5 matadores que nunca jogaram num dos grandes portugueses

Com a deliciosa performance de Nenê na Segunda Liga, que do auge dos seus 40 anos vai liderando a tabela de melhores marcadores com 21 golos em 25 jogos, a honrar uma carreira de muita produção e pouca mídia, como dizem os brasileiros, pusemo-nos, Bola na Rede, a pensar: que outros Botas de Prata da Liga Portuguesa (Nenê foi em 2008-09, com 20 golos pelo Nacional) nunca mereceram a chamada definitiva de um dos Três Grandes?

Que outros enormes finalizadores dos Pequenos conseguiram fazer história sem precisarem duma Águia, um Dragão ou um Leão ao peito? Mesmo sabendo que o Belenenses substituiu o FC Porto em determinado período do nosso Futebol, fomos à busca com os parâmetros de agora.

Eis uma lista de cinco nomes que encantaram o futebol português sem usar a camisola de nenhum dos clubes grandes.

1.

Patalino – 177 jogos na 1.ª Divisão, 118 golos; três internacionalizações – Domingos Carrilho Demétrio nasceu, Patalino se tornou pela proeminência do progenitor no jogo da pata.

O pequenito Domingos não embirrou com o nome, mas preferiu sempre as bolas de trapos para lhes dar valentes pontapés; cresceu para se tornar um perspicaz ponta de lança com a estampa física para domar sozinho uma defesa inteira. Na 1.ª Divisão, saltou para a ribalta com “O Elvas” e, de 1945 a 1949, somou 81 golos, pelo meio, os dois que decidiram o famoso campeonato do ‘Pirolito’ – só Peyroteo lhe fazia sombra.

Quando o prolífico sportinguista saiu de cena, era ele o mais consagrado ponta de lança português e por isso, além dos insistentes convites de grandes clubes como o Benfica, Sporting e Belenenses, também os grandes da capital espanhola, Atlético madrileno e o poderoso Real, disputavam os seus préstimos. O Atlético deu tudo, ou quase tudo: 150 mil pesetas pela transferência (179 contos), 2500 de ordenado, cedência de três jogadores e realização de jogo amigável em Elvas, sem custos para os da casa.

Patalino rejeitou, como rejeitou, a derradeira aproximação do Sporting, que o levou mais Ben David e Serafim das Neves (Belenenses) para uma digressão ao Brasil em 1951. Procurava-se ainda o sucessor de Peyroteo. Derrotas com o Nacional de Montevideo (1-2) e Vasco da Gama (1-5) deram a resposta: Patalino tinha marcado os dois golos portugueses, era a hora do alentejano dar asas ao seu talento e cumprir a grande carreira que merecia. Rejeitou.

Desceu com o seu Elvas e em 1952 transferiu-se para o Lusitano de Évora, onde acabou a carreira como… extremo-direito, numa decisão que revela o seu carácter excêntrico de tão simples – jogaria onde as suas gentes precisassem dele.   

Revelador gesto da gratidão alentejana: o estádio da sua Elvas é hoje conhecido como o Domingos Patalino, ou Campo Patalino para os mais íntimos.

2.

Ben David – Cabo-verdiano abençoado com o talento dos mais famosos e a humildade dos mais virtuosos. Henrique Ben David dá nas vistas no Mindelense e logo é recrutado pelos poderes da Metrópole, em 1946.

Da CUF tinham-lhe prometido lugar na equipa de futebol e emprego como mecânico automóvel – mas quando chega, percebe que tinha havido volta-face e se suspendia temporariamente o futebol na empresa. Estava à espreita o Atlético, que aproveitou, oferecendo-lhe 500 escudos por mês. Melhor que nada. De extremo e interior criativo transformou-se, com o tempo, em elegante finalizador.

Em 1950, recebia-se a Inglaterra no Jamor, primeiro encontro depois dos catastróficos 10-0. Na tal fase da procura incessante pelo sucessor de Peyroteo, desfiavam-se na opinião pública três opções: Cabrita, o craque todo o terreno do Olhanense, Patalino, o tanque de Elvas, e Arsénio, o enérgico benfiquista. O seleccionador Salvador do Carmo foi contra a corrente e chamou Ben. Mesmo tendo ele acabado de fazer 21 golos em 49/50 e a caminho dos 26 em 50/51, empertigaram-se as gentes com a decisão. Não tinha outra escolha Ben senão mostrar em campo o raro talento – bisou, e o 3-5 final é uma clara evolução.

Obviamente, a fama ecoou Europa fora. Em 1951, o Stade Français, que tinha descido da Ligue 1 e pretendia voltar imediatamente (como acabou por fazer), tencionava construir equipa capaz de grandes feitos – em Ben David viram figura de cartaz e o avançado certo para o seu projecto.

O emissário mostrou-lhe as condições: seis mil escudos por mês, 1800 por vitória fora de casa, 1000 por vitória em casa, 800 por empate, mais casa e automóvel, não sem o diamante que garantia o sim do jogador – especialização numa fábrica automóvel à escolha, entre Renault, Peugeot ou Citroen. Estava ali um dos grandes sonhos de vida de Ben David.

Mas quando foi do conhecimento dos responsáveis portugueses, a ganância meteu-se ao caminho e a exigência foi brutal: só vendemos por 300 contos. A impertinência afastou os franceses e lá se foi o sonho de Ben David, que pouco mais tarde começaria longo calvário à conta duma lesão mal curada no menisco. Viveria até final da vida em Ponta Delgada, como operador numa fábrica de lactícinios…

3.

Bentes – 270 jogos na 1.ª Divisão, 134 golos; três internacionalizações – O símbolo máximo da história académica não era bem ponta-de-lança, antes um fantasista dos corredores que garantia eficácia e pragamatismo na hora da decisão, e a qualidade subia quanto mais próximo estivesse da baliza.

Com a alcunha de “rato atómico” ficou pelos 168 centímetros de altura e de Coimbra nunca saiu por lealdade à causa estudantil e pela possibilidade de estudar Magistério Primário. Estreou-se aos 18 anos, em 1945-46, e só terminaria a carreira de futebolista em 59/60, com bem menos títulos que o seu talento sugeria. A sua história na equipa das Quinas fica marcada pelo episódio na estreia, num 3-1 à Irlanda em 1946: combinou-se no balneário que Lourenço, extremo direito do Estoril, começaria na ala oposta à de Rogério Pipi, craque benfiquista.

Na segunda parte, Lourenço saíria por Bentes e Rogério iria para a direita, permitindo ao caloiro ambientar-se na posição favorita. Só que Tavares da Silva, seleccionador, decidiu baralhar tudo e tirar o craque do Benfica. Tragédia: brindou-se o treinador com gigante coro de assobios e, porque não, castigou-se também o miúdo que entrara, sem culpa nenhuma. A cada toque de bola de Bentes, lá vinha o barulho. Talvez por isso, só tenha voltado a ser internacional mais duas vezes, as duas já nos anos 50.

Com 32 anos, pendurou as botas e tornou-se finalmente professor, com o mesmo brio com que defendia a Académica.

4.

Matateu – 289 jogos na 1ª Divisão, 218 golos, 27 internacionalizações, 13 golos – Foi Eusébio antes de Eusébio, sendo o nome mais consensual da bola portuguesa e o seu digno embaixador por esse Mundo fora: foi com a Cruz de Cristo ao peito que se sagrou melhor jogador da Taça Latina, em 54-55, depois de perder a final (0-2) com o Real Madrid, ou que arrancava grandes elogios dos maiores especialistas em cada digressão.

Sebastião Lucas falhou apenas o sonho de conquistar o campeonato pelos Azuis do Restelo – que a Taça ganhou-a, em 1960 – , muito perto esteve, na fatídica 54-55; só não levantou o troféu porque o Sporting fez o 2-2 a quatro minutos do fim da última jornada, entregando o título ao Benfica. 

Durante uma década, nunca cumpriu menos que 14 golos no campeonato, e arrecadou por isso, naturalmente, dois troféus da Bola de Prata, com 31 golos em 1953 e 32 golos em ’55. Aliás, o destino de glória e fama ficou-lhe traçado na estreia no campeonato por esse seu jeito de ser decisivo: bisou num 4-3 ao Sporting no Restelo, com o quarto golo a surgir nos minutos finais. Ainda há pouco tinha chegado e já saía em ombros do relvado…

Peripécias que lhe adoçam a lenda, muitas. A filha chama-se Argentina porque Matateu soube que fora pai pela instalação sonora do Jamor, durante um jogo da selecção contra argentinos – foi fácil a escolha de nome. Carácter divertido e apaixonante, deixou-se muitas vezes levar pela boémia lisboeta e os seus serões alegres; dizia-se, pelas entrelinhas da quadrilhice, que o clube lhe dera autorização de tomar uma “cervejinha” aos intervalos dos jogos e que, Matateu, tentando aproveitar ao máximo o privilégio mais generoso, pedia a um cúmplice dos corredores que lhe escondesse umas de sobra atrás da sanita.

E essa atracção pelo hedonismo valeu-lhe o final de carreira ao alto nível. A 29 de Julho de 1962, parte a perna num torneio em Nova Iorque. Pelo estilo de vida, não foi bom doente e a recuperação arrastou-se. Fernando Vaz, o lendário treinador que daria Taças ao Vitória de Setúbal e campeonatos ao Sporting, lançava a bomba, em Setembro de 1963: o lendário e intocável Matateu não tinha mais condições fisiológicas para ajudar a equipa. Alvoraçou-se o Restelo, Belém encheu-se de indignados contra o corajoso mensageiro da verdade. Fragilizou-se a sua posição e tudo culmina numa forçada Assembleia Geral, em Março de 1964. Vaz não resistiria, Matateu fez quatro jogos até final da época e sairia pouco depois.

Seguiria para a Tapadinha, onde foi campeão nacional da Segunda Divisão com José Águas no banco e Zé Gato na baliza. Radicou-se depois no Canadá, onde fez vida até aos últimos momentos e continuou a jogar até aos 55 anos.

5.

Rashid Yekini – 141 jogos em Portugal, 101 golos; 58 internacionalizações pela Nigéria, 37 golos – Figura emblemática do Vitória sadino e da Liga portuguesa no princípio dos noventa, Yekini atingiu o total zénite ao serviço da sua Selecção – é dele o primeiro golo da Nigéria em Campeonatos do Mundo (no 3-0 à Bulgária de 1994) e é ele a estrela mais cintilante da vitória na CAN em 1994, onde é melhor marcador e jogador. Isto já depois de receber o prémio de Jogador Africano do Ano em 1993! E em 1994 seria segundo lugar, empatado com George Weah, um dos grandes jogadores da história, com 44 pontos, a quatro do sportinguista Amunike.

No Vitória faltaram os títulos colectivos, destinados aos três grandes, mas a alcunha de Deus Negro saiu das bancadas do Bonfim pela sua preponderância nos jogos mais emblemáticos do período – como o 5-2 ao Benfica de Toni, mais tarde campeão, na tarde em que Yekini fez dois mas podia ter feito o triplo.  

Não seria feliz a partir daí. A saída para o Olympiakos não resulta, volta a Setúbal, joga em Gijon e depois parte para romaria pelas Arábias e Magrebe, até voltar a casa. Na Nigéria se fixou, diz-se que viveu sozinho apesar das três mulheres e três filhas e não resistiu a problemas psicológicos em 2012, a chegar aos 50 anos.

Pedro Cantoneiro
Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, de opinião que o futebol é a arte suprema.

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