Victoria Mboko | O ténis ganhou uma nova estrela

A tenista canadiana Victoria Mboko, de apenas 18 anos (completa 19 no fim deste mês), “chocou” o mundo do ténis ao vencer o WTA 1000 de Montreal, derrotando Naomi Osaka com os parciais de 2-6, 6-4 e 6-1 ao fim de pouco mais de duas horas de jogo.

A jovem prodígio canadiana tem tido um épico ano de 2025, que culminou com a conquista deste primeiro título WTA da sua carreira, tendo conseguido a proeza de derrotar quatro ex-campeãs de torneios do Grand Slam num percurso tanto memorável quanto indescritível, tornando-se assim apenas na segunda tenista mais jovem de sempre a alcançar esse feito, só superada por Serena Williams, quando a mesma o conseguiu um pouco mais jovem do que Mboko (apenas 17 anos) para conquistar o seu primeiro título do Open dos Estados Unidos, em 1999.

Filha de refugiados congoleses, Mboko subiu ao 24º lugar no ranking após vencer respetivamente a norte-americana Sofia Kenin (e vencedora do Open da Austrália em 2020) na segunda ronda, a recém-vencedora de Roland Garros e uma das melhores jogadoras do mundo da atualidade como Coco Gauff, uma ex-campeã de Wimbledon Elena Rybakina e a japonesa Naomi Osaka na final, que conta com quatro títulos do Grand Slam na sua carreira, todos eles em superfície rápida (Open da Austrália e Open dos Estados Unidos). É um percurso impressionante a todos os níveis.

E pensar que quando começou o torneio, Mboko estava no 85º lugar do ranking mundial e que com esta vitória, consegue uma ascenção de mais de 60 (!) lugares no ranking mundial, sendo que entrou automaticamente no quadro principal por convite da organização.

Além disso, quando começou o ano de 2025, Mboko estava fora do top 300, e devido às suas mais de cinquenta vitórias (fazendo jus ao seu nome, conquistando cinco torneios ITF pelo caminho, sendo que um deles foi conquistado em Portugal, no nosso Porto Open), tem galgado posições no ranking mundial.

No circuito principal, Mboko já havia dado óptimas indicações e confirmado as expectativas criadas por este percurso fantástico no circuito secundário. Na sua partida de segunda ronda no WTA 1000 de Miami, perdeu contra a espanhola Paula Badosa (uma jogadora claramente de nível top 10 ou inclusivamente top 5 quando consegue jogar sem estar limitada fisicamente, o que infelizmente não tem sido o caso), mas Mboko apenas foi derrotada num agónico tie-break no terceiro set, tendo estado próxima de conseguir a melhor vitória da sua carreira logo ali naquele torneio.

Em Montreal, à exceção da meia-final absolutamente imprópria para cardíacos contra cazaque Elena Rybakina (onde surpreendeu a sua maturidade e frieza para lidar com momentos de alta pressão), nos restantes jogos e apesar de ter tido que recuperar da desvantagem de um set em dois dos seus jogos desta caminhada triunfal, Mboko demonstrou uma superioridade quase insultante sobre as suas adversárias. 

«Nos momentos stressantes encontrei o equilíbrio entre ser agressiva e manter a calma. Estou a gerir bem essas situações e jogar perante o meu público ajuda-me a superar os momentos complicados», comentou a promissora tenista canadiana depois de derrotar Rybakina num dos melhores jogos do ano na minha modesta opinião.

À maior potência das pancadas da tenista cazaque, Mboko conseguiu responder variando muito o seu jogo, sendo agressiva sempre que recebia um primeiro serviço não tão bem colocado e igualmente quando Rybakina tinha de jogar com o seu segundo serviço, tirando partido da sua profundidade de bola, que foi das coisas que mais me impressionou no jogo de Mboko durante este torneio, assim como a sua capacidade de passar da defesa para o ataque.

Apesar da sua tenra idade, Mboko já demonstra uma grande disponibilidade física, conseguindo ser consistente e bastante sólida quando tendo que disputar trocas de bola mais longas. O que é ainda mais admirável, é que nesse jogo contra Rybakina, demonstrou ter uma força mental quase inabalável.

Lesionou o pulso numa queda bastante aparatosa no início do terceiro set (teve de jogar o resto do encontro com ligaduras no pulso), serviu com a pressão do resultado com 5-3 a favor da sua adversária, muitíssimo mais experiente do que ela, conseguiu assegurar o seu serviço, salvar um match point no poderosíssimo serviço de Rybakina e levou todos os adeptos presentes à loucura, recuperando a quebra de serviço e colocando o empate no marcador (5-5). Seguidamente, cedeu novamente o seu serviço, Rybakina serviu novamente para ganhar esse encontro e foi quebrada em branco (!). 

No tie-break, Mboko demonstrou ser a mais sólida e clarividente, tendo ganho os últimos três pontos desse desempate, fechando o tie-break com o parcial de 7-4 a seu favor, marcando assim presença na primeira final da sua carreira.

Contra uma Naomi Osaka ainda a lutar contra constantes problemas de saúde mental e de confiança no seu jogo para voltar ao seu melhor nível, poderíamos dizer que Mboko poderia ter um ligeiro favoritismo. Contudo, quando a tenista nipónica consegue explanar todo o seu ténis, continua a apresentar um ténis temível para as suas adversárias. 

Devo realçar o fato de apesar de ser uma vantagem ter o apoio local, na idade de Mboko, essa pressão de ser a tenista local pode ser prejudicial. Mas em todos os jogos deste torneio (e igualmente na final), Mboko demonstrou uma total e aparente descontração e de ser imune à pressão quando tendo que jogar pontos de pressão, e são esses os pontos que acabam por decidir os jogos ou que têm o condão de mudar o curso dos acontecimentos.

O ténis é igualmente um desporto muito mental. Osaka começou fortíssima, não deixando Mboko tomar a iniciativa do ponto e “agredindo-a” com a sua habitual cadência de jogo e potência das suas pancadas. Mboko parecia sem soluções, e inclusive não se sentia confortável para poder executar os seus famosos amorties ou subir à rede, como tanto gosta.

O primeiro set terminou com o parcial de 2-6 para Naomi Osaka ao cabo de menos de 40 minutos. Seria Mboko capaz de inverter o rumo dos acontecimentos, tal como já o tinha feito neste torneio, nomeadamente depois de uma meia-final tão desgastante a nível físico e emocional? A tenista canadiana demonstrou que não só era possível, como conseguiu entrar paulatinamente dentro da cabeça de Osaka, cujo jogo se desintegrou ao ponto de ter somado 45 (!) dos seus 54 erros não forçados no segundo e terceiro sets, um dado bastante elucidativo.

Com mais um erro de Osaka, terminou assim o jogo a favor da talentosíssima Mboko, que sendo tão jovem, já tem uma capacidade que as grandes campeãs devem ter para poderem ser bem sucedidas num circuito feminino tão exigente: fazer jogar mal as suas adversárias. Para além da sua multiplicidade de recursos (potente serviço, muito sólida de ambos os lados e um excelente jogo de rede), caso consiga manter-se tão presente e forte mentalmente nos seus jogos, estamos seguramente perante uma futura campeã de torneios do Grand Slam.

Claro está que ainda tem imenso para melhorar naturalmente no seu jogo, nomeadamente a sua capacidade de movimentação em relva e terra batida, mas sendo treinada pela ex-tenista francesa Nathalie Tauziat (que ganhou mais de 20 torneios de pares em sua carreira), vai acabar por dotar o seu jogo do que é necessário para ser uma tenista completa em qualquer piso.

O ténis canadiano necessitava desta lufada de ar fresco e deste sorriso tão genuíno, como aquele que Victoria Mboko brinda todos os seus adeptos em qualquer jogo. Irónico é o fato de Mboko ter ganho o WTA 1000 de Montreal, tendo sido este o último torneio da carreira da ex-coqueluche do ténis canadiano: Eugenie Bouchard, ex-finalista de Wimbledon, e que ficou muitíssimo aquém das expectativas que foram depositadas sobre si quando começou a evidenciar-se no circuito principal. 

Bouchard optou (legitimamente) pela carreira de modelo fazendo uso dos seus atributos físicos em detrimento do ténis. Mas como adepto do ténis e do seu jogo, devo confessar que é uma pena que tenha sido essa a sua decisão. No caso da outra grande estrela canadiana Bianca Andreescu, estamos a falar de um interminável calvário de lesões, que não lhe permite ter a sequência necessária para voltar a atingir a excelência do seu jogo. 

Não é qualquer jogadora que derrota Serena Williams numa final de Grand Slam e ainda para mais no Open dos Estados Unidos, pelo que é igualmente penoso e bastante triste ver como Andreescu tem pautado mais a sua carreira por desistências absolutamente dolorosas de assistir, do que por sucessos desportivos. Torço genuinamente para que consiga voltar ao seu melhor nível. 

Leylah Fernandez vem de ganhar o WTA 500 de Washington, mas tem vivido uma grande travessia no deserto depois de ter jogado de forma surpreendente a final do Open dos Estados Unidos em 2021, perdendo apenas contra a britânica Emma Raducanu, que fez história ao ser a primeira vencedora de um torneio do Grand Slam vindo da fase de qualificação. 

O ténis canadiano estava tão desejoso e sedento de uma campeã deste calibre, que a vitória de Mboko foi festejada de forma bem audível no decurso da final masculina entre o norte-americano Ben Shelton e o russo Karen Khachanov, onde um perplexo Shelton  chegou a questionar o árbitro o motivo daquele ruído e correspondente interrupção no seu jogo.

Mas apesar do talento de Andreescu e de Fernandez,  Mboko ainda está num patamar superior na minha opinião, e pode ser não só a grande notícia do ténis canadiano, como igualmente do ténis mundial dos últimos anos. Já anseio pelo primeiro confronto entre as duas teenagers Mirra Andreeva e Victoria Mboko, podendo estas duas tenistas criar uma daquelas rivalidades lendárias no mundo do desporto.

Claro que Sabalenka ainda está no auge das suas capacidades, tal como Swiatek, Gauff, Rybakina (entre outras), mas estas duas miúdas podem mesmo marcar uma era no ténis feminino, dada a variedade do seu jogo e a tremenda força mental que já demonstram.

Não queria deixar de destacar o percurso fantástico de Naomi Osaka em Montreal, apesar de ter  voltado a sucumbir mentalmente. À excepção da final e de um jogo incrível de segunda ronda contra a russa Liudmila Samsonova (onde salvou três match points de forma consecutiva), a tenista japonesa está a recuperar gradualmente a sua melhor versão.

Não digo que com isto, pense que Osaka possa ganhar o Open dos Estados Unidos (que está prestes a começar), mas é claramente uma séria candidata a ganhar o próximo Open da Austrália, caso consiga manter-se saudável física e mentalmente, e caso consiga retirar as ilações mais do que positivas de um percurso igualmente fantástico até à sua primeira final deste calibre, desde o ano de 2022.

Já Mboko demonstra toda a sua ambição, abdicando da sua participação no WTA 1000 de Cincinnati (que já está a decorrer), para focar toda a sua energia e virar toda a sua atenção na perseguição de mais um sonho: o Open dos Estados Unidos. «Definimos o calendário com o US Open como objetivo principal. Depois de Montreal, era vital gerir o esforço e evitar lesões. Queremos estar a 100% em Nova Iorque», afirmou a sua treinadora.

Será Mboko capaz de mais uma proeza e cimentar ainda mais o seu nome na história do ténis mundial? Recursos tenísticos tem de sobra, fibra de campeã também demonstrou que a tem, veremos como irá atuar sendo pela primeira vez cabeça-de-série num torneio do Grand Slam, e passando a ser a favorita em grande parte dos seus encontros. 

Se souber gerir tudo isso, pode ir avançando no quadro e, quem sabe, jogar a final com que tanto sonha. Mas caso isso não aconteça, uma coisa já podemos dar por garantida: o ténis ganhou uma nova estrela.

Tiago Campos
Tiago Campos
O Tiago Campos tem um mestrado em Comunicação Estratégica mas sempre foi um grande apaixonado pelo jornalismo desportivo, estando a perseguir agora esse sonho. Fã acérrimo do "Joga Bonito".

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