Apertos de mão | Bruno Lage

    Benfica

    Apertos de mão dão-se muitos, servindo-nos mais da sua utilidade diplomática como finalizadores de conflito que da implícita cumplicidade das mãos que se abraçam. A maior demonstração de carinho numa paixoneta é o lindo momento em que se decide dar as mãos, muito mais significativo do que o primeiro beijinho. Dar as mãos, apertá-las ou segurá-las é um dos grandes sinais de evolução emocional, da capacidade de criar laços sólidos. As lontras dão as mãos para não se afastarem no dormir flutuante, os paquidermes enrolam as compridas mãozorras para soltarem amo-tes e assumirem hierarquias. O humano, inteligente mas tonto, discerniu no aperto a mesma coisa, e foi mais além – Lage, na tentativa duma reconciliação com a comunicação social, deu as mãos aos presentes na pequenita sala de imprensa, pequenita  e simplória, sem balcão e com os corpos todos à mostra, expostos perante a plateia, em total atitude de proximidade e puritanismo. Lage quis mostrar que veio em paz, entregou-se completamente às análises dos contrabandistas da linguagem corporal e psicólogos de esplanada. Talvez tenha tentado mostrar que vem sem segredos, mais seguro de si próprio, mais cordial e tolerante do criticismo que o levaram um dia a insinuar que havia uma campanha feita contra ele a favor de alguém, perpretada pelos mesmos que agora receberam, com a surpresa escarrapachada no rosto, um valoroso aperto de mão. Faltará só alguém analisar um a um, como foram apertadas as mãos – se a mão de Lage por cima, querendo impôr-se à bruta, revelando a desonestidade do gesto, se com a palma para os céus, suportando gentilmente a do jornalista como Casanova recebia a de uma formosa burguesa nas danças da sedução.

    Tinha razão em 2020, o tempo pôs-se do seu lado e argumentou a seu favor; Nunca, num passado recente e até Roger Schmidt, um treinador benfiquista tinha sido tão queimado a lume brando e lutado tão arduamente sobrevivência reputacional. A insistência do fantasma, a regularidade dos ataques da comunicação social, a violência dumas dúzias de adeptos – tudo sintomas da evidente falta de protecção dos de cima, que assobiaram para o lado e esperaram doze jogos para agir, depois de lhe terem dado Raúl De Tomás para substituir João Félix ou Ebuehi para servir como suplente de André Almeida, protagonizando a mais horrorosa decisão técnica dos gabinetes desde a chegada de Artur Jorge para substituir Toni no Verão de 1994. No meio dessas decisões andava Rui Costa, sem muito ver nem muito saber, como ele próprio acabaria por admitir à Justiça.

    Bruno Lage Benfica
    Fonte: SL Benfica

    Corajosa é portanto a abordagem de Bruno Lage, ainda que difícil de digerir para os mais compreensivos da sua causa e maneira de estar – quem sempre percebeu que não tivera muitas das culpas na derrocada de 2019-20 viu, como imediata reacção, no simbólico gesto da apresentação, um rebaixar significativo perante a comunicação social, o monstro que o tinha esmagado em 2019/20 e que mastigou Roger Schmidt até à exaustão, outro alguém deixado ao abandono a partir de determinada altura, jogado às feras atiçadas sem perceber bem onde estava metido, bloqueado pelas evidentes distâncias culturais – e sem suporte algum, sem um ombro amigo que lhe apontasse o caminho e as diferenças.

    Subentendida na atitude uma certa inteligência maquiavélica, já que é assim, diz-se por aí, que Rúben Amorim aninhou a seu colo os microfones de tudo o que é canal ou caneta de tudo o que é jornal, nem isso foi suficiente para convencer os mais críticos da sua figura, que preferiram focar atenções na atabalhoada preparação estética da apresentação ou nos maneirismos pouco à vontade do treinador para reforçar convicções. Os mesmos que nem sequer valorizaram a simbologia da gravata preta em fato preto, como manda a etiqueta dos cortejos fúnebres, num momento em que se pretendiam enterrar todas as quezílias do passado. Para os mais pragmáticos, Bruno Lage até poderá ser um enorme benfiquista e bom rapaz, mas o elogio acaba aí.

    Benfica
    Fonte: Benfica

    No imaginário geral, entraria Bruno Lage de fato vermelho berrante, de cachecol no pulso e aos gritos, a puxar para si toda a razão e a escarrapachar na cara dos jornalistas que a realidade tinha dado força às suas palavras, puxando dum A4 para relembrar todos os recordes que bateu – melhor segunda volta de sempre, melhor primeira volta de sempre (que daria, obviamente, no melhor campeonato de sempre, com 32 vitórias e 121 golos marcados nessas hipotéticas 34 jornadas), os 3,78 golos de média nos jogos de 2018/19, o rendimento de João Félix, Gabriel, Samaris, Pizzi ou Seferovic, os 5-0 ao Sporting na Supertaça, o 2-4 em Alvalade que podiam ter sido 2-8 ou a remontada no Dragão – cuspindo para o chão mal acabasse a incontável lista e saindo porta-fora para treinar, conseguindo o mesmo efeito desportivo que teve da primeira vez.

    Mas Lage, que chegou a ser Treinador do Mês na Premier League, tem essa veia do cavalheiro inglês, preferindo dançar na retórica e construir pontes palavra a palavra, numa atitude que valoriza o futebol mas frustra as paixões ardentes do futebol latino. Mesmo sendo português e conhecedor da nossa realidade, talvez os valores de Lage estejam à mesma distância dos fundamentos culturais do futebol da Europa Central, ou de Roger Schmidt, da cultura regente que pediu, até quando foi possível, a contratação de Sérgio Conceição.

    - Advertisement - Betclic Advertisement

    Sabe mais sobre o nosso projeto e segue-nos no Whatsapp!

    Bola na Rede é um órgão de comunicação social de Desporto, vencedor do prémio CNID de 2023 para melhor jornal online do ano. Nasceu há mais de uma década, na Escola Superior de Comunicação Social. Desde então, procura ser uma referência na área do jornalismo desportivo e de dar a melhor informação e opinião sobre desporto nacional e internacional. Queremos também fazer cobertura de jogos e eventos desportivos em Portugal continental, Açores e Madeira.

    Podes saber tudo sobre a atualidade desportiva com os nossos artigos de Atualidade e não te esqueças de subscrever as notificações! Além destes conteúdos, avançámos também com introdução da área multimídia BOLA NA REDE TV, no Youtube, e de podcasts. Além destes diretos, temos também muita informação através das nossas redes sociais e outros tipos de conteúdo:

    • Entrevistas BnR - Entrevistas às mais variadas personalidades do Desporto.
    • Futebol - Artigos de opinião sobre Futebol.
    • Modalidades - Artigos de opinião sobre Modalidades.
    • Tribuna VIP - Artigos de opinião especializados escritos por treinadores de futebol e comentadores de desporto.

    Se quiseres saber mais sobre o projeto, dar uma sugestão ou até enviar a tua candidatura, envia-nos um e-mail para [email protected]. Desta forma, a bola está do teu lado e nós contamos contigo!

    Subscreve!

    PUB

    Artigos Populares

    Bayern Munique falhou contratação de jogador do rival Bayer Leverkusen e vai voltar ao ataque em 2025… a custo zero

    Jonathan Tah e o Bayern Munique chegaram a acordo para um contrato no verão de 2024. A transferência acabou por não ir em frente.

    Avançado do PSG recusou rumar ao Atlético Madrid: «Não se enquadrava na minha ideia»

    Randal Kolo Muani foi associado ao Atlético Madrid no último mercado. Avançado falou da vontade em continuar no PSG.

    AS Roma comunica baixa no plantel após operação

    Alexis Saelemaekers foi submetido a uma operação e vai falhar os próximos jogos da AS Roma. Extremo é baixa confirmada.

    Jules Koundé junta-se a Rodri na ideia de uma greve de jogadores: «Andamos a dizer isto há três ou quatro anos, mas ninguém nos...

    Jules Koundé concordou com Rodri quanto à ideia de uma greve dos jogadores. O defesa do Barcelona alertou para excesso de jogos.

    Não só de Benfica se fez o dia: todos os resultados do playoff da Champions League Feminina

    Realizaram-se nesta quarta-feira os primeiros jogos da 1ª mão do playoff da Champions League Feminina. Benfica foi destaque.
    Pedro Cantoneiro
    Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
    Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, o Benfica como pano de fundo e a opinião de que o futebol é a arte suprema.