Com o fim do campeonato português, é importante dar espaço àquelas equipas que não costumam ocupar as primeiras páginas da imprensa desportiva.
O Santa Clara, sob o comando do português Vasco Matos, realizou a melhor campanha da sua história, conseguindo ultrapassar in extremis do Vitória SC o quinto e último lugar de qualificação de uma equipa portuguesa para as competições europeias.
Foi uma luta apaixonante por esse quinto lugar a que travaram os vitorianos e os açorianos, sendo que nos últimos jogos, a equipa açoriana foi a mais competente e conseguiu a sua terceira qualificação para uma prova europeia, depois da participação na extinta Taça Intertoto na época de 2002/2003, e da presença nas fases preliminares da Conference League, na época 2021/2022.
Nos últimos cinco jogos do campeonato, o Santa Clara não conheceu o sabor da derrota, o que foi crucial para conseguir a tão ambicionada e desejada quinta posição. Depois de uma derrota injusta em casa contra o Sporting (que viria a ser campeão nacional) em meados de Abril, que foi igualmente precedida de uma derrota contra o seu rival direto por essa qualificação em Guimarães, a equipa do Santa Clara começou apenas a acalentar uma ténue esperança de conseguir esse histórico quinto lugar.
Empatou em Vila do Conde num jogo em que esteve a perder até bem perto do fim do jogo, seguidamente ganhou em casa ao Arouca, empatou em Braga (num jogo em que podia e devia ter ganho) e ganhou em Famalicão na penúltima jornada.
Com esse resultado e com a inesperada derrota do Vitória SC em casa contra o “aflito” Farense, quis o destino que tudo se fosse decidir na última jornada, com a equipa vitoriana e a equipa açoriana empatadas pontualmente com 54 pontos.
E o Santa Clara sabia que muito provavelmente iria necessitar apenas de um empate nesse último jogo, pois confiava que os vimaranenses não conseguissem pontuar em Alvalade, contra o Sporting, que necessitava de ganhar, pois entrou em igualdade pontual com o Benfica no topo da classificação.
Caros leitores, apesar da minha grande simpatia pela equipa vimaranense, devo dizer que esta equipa do Santa Clara mereceu ser bafejada pela sorte.
Fez a sua parte, ganhou de forma sofrida (como não) a um Farense, que vinha de duas vitórias consecutivas frente a Famalicão e Vitória SC, que jogava em sua casa a salvação, e que poderia acusar por isso a pressão de conseguir um resultado melhor do que o AVS e o Boavista, evitando assim a despromoção no ano seguinte a ter sido promovido à primeira divisão.

Foi um jogo não muito bem jogado, mas o objetivo principal foi conseguido: o fantástico quinto lugar, beneficiando da derrota da turma vitoriana em Alvalade, e da sua vitória tangencial em Faro.
Quando soou o apito final do árbitro, desatou-se a loucura entre os poucos mas ruidosos adeptos açorianos que se deslocaram ao Algarve, a que se juntou a euforia desenfreada da equipa técnica e dos jogadores deste plantel que já é história do Santa Clara.
Melhor pontuação de sempre com 57 pontos conquistados (17 vitórias é também um máximo histórico do clube), a maior pontuação da história do clube açoriano. Uma equipa que praticou um futebol de grande qualidade e onde Vasco Matos conseguiu criar uma excelente mescla de jogadores experientes com a irreverência de jogadores jovens.
Nas taças nacionais, a equipa do Santa Clara teve igualmente um percurso notável. Na Taça da Liga, foi apenas eliminada pelo Benfica (que viria a ser a equipa vencedora da competição) nos quartos-de-final.
Na Taça de Portugal, esteve bem próximo de eliminar o Sporting em Alvalade nos oitavos-de-final da competição, sendo eliminada apenas após prolongamento, num momento do jogo em que era superior pois tinha conseguido levar o jogo a prolongamento praticamente no último lance do tempo regulamentar, mas onde um descuido fatal de Frederico Venâncio ao minuto 113 do prolongamento, a impediu de discutir a passagem aos quartos–de-final da prova na marcação de grandes penalidades.
Nesta equipa do Santa Clara (num exercício que sempre considero injusto), devo destacar os nomes do guarda-redes brasileiro Gabriel Batista (responsável principal para que a equipa açoriana sofresse apenas 32 golos, sendo assim a quinta equipa menos batida do campeonato), os defesas Sidney Lima e Matheus Pereira (a quem será difícil reter na próxima época), o nível fantástico dos portugueses Ricardinho e Serginho e um trio de ataque bastante dinâmico e móvel, onde brilhou a grande altura o atacante Vinicius Lopes, que foi um autêntico quebra-cabeças para várias defesas adversárias, tal como Wendel e Gabriel Silva.

Uma menção especial à grande época de Frederico Venâncio (apesar da já mencionada falha em Alvalade). Um jogador a quem as lesões e algumas decisões controversas de carreira, impediram de chegar ao nível que muitos lhe reconheciam no início da mesma.
A sua experiência e liderança foram fundamentais para dar a necessária segurança e consistência defensiva ao emblema açoriano, e o nível apresentado pelo defesa-central português foi tão surpreendente (pois esteve várias épocas na segunda divisão espanhola ao serviço do Eibar), como uma das grandes notas de destaque do nosso campeonato.
Depois de enaltecer todos os feitos deste plantel, é obrigatório destacar aquele que eu considero que é o grande obreiro desta época extraordinária da turma açoriana: o seu treinador Vasco Matos.
Na minha opinião, deve ser considerado o melhor treinador deste campeonato, porque o que conseguiu com esta equipa do Santa Clara, só está ao alcance de alguém muito capaz e de um treinador de grandíssima qualidade, a quem esperam voos mais altos num futuro próximo.
Voos altos que já poderiam ter acontecido em Fevereiro deste ano, quando esteve muito próximo de assinar pelos brasileiros do Botafogo (substituindo o português Artur Jorge no cargo, que vinha de ganhar a Taça Libertadores e o Brasileirão pelo emblema carioca), e que só não se concretizou porque Vasco Matos rejeitou a proposta do clube brasileiro e ato seguido, renovou com o Santa Clara até 2027.

Vasco Matos chegou a ter praticamente tudo certo para ser treinador do Botafogo com o clube liderado por John Textor disposto a pagar a cláusula de rescisão de um milhão de euros. No entanto, fontes próximas da negociação indicaram dois motivos para que tal não se concretizasse.
Em primeiro lugar, a falta de garantias dadas pelo Botafogo a Vasco Matos para a obtenção da equivalência do nível de treinador (tem o UEFA A, abaixo do UEFA Pro) junto da Conmebol. Em segundo lugar, a alteração de alguns detalhes no acordo inicial, sendo que o técnico português decidiu abortar o negócio.
Depois disto, os açorianos acabaram por recompensar o técnico português com um novo contrato, com mais uma época de duração do que o anterior.
O seu compromisso com a equipa açoriana ficou bem patente com as suas declarações depois de decidir permanecer no Santa Clara: “Foi um processo transparente. Toda a gente sabe o que se passou. Toda a gente estava envolvida no processo. Por isso, foi uma decisão, na minha opinião, muito acertada. Seguimos o nosso trabalho. Isso é o mais importante.”
Vasco Matos assumiu o comando técnico do Santa Clara na época 2023/204, tendo sido campeão da 2ª Liga e conseguido a consequente promoção à Primeira Liga, e criou laços afetivos com o clube, que se sobrepuseram a uma melhor proposta económica e a esta grande oportunidade de carreira, que seria a de treinar o atual vencedor da Taça Libertadores.
Na sua época de estreia no Santa Clara, Vasco Matos bateu o recorde de pontos da equipa em qualquer competição, a proeza de não perder nenhum jogo fora de casa e de ser a melhor defesa nas dez principais ligas europeias com apenas 19 golos sofridos (!).
“Criámos aqui dentro um vínculo muito forte. Para muita gente podia não fazer sentido, mas para mim faz muito sentido continuar aqui e fortalecer aquilo que é o nosso trabalho”, acrescentou igualmente o técnico nacional na conferência de imprensa posterior à sua rejeição ao Botafogo e renovação com o emblema açoriano.

É importante realçar que depois de ter estado nessas fases iniciais de uma competição europeia (na já mencionada época 2021/2022), e depois de um brilhante sétimo lugar, o Santa Clara desceu de divisão ano seguinte, pelo que é necessário que não se cometam os mesmos erros do passado, e que se edifique um plantel mais vasto e com mais recursos para acometer todas as competições em que a equipa açoriana estará envolvida, assim como é fundamental que se mantenha os jogadores que compõem a espinha dorsal da equipa.
A pré-época começará bem mais cedo do que as restantes equipas, mas vendo o nível que esta equipa ofereceu durante toda esta época, e caso consiga manter os seus principais jogadores, tem todos os motivos para sonhar com a possibilidade de melhorar a participação anterior e atingir por fim a fase de grupos de uma competição europeia.
Pelo ranking de Portugal, o Santa Clara começará assim na segunda pré-eliminatória, cujo sorteio é a 18 de Junho. Os jogos serão nos dias 24 e 31 de Julho. Caso consiga ultrapassar essa segunda pré-eliminatória, a fase seguinte será jogada a 7 e a 14 de Agosto. E o play-off e derradeira fase de qualificação para a fase de grupos, será nos dias 21 e 28 de Agosto.
Como podemos ver, a pré-época necessitará de ser muitíssimo bem planeada e que tenha a devida carga física, para que os jogadores possam competir ao mais alto nível num calendário tão exigente numa fase inicial da temporada.
É difícil alcançar o nível competitivo máximo numa fase tão prematura da época, pelo que vai ser fundamental que Vasco Matos faça uma gestão cuidada e eficiente do seu plantel.
Se atingir a fase de grupos, esses jogos jogar-se-ão entre 2 de Outubro e 18 de Dezembro. O sorteio determinará dessa forma três adversários, sendo os jogos numa só mão, alternando com jogos dentro e fora de casa.
A pontuação de todas as equipas estabelecerá a qualificação direta dos oito primeiros classificados para os oitavos-de-final (fase que foi brilhantemente alcançada esta época pelo Vitória SC).
Depois de um título de campeão da Segunda Liga e de conseguir a melhor classificação de sempre do Santa Clara na Primeira Liga, não restam quaisquer dúvidas em afirmar que Vasco Matos (num curto espaço de tempo) já deve ser considerado o melhor treinador de sempre do Santa Clara, mesmo que não consiga a tão ambicionada qualificação para a fase de grupos de uma competição europeia.

As bases estão criadas, a equipa está devidamente trabalhada taticamente (onde é evidente um grande espírito de grupo e conexão entre jogadores e treinador), e apresenta uma identidade muito própria, onde o seu futebol é bastante reconhecível e uma das equipas que melhor futebol praticou em Portugal no último ano.
Será possível fazer melhor do que este ano? Será manifestamente complicado, mas projeto um campeonato tranquilo (seguramente acima da metade da tabela) e a primeira presença de sempre na fase de grupos de uma competição europeia.
Acredito que inicialmente o discurso será de que o importante é conseguir manter o Santa Clara na Primeira Liga, para que haja a necessária continuidade na alta roda do nosso campeonato. Mas lá no fundo, também creio que Vasco Matos terá a ambição de continuar a fazer história no emblema açoriano.
Aconteça o que acontecer, esta época de 2024/2025 será sempre inesquecível no coração de todos os adeptos açorianos.