A última presença do Futebol Clube de Famalicão na Primeira Liga decorreu na temporada de 1993/1994, na qual o clube minhoto acabaria por consumar a despromoção à Segunda Liga, terminando o campeonato no penúltimo lugar. Nos anos seguintes, o clube passaria por uma grave crise financeira, fruto de sucessivas más gestões, passando muitos dos anos seguintes nos escalões regionais/distritais.
Há cinco épocas atrás, na temporada 2014/2015, o FC Famalicão, já sob alçada de uma estrutura directiva estável, competia no Campeonato Nacional de Seniores. E já naquele tempo, o clube dava que falar pela sua forte ligação aos sócios/adeptos, que enchiam o Estádio 22 de julho jogo após jogo. Nessa época, o clube realizou uma temporada notável, chegando aos quartos-de-final da Taça de Portugal (sendo eliminado pelo Sporting CP) e alcançou a subida à Segunda Liga, consumando o regresso aos escalões profissionais.
Desde então, o objectivo do clube famalicense passou por solidificar a sua posição no futebol profissional, de forma competente e realista, destacando-se ainda pela construção de uma academia, que seria inaugurada no dia 2 de junho de 2018.
No entanto, com o objectivo de levar o FC Famalicão mais longe, procedeu-se a uma mudança de paradigma na gestão do futebol profissional. O primeiro passo nessa mudança de paradigma foi dado no dia 1 de julho de 2017, quando os sócios aprovaram em Assembleia Geral a transformação jurídica do FC Famalicão de SDUQ (Sociedade Desportiva de Unificação por Quotas) para SAD.
Quase um ano depois, no dia 23 de Junho de 2018, numa Assembleia Geral extraordinária, foi aprovada a venda do capital da SAD a accionistas estrangeiros. E seis dias depois, chegaria aquele que seria o catalisador desta mudança de paradigma: dia 29 de junho de 2018, o FC Famalicão anunciou a venda de 51% das acções da SAD à Quantum Pacific Group, com direito de opção de extensão para 85%. Começava assim uma nova era na história do Futebol Clube Famalicão.
A Quantum Pacific Group é uma holding que investe em diversas áreas e é também o grupo que detém 32% das acções da SAD do Atlético de Madrid. Uma das peças-chave nesta união foi o superagente Jorge Mendes, que tem uma relação próxima com Idan Ofer, accionista maioritário da Quantum Pacific; e também com aquele que seria o CEO da SAD da SAD, Miguel Ribeiro.
Luís Miguel Ribeiro é um homem da terra, natural da freguesia de Joane, que trabalhou como Director Geral do Rio Ave FC entre 2011 e 2018, fazendo parte do melhor período da história do clube, no qual realizou o melhor campeonato da história (quinto lugar em 17/18 com 51 pontos), bem como três qualificações para a Liga Europa. O seu pai fazia parte da direcção do clube aquando da sua última presença na Primeira Liga e agora, é o novo homem forte da estrutura do futebol profissional do FC Famalicão, estando por detrás dos dois restantes membros do Conselho Administrativo da SAD: Jorge Silva, presidente do FC Famalicão; e Amit Singh, representante da Quantum Pacific.
Chegado ao clube, Miguel Ribeiro estabeleceu como primeiro objectivo fazer do FC Famalicão um “clube de Primeira na Segunda”, profissionalizando o clube com a implementação dos departamentos de saúde, de comunicação, de marketing e departamento financeiro. O departamento de futebol também sofreu alterações: no cargo de Director Desportivo, João Tomás (ex-avançado internacional português) foi substituído por Chico, que representou o clube enquanto jogador entre 2013 e 2017; e o cargo de Secretário Técnico a ser desempenhado por João Silva, que já trabalhou com Miguel Ribeiro no Rio Ave FC. A SAD ainda recuperou o relvado do Estádio 22 de julho e disponibilizou um campo de treinos ao lado do campo principal.
A primeira época desta nova sociedade não podia ter corrido melhor, com o FC Famalicão a conseguir a subida de divisão, 25 anos após a última presença na Primeira Liga. Mas a SAD não baixou os braços e começou imediatamente a preparar o regresso à elite do futebol português.
Miguel Ribeiro continuou a investir na profissionalização do clube, com a implementação dos Departamentos de Rendimento e de Scouting. A estrutura do futebol de formação também foi reforçada com um novo director (Rui Silva), com destaque ainda para a criação de uma equipa de sub-23, que irá competir, já na nova época, na Liga Revelação, sendo orientada por António Barbosa (ex-Vilaverdense). Foi também criada uma equipa de futebol feminino, que começará a competir na Segunda Divisão.
O investimento nas infra-estruturas também não ficará por aqui, com a construção da segunda fase da academia, bem como de um novo estádio no mesmo local do antigo (à imagem do que aconteceu com os Estádios do Bessa e dos Barreiros), cujas previsões apontam que esteja concluído em 2021.
Quantos aos objectivos para a primeira época no escalão máximo do futebol português, o clube tem a ambição de conseguir lutar pelos lugares de acesso às competições europeias, ao ponto de já estarem a tratar do licenciamento para a UEFA (de movo a evitar o que aconteceu com o CD Aves e o Moreirense FC). No entanto, Miguel Ribeiro explicou numa entrevista à TSF, que o primeiro objectivo nesta nova etapa, será implementar uma cultura desportiva no clube, que consiste em construir uma nova equipa e implementar-lhe a mentalidade de que é possível vencer todos os jogos.
Em termos da construção do plantel, o clube também já colocou as primeiras pedras. O novo treinador é João Pedro Sousa. O ex-adjunto de Marco Silva irá cumprir a sua primeira experiência como treinador principal no futebol profissional, e é o homem no qual a estrutura acredita ter aquilo de que a equipa precisa, no sentido de implementar um futebol positivo que evolui e valoriza os jogadores.
Também já foram anunciados alguns reforços, tais como o lateral-direito Lionn (ex-Rio Ave FC e CD Chaves), os médios Lawrence Ofori (ex-Leixões e CD Feirense), Cafú Phete (ex-Vitória SC) e Guga Rodrigues (ex-SL Benfica), o médio-ofensivo Rúben Lameiras (ex-Tottenham) e os extremos Fábio Martins e Diogo Gonçalves, por empréstimo do SC Braga e SL Benfica, respectivamente.
O CEO Miguel Ribeiro também tem feito questão de enaltecer o papel da massa adepta fervorosa e apaixonada do FC Famalicão, que dá uma força que também tem ajudado o clube a crescer. Têm havido vários eventos sociais e ainda a criação de marcas como a “Famalicão Seguros” de modo a manter a proximidade entre clube e adeptos, fazendo jus à máxima de que “temos de cuidar de quem cuida de nós”.
Este é um projecto bastante ambicioso e que certamente fará do FC Famalicão um dos clubes a observar nos próximos anos, há uma lição mais importante a retirar deste caso.
Vivemos numa altura em que as SADs e os investidores têm uma reputação bastante manchada no futebol português, tanto devido a casos em que accionistas estrangeiros guiam o clube seguindo os seus próprios interesses, como a casos em clubes são geridos até à ruína financeira e em que depois se vende as acções da SAD a um investidor que serve como pronto-socorro para tapar buracos.
Portanto, o caso da sociedade entre o FC Famalição e a Quantum Pacific Group é um exemplo que mostra que também existem accionistas capazes de trabalhar em conjunto com o clube em prol de um objectivo comum. E é uma lição para que outros clubes não cometam o erro de venderem as acções da SAD ao primeiro investidor que apareça pela frente, mas sim para que cada proposta de venda seja estudada e ponderada para bem do clube.
Foto de Capa: FC Famalicão