José Mourinho: o treinador que resistiu a tudo… menos ao tempo?

Há nomes que resistem ao tempo e há tempos que resistem aos nomes. José Mourinho já foi sinónimo de vanguarda no futebol, de ousadia tática e técnica e de liderança absoluta. Era o homem certo antes de qualquer outro saber qual era a pergunta. Mas, em 2025, a dúvida instala-se: terá Mourinho sido ultrapassado por um futebol que já não joga ao ritmo da sua identidade? Ou será que ainda há espaço para um treinador que se recusa (com rótulo de teimosia em cima da mesa) a abdicar dela?

O Legado deste treinador é único. Nos seus primeiros 13 anos de carreira, José Mourinho foi mais do que um treinador de elite, foi uma inspiração pessoal. Um exemplo de como o trabalho, o foco, a inteligência em geral (especialmente a emocional) e a confiança na nossa visão e propósito podem levar alguém ao topo. Era (e é pois, um exemplo assim nunca se apaga) um dos meus ídolos: um líder que transpirava empatia e adversidade em doses idênticas, que falava como poucos e dominava sítio sala onde entrava. Tinha uma comunicação impecável, um carisma inigualável e uma capacidade rara de moldar equipas à sua imagem. Ganhava bonito quando dava — e ganhava feio quando era preciso. Era, simplesmente, um ganhador nato. Os seus FC Porto, Chelsea, Inter e Real Madrid estão na história do futebol indiscutivelmente.

Dodi Lukebakio Benfica José Mourinho
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

No entanto, a última década da sua carreira está a mostrar um cenário diferente e que acaba por fazer vir ao de cima a penosa pergunta: Está ultrapassado? Infelizmente, tal visão parece ser um facto. Os resultados e exibições das equipas do treinador português mostram-no. Mas, sem dúvida, pode reverter esse estado e essa perceção, pois se Mou já esteve no topo, sabe o que é necessário para lá voltar. Na generalidade, existem dois fatores que explicam esta curva descendente que Mourinho vive há vários anos. Um é transversal a todos os treinadores e ao futebol atual, já o outro é, em parte, consequência das próprias decisões do técnico português.

Primeiro, o estado do futebol atual. O jogo mudou e com ele, os jogadores, os balneários, os contextos mediáticos e até os critérios de avaliação. As redes sociais tornaram o jogador mais centrado em si próprio e mais vulnerável à crítica externa. Crítica essa que, sendo positiva ou negativa, impacta mais do que a do próprio treinador. Soma-se a isto um futebol tornado negócio multibilionário, onde os jogadores ganham, por vezes, mais do que quem os comanda e isso altera dinâmicas, insufla egos e cria um foco maior no individual em detrimento do coletivo.

Este novo ambiente é muitas vezes o mesmo em que se veem plantéis recheados de talento individual, mas incapazes de formar um conjunto coeso. Um problema moderno que marca a diferença entre o futebol da década de 2000 (em que Mourinho prosperou) e o futebol das décadas de 2010 e 2020, que ajuda a explicar o contraste entre a sua primeira metade de carreira, recheada de glória, e a segunda, mais deficitária.

José Mourinho Benfica
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

Chegamos então ao segundo fator: a crise de identidade futebolística. Não no sentido da ambição, Mourinho continua “com fome” de vencer (como já o disse), mas na forma como as suas equipas jogam. Desde a sua segunda passagem pelo Chelsea, os adeptos já não sabem exatamente o que esperar de uma equipa “à Mourinho”.

E aqui não lhe coloco o rótulo fácil de “defensivista”. Considero tal ideia injusta. É verdade que em jogos contra adversários de qualidade superior Mourinho optou, por vezes, por abordagens mais conservadoras. Mas, no geral, as suas equipas não eram defensivas e infelizmente, nem sempre foram tão pragmáticas quanto a reputação ditava.

Se olharmos para os números desde 2013, eles ajudam a contar esta história. No Chelsea (2013–2015), Mourinho conquistou dois títulos, gastou cerca de 362 milhões de euros em reforços, e viu a sua equipa sofrer 121 golos em 136 jogos, uma média defensiva sólida. No Manchester United (2016–2018), levantou três troféus e investiu perto de 468 milhões, sofrendo novamente 121 golos, agora em 144 jogos. Já no Tottenham (2019–2021), não venceu qualquer título, mas gastou 113 milhões em reforços. A sua equipa sofreu 103 golos em 86 partidas. Na Roma (2021–2024), venceu a Conference League, com um investimento de 148 milhões e um registo de 143 golos sofridos em 138 jogos. Por fim, no Fenerbahçe (2024/25), onde não chegou a completar a temporada, Mourinho não conquistou troféus, gastou cerca de 117 milhões em reforços e sofreu 71 golos em apenas 62 jogos. Os números, apesar de não serem catastróficos, mostram um padrão: o rendimento defensivo das equipas de Mourinho foi progressivamente perdendo consistência, enquanto os títulos passaram a ser exceções, não regra. Não se podendo também queixar de que… não investiu como outros, pois as quantias atrás referidas mais do que serviram para contruir bons plantéis.

Costumo dizer que a carreira de Mourinho é como um relógio. Um relógio que andou sempre para a frente no FC Porto, no primeiro Chelsea e no Inter de Milão. Parou no Real Madrid. E desde a sua saída do Bernabéu e regresso a Stamford Bridge, tem andado lentamente para trás. Nos primeiros três clubes, o sucesso foi total: títulos, inovação tática e um novo modelo de treinador carismático e mediático. Em Madrid, deixou uma mentalidade ganhadora que o clube aproveitou durante a década seguinte e apesar dos momentos de tensão, venceu três troféus, enfrentando aquele que muitos consideram o melhor FC Barcelona da história. Mas desde 2013, os melhores momentos foram modestos e os piores, bastante pobres. Mourinho parece ter ficado parado num tempo em que a sua fórmula ainda resultava, enquanto o jogo, os jogadores e a forma de comunicar aceleraram para um novo tempo. Um cenário em que irrita particularmente, por exemplo, queixas de arbitragem constantes, quando se viu muitas vezes que o coletivo não produziu o suficiente ora para ganhar ou para satisfazer o seu público em termos de terem visto o empenho esperado.

José Mourinho Mário Branco
Fonte: Benfica

A segunda passagem pelo Chelsea é um bom exemplo desta inversão. Em duas épocas e meia, apesar da conquista da Premier League e da Taça da Liga em 2014/15, houve sinais de alarme. Na primeira temporada, a ausência total de títulos, mesmo com um plantel recheado de estrelas, levantou questões. Caiu na Champions frente ao Atlético de Madrid, num jogo onde parece que não se fez tudo para seguir em frente. Na liga, perdeu cinco pontos nas últimas três jornadas contra equipas como Sunderland e Norwich, o suficiente para perder o título. Mesmo na temporada do título, houve episódios que deixaram marcas — como a eliminação na FA Cup frente a uma equipa de escalão inferior, ou a queda na Champions diante do PSG, num jogo onde, mesmo em superioridade numérica, Mourinho optou por retrair a equipa. Depois, o desastre: em 2015/16, deixou o Chelsea no 16.º lugar, com nove derrotas em 16 jogos. A equipa que fora campeã meses antes parecia irreconhecível. A isso juntou-se o polémico caso com a médica Eva Carneiro, que desgastou ainda mais a sua imagem.

No Manchester United, apesar da forte concorrência, Mourinho venceu a Liga Europa, uma Taça da Liga e uma Supertaça inglesa. No entanto, o futebol praticado era muitas vezes insípido, e os bons momentos raros. O segundo lugar em 2017/18 é elogiado pelo próprio como um feito, mas as eliminações na Champions League frente ao Sevilla e a falta de regularidade na Premier League deixam o trabalho aquém do esperado. A tensão com Pogba e outros jogadores refletia também um balneário onde Mourinho parecia já não ter o mesmo controlo de outros tempos.

No Tottenham, teve uma última oportunidade para provar que podia vencer em Inglaterra. Liderava a Premier League em dezembro de 2020 e tinha um plantel com qualidade. Mas a derrota em Anfield marcou um ponto de viragem, e a equipa colapsou. Acabaria despedido pouco antes de uma final da Taça da Liga — que, ironicamente, poderia ter sido o seu único título no clube.

Na Roma e no Fenerbahçe, os contextos foram diferentes. Clubes fora do top europeu, com ambições mais contidas. Ainda assim, Mourinho conseguiu levar a Roma a duas finais europeias, vencendo uma. Criou uma ligação forte com os adeptos, mas voltou a falhar nos objetivos internos. O futebol praticado era funcional, por vezes demasiado previsível, e os resultados seguiam a mesma linha: ora cinzento-claro, ora cinzento-escuro.

No fundo, Mourinho viu antes dos outros, mas hoje, parece estar atrás dos outros. Aqui chegados, o capítulo “Benfica parte dois” pode, sem dúvida, fazer bem ao melhor técnico português de sempre. Pode ser o espaço onde reencontre um rumo mais risonho ou pelo menos, mais alinhado com aquilo que ainda tem para dar. Talvez Mourinho não esteja ultrapassado. Talvez esteja apenas desfasado. O jogo mudou, é certo. Mas também mudou o que pedimos aos treinadores. E Mourinho nunca foi de agradar a todos.

O futebol moderno exige flexibilidade, mas também identidade. E se há algo que Mourinho nunca perdeu, foi isso: a sua identidade. Goste-se ou não, por vezes ainda há valor em resistir à maré, mas tal pode-se esgotar em termos de paciência se isso já não dá tantas vitórias como antigamente. Mas quem sabe? Talvez, no lugar certo, com o projeto certo, ainda tenha uma última surpresa guardada. Ficará para ver se a mesma se chama Sport Lisboa e Benfica.

Jorge Afonso
Jorge Afonso
O Jorge apaixonou-se pelo futebol num dérbi em Alvalade e nunca mais largou. Licenciado em Comunicação Social e mestre em Ciência Política, vive entre estatísticas, memórias épicas e o encanto de equipas como o Barça de Guardiola ou a França de Zidane.

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