«Se me ligassem de clubes como o Chaves ou Vizela, tenho plena confiança do que poderia fazer» – Entrevista BnR com João Prates

    Com oito manutenções no currículo, o ex-técnico do Dziugas é especialista em salvar equipas e acredita que tem capacidade para o conseguir também em Portugal. João Prates já passou pela Arábia Saudita, Noruega e, mais recentemente, pela Lituânia. Agora, enquanto analisa possibilidades, o treinador de 50 anos falou em exclusivo ao Bola na Rede.

    Bola na Rede: João Prates, boa tarde. Antes de mais queria agradecer por ter aceitado o convite!

    João Prates: Eu é que agradeço o convite. É sempre bom para nós que se mostre e valorize o nosso trabalho. Projetos como estes, como vocês têm, são sempre bem vindos, principalmente para aqueles treinadores que andam em patamares mais baixos e não têm tanta visibilidade como aquela malta que anda lá em cima.

    Bola na Rede: Começando por abordar a atualidade, o seu projeto mais recente foi na Lituânia, tendo saído agora do Dziugas Telsiai. Queria perguntar-lhe o porquê de não ter renovado o contrato com o clube e como é que avalia a experiência ao fim de dois anos ao comando da equipa, tendo até sido nomeado para o melhor treinador do ano na Lituânia.

    João Prates: Sim é verdade, em relação a este projeto da Lituânia, aconteceu na época passada quando tinha saído da Noruega, e o clube passava por algumas dificuldades na tabela classificativa. O meu agente apareceu com esta oportunidade, e eu não conhecia nada da Lituânia, sou sincero, além do Jankauskas que jogou em Portugal e agora é o selecionador nacional da Lituânia, mas olhei para o projeto como um desafio e acabei por ir. No primeiro ano salvámos a equipa da descida, que era o principal objetivo do clube e foram-me prometidas algumas condições para dar o passo seguinte na próxima época, esta última que agora acabou, mas a verdade é que ao longo do tempo eu percebi que as coisas iriam novamente pelo mesmo caminho. O nosso objetivo era mais uma vez garantir a manutenção com o clube que tinha muitos défices de organização, algo que tentei melhorar, mas percebi que não iria ser possível . Tendo em conta as nossas condições, com o orçamento mais baixo da liga, e a competir com equipas de realmente muita qualidade, a manutenção soube quase a milagre.  Perante todas as dificuldades, e pensando também um pouco na minha carreira, tomei a decisão de informar o presidente que não iria continuar na próxima época para que pudesse também a partir daí planificar 2024 e escolher um caminho diferente. Foi essa a base da minha decisão.

    Bola na Rede: Apesar de estar sem clube neste momento, e face ao seu registo no estrangeiro, ligado a projetos de manutenção, perspetiva o seu futuro lá fora ou mesmo em Portugal?

    João Prates: Por norma sou uma pessoa positiva. É verdade que a minha carreira tem estado ligada a projetos com dificuldades, onde os objetivos eram garantir a manutenção, mas também é isso que nos faz crescer enquanto pessoas. Isso faz-me lembrar do início da minha carreira no União de Montemor. Um clube que normalmente subia aos campeonatos nacionais e baixava no ano seguinte, quando eu entrei era uma equipa que tinha oito derrotas em oito jogos mas no final fomos capazes de atingir aquilo que queríamos, a manutenção, a minha primeira. Já conto com oito manutenções na minha carreira, ou seja, são sempre projetos que acabam por estar virados para esse tipo de objetivo, mas o meu foco vai ser sempre positivo. Olhando por exemplo agora para clubes da primeira liga como o Chaves ou o Vizela, que passam por algumas dificuldades, se confiassem no meu trabalho e me dessem uma oportunidade, eu olharia da mesma forma que olhei na altura para o União de Montemor. A nossa carreira é feita disto e há momentos em que temos de ser pacientes e este é esse momento. Tomei esta decisão por iniciativa própria, estou tranquilo e acredito que no futuro aparecerá um novo projeto.

    João Prates
    Fonte: FC Dziugas

    Bola na Rede: O histórico já o preparou para desafios difíceis, sobretudo ao garantir as oito manutenções, como referiu. Acha que essa experiência também já o preparou para encarar projetos com outro tipo de ambições?

    João Prates: É verdade que os meus últimos projetos foram de manutenção e esse era o principal objetivo, nada mais. Contudo, a verdade é que no Atlético de Reguengos, por exemplo, conseguimos formar uma equipa muito jovem a competir com equipas também elas muito boas e acabamos por ser campeões. Se isso fosse fácil o clube voltava a estar nos campeonatos nacionais posteriormente, mas a realidade é que eles nunca mais conseguiram regressar a esse patamar. Tendo construído a minha carreira em moldes complicados, em diferentes contextos, em diferentes culturas, isso deu-me muita experiência para todo o tipo de situações. Ser treinador vai muito mais além da tática, nós estamos a gerir pessoas e é preciso ter muitos conhecimentos pessoais para depois chegar aos aspetos táticos, e isso para mim é um ponto-chave. Eu sinto-me preparado para abraçar qualquer tipo de projeto, fruto desta experiência noutros países também. Trabalhar no estrangeiro é muito mais difícil do que trabalhar em Portugal, temos de nos habituar a inúmeros fatores, mentalidades, e principalmente a um tipo diferente de comunicação. Como referi há pouco, se me ligassem de clubes como o Chaves ou Vizela, tenho plena confiança daquilo que poderia fazer para ajudar os clubes.

    Bola na Rede: Recuemos agora um pouco na sua carreira. Tendo em atenção a sua passagem pela Arábia Saudita entre 2015 a 2018, perguntava-lhe se, face ao envolvimento atual que vive o país em relação ao desporto, quando lá estava já sentia que a Arábia se preparava para este desenvolvimento que se tem registado agora, ou, se também sentiu que foi algo muito repentino ligado aos fortes investimentos?

    João Prates: Quando eu lá estava já haviam alguns jogadores de qualidade, mas em final de carreira, e, neste momento, já vemos jovens a chegar ao campeonato saudita. Acho que a grande mudança que decorreu, e aquilo que foi mais importante para este desenvolvimento foi mesmo a ida do Ronaldo. Quando o governo árabe decide levar alguém com a relevância do Ronaldo está claramente a abrir portas imediatamente para conseguir levar outras estrelas do panorama europeu. Sendo sincero, nunca pensei que existisse este “boom” que está a acontecer agora, e que pode decorrer até ao mundial que eles vão organizar,  em 2034. Mesmo a nível cultural, parece que o país se abriu um pouco e isso facilita a integração destes jogadores que precisam de se adaptar. Mas sem dúvida que tudo isto se deve principalmente ao Ronaldo e a tudo aquilo que ele foi capaz de trazer através dele.

    Bola na Rede: Já tendo vasta experiência além fronteiras, mas também já tendo treinado em Portugal, quais foram as maiores diferenças sentidas entre países?

    João Prates: Cada país tem o seu contexto, a sua cultura, a sua especificidade, e nós temos de nos adaptar a ela. Na Arábia Saudita havia uma influência muito grande na altura de treinadores brasileiros, as culturas tática e física eram completamente diferentes das nossas. Para além disso temos também o lado social, temos de ter em conta as horas da reza , alguns pormenores como o facto de termos jogadores xiitas e sunitas na mesma equipa, que muitas vezes pode causar atritos, e há que saber lidar com essas situações. Já na Noruega em termos sociais é um país fantástico, um país ótimo para se viver. Um país que nos últimos cinco ou seis anos tem crescido muito a nível futebolístico mas que ainda não abre muitas portas a treinadores estrangeiros. É um país que eu acho que tem um potencial enorme para crescer porque tem condições económicas, tem organização, tem qualidade, tem tudo para se desenvolver. A Lituânia acabou por ser uma surpresa, foi um país em que eu gostei muito de viver mas a nível desportivo não nos podemos esquecer que é um país dominado pelo basquetebol. Está agora a dar os primeiros passos no futebol, ainda que de uma forma um pouco desorganizada, mas consegui sentir a nível da qualidade liga uma diferença muito grande de um ano para o outro. Também é um país onde nos próximos anos o futebol vai acabar por crescer.

    Bola na Rede: Tendo a hipótese, onde gostaria de treinar neste momento?

    João Prates: Neste momento gostaria de continuar numa primeira liga europeia. Há projetos interessantes pelo mundo fora, recentemente tive abordagens do Camboja, do Uzbequistão, do Brasil até, mas no que depender de mim eu gostaria de continuar numa primeira ou segunda liga europeia, não olhando apenas para o lado financeiro mas também para o lado desportivo, para aquilo que o projeto realmente me possa oferecer enquanto treinador. Claro que gostava de ter cá uma oportunidade, em Portugal, mas é importante que nos sintamos desejados, que haja realmente o interesse de um clube no meu trabalho, mas eu reconheço que estando tantos anos fora, o meu nome não é tão conhecido. Gostava de pegar num projeto diferente mas não tenho qualquer tipo de problema em agarrar algo parecido ao que já fiz anteriormente.

    Bola na Rede: Acha que os treinadores portugueses têm mais valor lá fora? Tem sentido esse reconhecimento por onde tem passado?

    João Prates: Sim, como emigrante sinto mesmo que no estrangeiro valorizam imenso o nosso trabalho, que têm muito respeito por nós. Posso revelar que na Noruega tive um tumor e propus ao presidente a rescisão do meu contrato por precisar de estar afastado alguns meses e ele negou-me essa rescisão. Mandou-me para casa para eu poder recuperar e quando estivesse apto voltaria, que o clube iria sempre cumprir com aquilo que tinha a cumprir. É um exemplo de algo que estou muito agradecido e que nunca vou esquecer no resto da minha vida. Na Arábia Saudita e na Lituânia, apesar de contextos completamente distintos, também senti sempre que o meu trabalho era muito reconhecido. Há uma valorização do treinador e do jogador português lá fora que vai dando cada vez mais visibilidade à marca Portugal pelo mundo.

    João Prates ao serviço do FC Dziugas. Fonte: FC Dziugas

    Bola na Rede: Para finalizar, qual é a sua metodologia de trabalho para preparar e motivar uma equipa que trabalha sobre derrotas e resultados complicados? Quais são os seus pontos-chave?

    João Prates: É mais difícil trabalhar num clima onde se perde mais do que se ganha mas com os anos fui criando alguns pontos que são importantes para a minha relação com os jogadores e com a equipa no geral, para se alcançar os objetivos em qualquer circunstância. Para mim, a comunicação é um ponto muito importante. Tenho uma comunicação aberta, sobre tudo o que envolve a equipa, digo tudo aquilo que penso e que sinto aos meus jogadores e também gosto de os ouvir. São os jogadores que sentem as dificuldades dentro do campo e aquilo que eles passam lá dentro pode trazer-nos informações muito valiosas para a abordagem aos jogos. Além disso, outro ponto muito importante é a avaliação individual de cada atleta, de cada homem. Gosto de saber onde é que cada um se sente mais confortável na sua missão dentro do campo, apesar de muitas vezes termos de fazer adaptações, o foco principal é retirar o máximo de cada um individualmente, incentivando também a competição interna no plantel. A liderança e os relacionamentos com todos os elementos do clube também são aspetos fundamentais mas aquilo que se torna mais crucial na minha metodologia é mesmo o compromisso com a equipa, com a nossa missão. Há que criar um conjunto de atletas que tenham valores, que sejam altruístas, porque isto vai criar uma coesão de grupo que vai subsistir nos momentos mais difíceis, vai permitir que o grupo sobreviva às adversidades. Jogadores que não tenham esta mentalidade muito dificilmente trabalharão comigo.

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    Guilherme Terras Marques
    Guilherme Terras Marques
    Orgulhoso estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vê no futebol e na sua cultura uma paixão. É apenas mais um jovem ambicioso que sonha fazer do jornalismo desportivo a sua vida. Escreve com o novo acordo ortográfico