Tribuna VIP: Um amor chamado Campeonato de Portugal

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Um dos últimos jogos a que assisti ao vivo antes de a pandemia nos atingir em cheio foi no dia 14 de fevereiro, um BVB Dortmund x Eintracht Frankfurt. Tinha planeado assistir a uma série de jogos pela Europa quando a Covid-19 comprou uma espécie de lugar anual. Os planos caíram por terra e, salvo raras exceções em trabalho, não voltei ao estádio. Ressaquei muito. Aliás, julgo poder falar por todos os que gostam de futebol quando digo que vivemos dias de ressaca. Falta-nos o lugar no estádio, o entornar da bebida no festejo do golo inesperado, a rouquidão causada pela bola que não é atirada para a frente, os cânticos a uma voz, o sorteio da redondinha ao intervalo.

Confesso que comecei por sentir falta dos grandes palcos. Lamentei as visitas agendadas que caíram por terra: a estreia no campeonato francês e o Camp Nou em competições europeias. Os jogos decisivos, os clássicos, os dérbis, a final no Jamor, os jogos com direito a hino da Champions. Depois, a meio da época, isto mudou. Não consigo identificar o momento exato, mas algures neste caminho a minha ansiedade mudou o foco. Talvez tenha sido o sol de domingo à tarde ou as histórias que fui ouvindo. O que é certo é que deixei de sofrer por não ver um jogo das chamadas “grandes competições”. Passei a ressacar os jogos do Campeonato de Portugal.

Três da tarde… Por esta hora eu estaria atrasada, como de costume, a desesperar para conseguir arranjar um lugar para estacionar. Acabaria por encontrar algum lugar longe do estádio e lá começaria a correr em direção à bilheteira, que estaria vazia porque o responsável já estaria a espreitar o jogo.

Fonte: Sebastião Rôxo / Bola na Rede

Depois de comprar o bilhete e de perguntar se ainda estava tudo a zero, lá entraria na bancada. Não me sentaria sem antes comprar um bilhete para o sorteio da bola ao intervalo, claro! Depois ficaria por ali a sentir o sol na cara, o cheiro a relva e a pensar: “Que sonho! As saudades que eu tinha disto”. Apesar de não ter passado muito tempo desde a última vez que repetira aquele ritual.

Dependendo do jogo ainda daria para distribuir abraços, para me comover com a presença de adeptos que alimentam um amor com mais de 60 décadas, para rever os colegas de escola que vestem a camisola do clube. Esperaria pelos últimos minutos do intervalo para ir ao bar comprar qualquer coisa – o quê? Não seria importante. O importante era ir ao bar. Ir ao bar fazia parte do ritual, mas se tivessem tremoços melhor.

Adoro ver futebol sentada de pernas entrelaçadas, com as costas encostadas ao degrau da bancada enquanto como tremoços. Se estiver sol então é o suprassumo, fico com combustível de felicidade para uma semana. Depois vinham os nervos do jogo, os ânimos a exaltar, os presidentes na bancada a tentarem pôr água na fervura. No final, o regresso a casa a esfregar as mãos em caso de vitória ou um desfilar de chavões a tentar salvar o que restava do domingo.

Tudo isto era futebol apesar de não caber nas quatro linhas. Ou melhor, apesar de não se esgotar nas quatro linhas, nem ser alvo de análise tática. Foi tudo isto que comecei a ressacar intensamente e que veio a atingir níveis altíssimos de melodrama neste último fim-de-semana. O Campeonato de Portugal entrou na fase final. Foi um desfilar de jogos decisivos desde a manhã de sábado até à tarde de domingo que fechou com um FC Alverca x SCU Torreense a provocar-me taquicardias várias e a deixar-me de lágrima no olho.

Fonte: Isabel Silva / Bola na Rede

Não faltaram surpresas. O Pevidém SC fez história e assegurou um lugar na fase de acesso à Liga II, o Trofense contrariou as expectativas, ultrapassou Leça FC e Gondomar SC e juntou-se ao Pevidém, SC Braga B, Anadia, União de Leiria, Torreense, CF Estrela e Vitória FC. O SC Beira-Mar desceu e o sonho de uma pequena aldeia da Guarda, o CCRD Vila Cortez, também terminou neste Campeonato de Portugal.

Jogo após jogo, fosse qual fosse o desfecho, ia ficando de coração apertado. Não eram os resultados que me emocionavam especialmente. Eram as histórias de superação. Não conseguia deixar de me lembrar dos tempos em que fui diretora de um clube em competições similares. De recordar as dificuldades que vivíamos – mesmo com público –para conseguir suportar as despesas de jogo, os salários, os imprevistos que iam surgindo ou as dificuldades para conseguir patrocinadores. Tudo era uma luta constante, e isto no tempo “pré-pandemia”.

Foi isto que me fez lacrimejar durante este fim-de-semana. Dezenas de clubes entraram em campo lutando dignamente por um objetivo sem a sua força maior: o público. Esquecendo-se de que o maior feito já tinha sido alcançado por todos: chegar à fase final de uma competição, sobrevivendo num ano perfeitamente atípico. Aos que atingiram feitos históricos, aos que enfrentam a dureza de uma descida, aos que ficaram a um ponto dos objetivos, aos que se conseguiram manter: obrigada! Obrigada por manterem vivo o futebol de norte a sul, por serem a força que agita aldeias e cidades. Obrigada por abdicarem do tempo em família, por se desdobrarem em mil trabalhos, por se levantarem às 6h30 da manhã para jogarem a uma centena de quilómetros de casa.

Isto vai passar, e quando passar não se esqueçam de guardar lugar para a Dona Maria da Conceição, que com os seus 95 anos há-de continuar a ver o seu Vila Cortez jogar, mesmo que nos distritais. E terá muitos abraços para vos dar! Como ela, seremos muitos a encher os bares ao intervalo, a gritar que a bola é a nossa, a encher bancadas e a puxar por todos: “Vamos, vamos!!! Vais chegar! Vai dar, vai dar!”

Artigo de opinião de Márcia Ribeiro Pacheco
comentadora Canal 11

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