Carta aberta a Nélson Évora

    Perdoe-me atribuir-lhe tamanho fardo. Alguns não o compreenderão – mas você, caro Nelson Évora, não é, ou era, um qualquer. Digo-lhe mais: não é um qualquer Carrillo; ou um Christian Rodriguez. É, ou era, daqueles que figurarão, ou figurariam, para sempre na nossa memória colectiva. Como José Jardim, Carlos Lisboa, Panchito Velázquez ou, por exemplo, Telma Monteiro (só para recordar alguns que os mais jovens também conhecem). Ao trocar de clube, quebrando esta relação, mais que profissional, acima de tudo emocional, da forma como tudo se processou, certamente compreenderá o seguinte: você não será um símbolo do Benfica, já não o é, e por muito que você pense o contrário, que até muitos benfiquistas o pensem também, haverá sempre mais benfiquistas a pensar como eu, a concordar comigo. É algo que nem a conquista do Olimpo poderá alterar. Pois se você tem o direito a escolher o seu futuro, eu, e todos os benfiquistas, temos o direito a escolher o nosso.

    Nelson Évora virou as costas ao Benfica Fonte: Facebook Oficial de Nélson Évora
    Nelson Évora virou as costas ao Benfica
    Fonte: Facebook Oficial de Nélson Évora

    Esclarecido este ponto, optando, portanto, por este rumo, saindo do lote dos nossos atletas imortais, resta-me desejar-lhe as maiores felicidades; votos de sucesso pessoal e profissional, recorrendo, até, à forma pirosa habitual: muitos sucessos, à excepção contra o Benfica.

    Gostaria, porém, de pedir-lhe uma última delicadeza, de benfiquista para benfiquista, que pode fazer por mim e por todos os adeptos e sócios do nosso clube: deixe-se de conversa da treta no Facebook. Poupe o teclado a termos como “amor” e “ira” para justificar uma decisão, que, por entre linhas, se percebe evidentemente ser desconfortável até para si. Compreendo a contaminação – afinal, você aceitou entrar no jogo de um complexado; um obcecado pelo Benfica. Alguém que recupera, e repete, uma e outra vez, os ensinamentos que 1907 lhe deixou. Para o ano, faz 110 anos que oito jogadores do Benfica trocaram de clube em busca melhores condições de trabalho; para ano, faz também 110 anos que o clube com melhores (e misteriosas) condições de trabalho tenta abertamente, e com pleno insucesso, ser maior que o Benfica.

    Resista, Nelson Évora, aos termos futebolísticos; evite conspurcar a sua alma. Quando escreve “que ninguém muda de emprego quando a nossa entidade patronal nos valoriza, respeita e nos quer de verdade!”, assim mesmo, de chofre, tentando justificar o injustificável, não corrompa a própria memória, não rasgue e atire para o lixo aquela parte do argumento em que um clube, os seus dirigentes e os seus adeptos, já com pouca ou nenhuma esperança numa reviravolta, não o deixaram cair, o apoiaram diariamente, mesmo após duas lesões gravíssimas que, como sabe, terminariam precocemente a carreira a qualquer outro atleta menos brilhante do que você. E pergunto-lhe, quase a terminar, Nelson Évora, quem, desde 2010, após a sua ausência nos Jogos de Londres, e até à sua total recuperação física e mental, quem, pergunto-lhe directamente, para além do Benfica e dos benfiquistas, o valorizou, respeitou e o quis de verdade?

    Deixe-me terminar esta missiva tal como a comecei: destacando o muitíssimo respeito que tenho por si. E é por esse respeito, pelo homem e pelo atleta, que me dou ao trabalho de lhe dizer: trocar o Benfica pelo Sporting, apenas e só porque um dava seis e o outro dava 10 – porque foi por dinheiro e mais nada –, sem uma palavra ou um gesto, foi um erro; um erro que, é certo, muito provavelmente você nunca sentirá realmente. Mas isso, na verdade, é apenas uma das coisas menos importantes que você não voltará a sentir. Quatro anos passam num triplo salto e eu, pessoalmente, nunca vi uma bancada a gritar por um NIB; nunca vi estátuas de bronze feitas a contas bancárias.

    Foto de capa: Facebook Oficial de Nélson Évora

     

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.