalho de reconstrução fosse eficaz, era necessário um timoneiro que estivesse à altura dessa responsabilidade. Quando foi contratado em Abril deste ano (deixando o Braga de forma surpreendente, clube dos seus amores, praticamente no fim do campeonato português da época passada), Artur Jorge não era de todo um nome conhecido junto dos torcedores do Botafogo.
O Botafogo tinha tido dois treinadores portugueses anteriormente (Luís Castro abandonou o clube a meio da época transacta que estava a ser de grande sucesso e Bruno Lage não teve uma passagem nada feliz pelo clube carioca), e a desconfiança dos adeptos em relação ao técnico bracarense era enorme.
Mas rapidamente, o cunho de Artur Jorge nesta equipa foi-se sentindo e a equipa foi jogando o melhor futebol do Brasil e de toda a América do Sul. Com este título da Taça Libertadores, o técnico português torna-se um herói do Fogão (nome pelo que os seus adeptos apelidam carinhosamente o Botafogo).
Já ninguém duvida das suas capacidades do Rei Artur, e pode juntar dentro de dias o título do Brasileirão a esta Libertadores. Ainda há muito por conquistar e a equipa do Botafogo sabe disso. Há um Mundial de Clubes por disputar já nos próximos dias, e no próximo ano uma Recopa Sul-Americana contra os argentinos do Racing Avellaneda, assim como a primeira edição do Mundial de Clubes. O legado do treinador português pode ainda ser maior e ambição não lhe falta.
Os adeptos do Botafogo e alguns dos seus rivais (estes em tom de chacota), costumam dizer “Isto só acontece com o Botafogo”. Agora, os adeptos do clube carioca já podem dizer “Quem ri por último, ri melhor”. Diria mesmo que para os adeptos botafoguenses, esta conquista só poderia ter sido obtida e é mais saborosa desta forma.
E assim, numa final cujo argumento poderia ter sido escrito por Hitchcock, o Botafogo de Futebol e Regatas (um clube histórico do futebol brasileiro onde pontificaram nomes como Nilton Santos, Jairzinho, o GRANDE Garrincha, Zagallo, entre outros), alcançou finalmente a Glória Eterna.
É tempo de Botafogo!