Poucas vezes se percebeu que, diante do Benfica, no Estádio da Luz, estava presente o Campeão Europeu. Lisboa é uma cidade feliz para o Arsenal que, no outro lado da Segunda Circular, venceu o Barcelona e conquistou a Champions League Feminina. Foi precisamente para esta prova que as gunners voltaram à Cidade das Sete Colinas num encontro com sensações díspares e um enredo difícil de enquadrar.
Antes do jogo, porque há valores mais altos que se levantam, há inúmeros reparos à postura do Benfica – enquanto clube e instituição – para o jogo. Colocar todos os jogos europeus no Estádio da Luz e esperar que, só daí, chegue algum tipo de valorização, é uma realidade que só por miragem se pode enquadrar.
Ser a um dia de semana era uma inevitabilidade que não justifica a ausência de promoção de um jogo que, recorde-se, colocou o Benfica frente a frente com a melhor equipa do mundo. Esperar que, dois vídeos nas horas anteriores, atraia multidões ao Estádio é uma visão demasiado simplista da coisa. Os preços dos bilhetes também não ajudaram à festa e o próprio clube acabou por sair prejudicado. Ter 14 mil pessoas no Estádio da Luz a metade do preço permitiria arrecadar igual montante em bilhética e construir alicerces mais sustentados de identificação com a equipa feminina.
Ainda assim, que se continue – no mínimo – a valorizar o futebol escrito e desenhado por elas. No Seixal seria impensável ter 7.218 pessoas nas bancadas a ver o jogo. Que os números, por menos entusiasmantes que sejam, não coloquem uma venda e resultem em retrocesso é a maior exigência que se pode fazer num momento em que valorizar o futebol feminino é um processo mais demorado.

Não era difícil, quando era uma novidade, ter estádios mais ou menos cheios e bater recordes. Ultrapassado o primeiro impacto, todo o processo é mais demorado, repleto de altos e baixos. Já não se baterem recordes diariamente não significa um maior desinteresse, mas sim uma estabilização dos números. É preciso, sim, continuar o esforço para patrocinar um produto atrativo e que, ainda este verão, bateu recordes na Suíça.
Dentro de campo, a sensação também foi agridoce. O Benfica raramente conseguiu incomodar verdadeiramente a defensiva do Arsenal, mas também poucas vezes foi encostado às cordas. Apesar da diferença entre as duas equipas ser, por demais, evidente, esta foi-se dissipando com o tempo no jogo jogado, não nos lances capitais.
O Benfica, pela estratégia defensiva bem montada, conseguiu tornar a maioria das posses de bola estéreis e adormecer o jogo. Saiu traído por dois erros inacreditáveis, que resultaram em golos que, do outro lado, nunca aconteceriam. A diferença esteve neste ponto. Para o Benfica, foi preciso fazer muito e bem feito para criar perigo. Para o Arsenal chegar aos golos, bastou um acumular momentâneo de erros e más decisões.

Defensivamente, as águias conseguiram segurança num 4-5-1 que encostava Diana Silva e Lúcia Alves à linha das médias e que permitia às médias encarnadas não ter de defender a largura, minimizando deslocações e brechas. As principais vantagens criadas pelo Arsenal surgiram quando Mariona Caldentey, deslocando-se para posições mais laterais à procura dos half spaces, conseguiu fugir à marcação das jogadoras do Benfica ou quando Beth Mead se deslocava para o corredor central e causava dilemas na marcação de Catarina Amado. Com as médias encaixadas numa marcação quase sempre acertada e as centrais de frente e com superioridade numérica, as jogadoras encarnadas controlaram o jogo e estiveram longe de ser dominadas. O sabor agridoce fica por duas razões.
Defensivamente, os golos surgem de lances que não podem acontecer. As diferenças individuais também se explicam por esta razão. Diana Gomes será sempre mais forte quando vir a bola de frente, a antecipar e vencer duelos, do que em lances onde, por qualquer circunstância, esteja de costas para a baliza, obrigada a rodar ou a pormenores mais finos. Contrasta com a subtileza e serenidade com que, apesar do porte físico, Christy Ucheibe trata a bola. A nigeriana é esteio da linha defensiva do Benfica pela conjugação do perfil atlético, que lhe permite vencer duelos no físico e na velocidade, com o perfil técnico e psicológico com que trata a bola com uma calma aparente mesmo em situações difíceis.
No segundo golo, sucederam-se erros. A barreira estava mal colocada, faltou acompanhamento a Alessia Russo e surgiu uma passividade estranha numa altura em que o jogo estava em aberto e apenas um golo de diferença separava as duas equipas. O nível é alto demais para erros tão evidentes e declarados.

Com bola, faltou outra capacidade para a manter e trabalhar ao Benfica. Há opções questionáveis e méritos na aposta de Ivan Baptista que podem coincidir. Entre os elogios pela capacidade das águias competirem e os questionamentos, pelo que poderia ter sido feito de forma diferente, não há uma distância grande nem uma incompatibilidade.
Diante do Arsenal, Caroline Moller foi uma jogadora fundamental do ponto de vista ofensivo. Mesmo jogando sozinha na frente, acumulando-se as defesas nas suas costas, conseguiu segurar bolas, gerar jogo e criar situações. A posição não beneficiou o seu jogo, mas conseguiu mostrar-se. É próprio das boas jogadoras conseguirem ter impacto mesmo em contextos diferentes. Continua, em simultâneo, a ser algo estranha a presença de Cristina Martín-Prieto, uma jogadora com um perfil físico assinalável – para lá da veia goleadora –, no banco.
Também é preciso realçar a veia competitiva de Carolina Tristão. Não foi a média mais decisiva do Benfica em campo, mas aos 16 anos, tem tudo para ser um novo produto entusiasmante do futebol português. Associa-se com as colegas, simplifica jogadas e, sem bola, ocupa bem os espaços. Teve de sair cedo, já exausta, mas é uma das melhores notícias da temporada do Benfica.
Faltaram, coletivamente, outras soluções para transformar em posse as oportunidades. Lúcia Alves tentou colocar-se por dentro para permitir a Moller atrair defesas e libertar espaço para atacar o espaço, mas foram poucas as iniciativas que permitiram gerar real perigo à baliza do Arsenal. Que, por sinal, não deixou de ser o Arsenal.

BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: O Arsenal conseguiu muitas vezes acionar jogadoras, principalmente a Mariona Caldentey, fora da pressão das médias do Benfica. Qual a importância destes momentos para criar superioridades e bater a pressão do Benfica?
Renée Slegers: Achamos que é sempre bom encontrar espaços entrelinhas. Fizemos isso bem e conseguimos manipular a pressão em torno da bola e dos espaços. As jogadoras encontraram bem esse espaço e progredimos bem até aí, especialmente na primeira parte. O próximo passo é criar melhores oportunidades, forçar melhor a última linha. Mas foi como disse, estou muito satisfeita com o nosso jogo.
Bola na Rede: No momento defensivo da pressão do Benfica, vimos a Beatriz Cameirão muitas vezes a adiantar-se às duas médias para encaixar na pressão, primeiramente mais zonal e numa segunda fase mais individual. Qual foi a estratégia do Benfica para condicionar a saída de bola do Arsenal?
Ivan Baptista: Estávamos num 4-3-3 em que tínhamos três médias que se podiam ajustar do ponto de vista da marcação zonal. A partir do momento em que definíssemos a zona da pressão, passaria a individual. Era uma zona pressionante, em que assim que definíssemos a zona de pressão, teríamos de pegar individualmente todas as jogadoras nessa zona. Será sempre mais fácil fazer isto quando conseguíamos encaminhar a pressão para o corredor lateral, porque conseguíamos fechar esse corredor. Nem sempre o conseguimos fazer. Às vezes o Arsenal, e bem, conseguiu desbloquear por dentro e criar dificuldades. Sempre que uma das médias, no caso a Cameirão, saltava na pressão nas centrais teria de haver um ajuste por trás com as médias. Às vezes conseguimos fazê-lo porque estávamos com o bloco compacto, e conseguir esse ajuste é relativamente simples quando estamos num bloco de 25-30 metros, outras não o conseguimos fazer porque com a vontade de crescer na pressão e saltarem na pressão às centrais estávamos com o bloco demasiado esticado. Quando estamos a pressionar com um bloco de 50 metros é mais complicado fazer esses ajustes porque a média que vem em compensação não tem tempo para chegar à média do adversário que ficou livre. Uma boa análise, mas o intuito seria esse. Ter a nossa abordagem do ponto de vista de organização defensiva, que não foi nada de novo para este jogo. Foi maioritariamente um 4-5-1 em vez de um 4-3-3 porque projetavam muito as laterais e as nossas alas não podiam estar muito altas. Ainda assim tentámos encaminhar para o corredor, tornar essa zona pressionante e aí sim pegar individual.