João Prates está na Tribuna VIP do Bola na Rede. É treinador de futebol, licenciado em Psicologia do Desporto e está no seu espaço de opinião no nosso site. O técnico de 51 anos já orientou o Dziugas da Lituânia, o Vaulen da Noruega e esteve na formação do Al Batin e Hajer Club da Arábia Saudita.
O Desafio de Exigir Medalhas Olímpicas num País sem Cultura Desportiva. Em ano de Jogos Olímpicos, a expectativa por medalhas para Portugal torna-se um tema recorrente nas conversas e nos meios de comunicação. A nação anseia por conquistas que elevem o nome de Portugal no cenário internacional, mas essa expectativa precisa ser ponderada com uma reflexão crítica sobre as condições em que os nossos atletas se preparam para a competição. Portugal, infelizmente, ainda está longe de ser uma nação com uma cultura desportiva enraizada, e isso reflete-se directamente nos resultados alcançados pelos nossos atletas.
Portugal é o país da União Europeia onde a maior percentagem da população nunca pratica desporto. Este dado por si só, já seria suficiente para questionar a legitimidade das expectativas de medalhas olímpicas, mas é apenas a ponta do iceberg. O sonho olímpico dos nossos atletas é, na maioria das vezes, um acto de superação individual num contexto que não lhes oferece as condições, infraestruturas, investimento e apoios necessários para competir de igual para igual com a maioria dos seus rivais internacionais.
Ao contrário de Países que investem fortemente no desporto desde as bases, proporcionando formação contínua, infraestruturas adequadas e apoio psicológico e financeiro, Portugal carece de uma política desportiva estruturada e coerente. Os nossos atletas enfrentam uma pressão desmedida para conquistar medalhas, sem que lhes sejam dadas as ferramentas para tal. Essa pressão, ao invés de motivar, muitas vezes desmotiva os atletas e treinadores, que se veem em contextos precários e com falta de condições de trabalho.
Comparem as condições dos nossos atletas com as da maioria dos países concorrentes, e a diferença é gritante. Essa realidade desportiva reflete, em muitos aspectos, a cultura portuguesa mais ampla. Vivemos num país que, historicamente, desvalorizou a Educação Física nas escolas, removendo-a da média para o ensino superior, e onde os alunos enfrentam cargas horárias extenuantes que tornam praticamente impossível conciliar a prática desportiva com os estudos e tanta coisa existiria para dizer sobre o desporto escolar. Portugal é um país onde culturalmente o desporto não é valorizado, exceto pelo “palco” que lhe é dado em programas de televisão que gastam semanas discutindo um único lance de futebol ou uma decisão de um árbitro, enquanto se ignora a importância de uma formação desportiva abrangente.
Além disso, o desporto em Portugal tem sido marcado por uma crescente violência, dentro e fora dos campos, algo que também precisa ser combatido se quisermos construir uma sociedade que valorize verdadeiramente o desporto. Mas o problema não se limita ao desporto. Como povo, muitas vezes somos rápidos em exigir, sobretudos as vitórias dos nossos clubes, atletas preferidos, chegando inclusive á violência verbal, por vezes física, mas no entanto somos um povo que não temos a mesma exigência ao nível da sociedade, com os políticos, que gerem as nossas vidas, para que enquanto Pais pudéssemos fugir da cauda da tabela da Europa, mas ai parece estar tudo bem.
Para que possamos, um dia, ver Portugal a figurar entre as nações com mais medalhas nos Jogos Olímpicos, é necessário um compromisso sério com a mudança. Precisamos de uma revolução cultural que valorize o desporto desde a infância, que invista em infraestruturas, formação de treinadores e apoio aos atletas. Necessitamos de políticas que integrem a prática desportiva no nosso sistema educativo de forma a criar uma nova geração que veja o desporto não como um extra, mas como parte integrante da sua formação e ao mesmo tempo de prevenção de doenças na saúde.
Até lá, a pressão por medalhas precisa ser temperada com a consciência de que os nossos atletas já são heróis simplesmente por conseguirem chegar onde chegam, enfrentando todas as adversidades que lhes são impostas. Exigir-lhes medalhas sem lhes dar as condições para tal não é apenas injusto; é, acima de tudo, um reflexo de uma cultura que precisa urgentemente de mudança.
Esta reflexão deve servir para que, enquanto nação, passemos a valorizar mais o percurso dos nossos atletas, reconhecer as dificuldades que enfrentam e, sobretudo, trabalhar para que, no futuro, possamos ter razões legítimas para esperar grandes conquistas desportivas. Porque os nossos atletas merecem mais do que apenas cobranças; merecem respeito, apoio e condições para brilhar. Ana Cabecinha é um exemplo entre tantos.