«O Benfica poderia ter-me valorizado mais» – Entrevista BnR com Armando Sá

    – Carreira na Luz –

    BnR: A meio da época 2001/02, vens para o Benfica juntamente com o Tiago. Como foi a chegada ao balneário? O Drulovic disse há umas semanas que era algo confuso e faltava uma mentalidade vencedora ao Benfica…

    AS: Foi uma chegada complicada (risos). O Drulovic, melhor do que ninguém, sabe que o balneário do Benfica não era muito coeso e forte. Lembro-me quando eu e o Tiago chegámos ao balneário, notámos um ambiente pesado e uma certa falta de organização. Fomo-nos equipar e equipávamo-nos de costas uns para os outros.

    BnR: Faltava um maior espírito de grupo.

    AS: Sim, não era um espírito sincero. Faltava sinceridade e havia muita coisa ali que não estava a bater certo e isso aí dificultou um pouco. Mas felizmente até cheguei bem ao Benfica: fisicamente estava top, vinha do Braga com as cargas do Cajuda e faço o resto da época no Benfica muito bem, até me lembro que de ser eleito mais do que uma vez para o melhor 11 da Europa e chamavam-me “O Comboio da Luz” (risos). Recordo-me que a imprensa muitas vezes dizia: “Depois do (António) Veloso, não havia um lateral tão bom e que eu era o substituto dele”. Tive aqueles seis meses do resto da época muito bons.

    BnR: Como é ganhou essa alcunha de “O Comboio da Luz”?

    AS: Acho que foi o Terceiro Anel, nem sei bem (risos). Era engraçado, pois quando eu arrancava no lado direito, as pessoas começavam logo a dizer “Lá vai o Comboio” (risos). Sentia-me orgulhoso por poder ouvir esses elogios. São momentos que não me esqueço e me marcaram, e agradeço muito ao Benfica por esses grandes momentos.

    BnR: Chegas a um dos Três Grandes. Como é que se lida com a constante pressão da imprensa e dos adeptos para vencer os jogos e jogar sempre a um nível elevado?

    AS: Como te disse, no princípio estava bem e as críticas eram boas. Entretanto, eu nunca tinha sido suplente, pois, por onde passei, era sempre aposta do treinador, um jogador importante e que fazia a diferença na equipa e, na época seguinte, começo a perceber a enorme pressão que é jogar numa equipa grande com outra exigência, os interesses são outros e depois acabei por perder a minha titularidade – nem sei muito bem o porquê, tinha ido à seleção e quando voltei já não era titular -, o que me fez ter uma perda de confiança muito grande, pois não estava habituado a essa nova etapa na minha carreira. Tive ali uma quebra com toda a pressão, e até que eu conseguisse lidar com isso tudo foi um mau bocado. Custou-me bastante estar a dar o máximo e ver certas coisas que não batiam certo, mas estava num grande clube e só podia estar orgulhoso de mim por pertencer a um plantel com grandes craques. Só dependia de mim lutar contra esta pressão que havia por detrás.

    Fonte: Facebook de Armando Sá

    BnR: Estás no plantel quando se dá a mudança do antigo para o novo Estádio da Luz. Enquanto atleta, como é que vivenciaste esse período de transição no Benfica?

    AS: Foi uma altura complicada, em que andávamos com a casa às costas, onde treinávamos em Massamá e no Jamor e jogávamos com metade do estádio partido.

    BnR: Foi uma fase complicada.

    AS: É verdade, ver a construção do outro estádio e dos balneários foi um altura complicada. Estive nessa transição onde me orgulho bastante de ter feito parte, mas, em termos desportivos, custou bastante a todos os jogadores e adeptos essa mudança. Entretanto, com a entrada do Camacho, as coisas acabam por mudar por completo, em que ele começa a meter uma certa ordem no balneário e regras que faz muita coisa mudar. O Benfica já estava no novo estádio, a nossa “casa”, e começa a ser um pouco mais fácil. Mas essa transição foi uma fase que complicou a história do Benfica.

    BnR: Dia 25 de janeiro de 2004. Foste titular na partida frente ao Vitória SC, onde Miklós Fehér, infelizmente, acabaria por falecer dentro de campo. Tiveste logo a perceção de que era algo de grave?

    AS: Na altura, acho que ninguém pensou que fosse tão grave. Foi o momento mais triste que tive no Futebol. Estar em campo e ver o teu colega a sorrir e depois cair à frente de ti… Foi chocante, pois não havia reação da parte dele. Naquele momento, tínhamos acabado de fazer o golo nos últimos minutos e pensei que ele estivesse a queimar tempo, pois levou o amarelo e era para passar o tempo, já que estávamos perto do fim do jogo. Entretanto quando me apercebo do que se estava a passar e vejo as reações dos meus colegas, começo a perceber que era uma situação muito grave. Também não se podia usar o desfibrilhador devido à chuva, foi um momento complicado. Mas, sinceramente, até irmos para o hospital, não estava a pensar no pior. Acreditei sempre que ele ia recuperar e acabar tudo bem. Nunca nos passou pela cabeça que fosse acontecer o que aconteceu.

    BnR: E como é que tu e o restante plantel foram buscar forças para aguentar a época inteira depois desta tragédia que abalou não só o Benfica, mas também o futebol português?

    AS: A partir desse dia, eu, pessoalmente, comecei a levar o Futebol de uma forma mais calma e não tão stressada. Passei a relaxar um pouco mais, porque não sabemos o que é que nos pode passar daqui a pouco. Depois do que aconteceu, o espírito dele uniu-nos de tal maneira que nós ficamos muito mais fortes, tanto jogadores como adeptos, que fomos com vontade de vencer a Taça de Portugal.

    BnR: No final dessa época, o Benfica venceria a Taça de Portugal frente ao FC Porto, que viria a ser campeão europeu dias depois dessa final. Conquistar a Taça era visto como uma forma de homenagear o Miklos?

    AS: Sem dúvida. Como te disse, ficámos tão fortes. Estávamos a fazer uma época fantástica, fizemos uma boa segunda volta e chegámos à final em grande forma. Com o espírito do Miki e a nossa vontade de vencer a Taça por ele, fomos para o jogo confiantes. Sabíamos que íamos jogar contra uma grande equipa, o Porto do Mourinho foi campeão europeu e ganhava a todos. Chegámos a esse jogo e, nos primeiros 15 minutos de jogo, poderíamos estar a golear o Porto com as três ou quatro oportunidades de golo em que uma delas foi ao poste, só que não marcámos. Eles marcaram, nós empatamos na segunda parte e, no prolongamento, o Simãozinho marca e dá-nos a vitória. Nessa altura, o Benfica estava há oito anos sem vencer a Taça de Portugal e foi um título especial para mim, pois nunca tinha conquistado nada na carreira e ver a grandeza do Benfica no momento da festa. Quando ganhas, é aí que consegues ver realmente o que é jogar num grande clube.

    BnR: E qual é a sensação de subir a escadaria do Jamor para levantar a Taça?

    AS: É uma sensação única. Nem todos conseguiram ter a oportunidade de subir a escadaria, apertar a mão ao Presidente da República e às pessoas importantes de Lisboa e do país, e erguer aquela Taça é fantástico. É algo que não se esquece e é difícil de explicar, pois é um sentimento único. É o desejo de muitos treinadores e jogadores vencer a Taça de Portugal, e felizmente tive essa oportunidade de conquistá-la.

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    Guilherme Costa
    Guilherme Costahttp://www.bolanarede.pt
    O Guilherme é licenciado em Gestão. É um amante de qualquer modalidade desportiva, embora seja o futebol que o faz vibrar mais intensamente. Gosta bastante de rir e de fazer rir as pessoas que o rodeiam, daí acompanhar com bastante regularidade tudo o que envolve o humor.                                                                                                                                                 O Guilherme escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.