Escusado será dizer que para nós a ideia de eliminação de disciplinas para tornar os meetings “mais dinâmicos e mais excitantes para os jovens” não faz qualquer sentido e ainda menos o faz se considerarmos as disciplinas em causa. Os 200 metros têm só a maior estrela masculina da velocidade atual (Noah Lyles) e algumas das maiores femininas (Dina Asher-Smith ou Shaunae Miller-Uibo, por exemplo), sendo que no caso de Lyles é mesmo a sua prova mais forte.
Os 3.000 metros obstáculos deram-nos um recorde mundial em 2018 (Beatrice Chepkoech no Mónaco) e algumas das provas mais emocionantes nos últimos anos, seja na Diamond League (Kipruto a vencer descalço em 2018!) ou mesmo nos últimos Mundiais (Kipruto ao sprint e a vencer no photo-finish). O Triplo Salto tem, pela primeira vez na história, três homens acima dos 18 metros (!) e tem, no feminino, Yulimar Rojas a escassos nove centímetros do recorde mundial.
Por fim, o Disco até teve um homem nomeado para atleta do ano (Daniel Stahl) e tem as cubanas Pérez e Caballero e a croata Sandra Perkovic em enorme disputa neste momento. E não vamos esquecer o Martelo que já há muito havia sido esquecido pela IAAF, o que se está a repercutir na popularidade e exposição do evento…
Podíamos aqui referir alguns eventos que, de momento, estão bem menos excitantes que os mencionados, mas não o fazemos, porque o nosso princípio é o mesmo: o grande aliciante do Atletismo é a sua diversidade e todos os eventos são igualmente importantes, precisam apenas de ser melhor divulgados ou transmitidos (onde anda o uso de várias câmaras em simultâneos, como qualquer desporto já o faz?). A IAAF deveria ter aprendido a lição quando viu que os espetadores em Doha ficavam para as provas de longa distância, mas não para os sprints. O público de Atletismo não quer todo o mesmo e isso deve ser respeitado.
Ora, os atletas também não gostaram nem um pouco das alterações – atletas que souberam das mesmas pelas… redes sociais! –, reagiram, protestaram e decidiram-se pela criação da The Athletics Association, a primeira associação de atletas de Atletismo completamente independente dos poderes instalados. A organização foi criada pela estrela Christian Taylor – diretamente afetado pelas alterações no Triplo – e tem já dez membros fundadores que incluem o português Nelson Évora. Todos os 11 nomes são de campeões olímpicos e/ou mundiais, o que demonstra bem o nível de descontentamento para com a organização, principalmente entre os atletas de elite.
Talking about the issues is one thing, but backing them up with action is another. We are Fighting for a voice, Fighting for a seat and Fighting to save OUR SPORT. WE ARE THE SPORT and we must work together for a better tomorrow. @wearethesport #trackandfield #Athletics pic.twitter.com/7oW4nF4F5U
— Christian Taylor (@Taylored2jump) November 15, 2019
Independentemente do que será imediatamente alcançado por esta associação – a primeira reunião com COE e a sua World Athletics foi nesta última sexta-feira no Mónaco – fica claro que a World Athletics terá vida difícil nos próximos tempos e que nunca enfrentou tamanho escrutínio por parte dos atletas. Será o suficiente para que a organização realmente dialogue ou irá continuar a fingir que ouve, com decisões já tomadas? Cenas dos próximos capítulos.
Para já, a World Athletics anunciou a sua 2.ª competição em formato de circuito denominada de Continental Tour, o que parece mais uma 2.ª divisão da Diamond League. Desenganem-se os que pensem que vem aí grandes alterações, uma vez que parece que a Continental Tour também é pouco mais do que um rebranding da já existente World Challenge.
Os nove meetings já anunciados são em localizações onde o World Challenge já se realizava, ao que a organização espera acrescentar um décimo em África (mas será que em dezembro ainda é altura de andarmos em projetos e negociações não fechadas?). Para cada evento destes meetings, a organização irá atribuir 3.000 dólares norte-americanos ao vencedor, sendo que para os eventos relegados da Diamond League (os quatro novos mais o Martelo) o prémio será de 6.000 (na Diamond League o prémio é 10.000), tendo estes eventos também direito à atribuição de um wild card para os Mundiais do próximo ano (nos outros eventos, é através da Diamond League). Quanto aos 5.000 metros e 10.000 metros, esses parecem ter sido totalmente esquecidos pela IAAF…